Luanda - A RFI leva a cabo uma serie de reportagens intituladas Façamos História e esta sexta-feira, 19 de Agosto, propomo-vos explorar um pouco da história de Angola com o historiador Bruno Júlio Kambundo.

Fonte: RFI

Bruno Júlio Kambundo é um investigador que se interessa particularmente pela história dos trabalhadores angolanos, que viveram um período de opressão e, segundo o historiador, desempenharam um papel importante na consolidação do regime colonial português.

 

RFI: "Recuperar vozes silenciadas" tem sido o seu trabalho enquanto investigador, por que motivo se interessa por este tema?

Bruno Júlio Kambundo: Interesso muito pela história dos trabalhadores. Porquê? Porque é uma linha de pesquisa que sigo e que estou a terminar o meu trabalho de doutoramento em relação ao estudo sobre o papel da mão-de-obra africana na construção do caminho-de-ferro, no período compreendido entre os anos de 1905 e 1971, porque entendo que, independentemente, dos angolanos terem vivido um período de opressão, eles jogaram um papel preponderante naquilo que foi a consolidação do regime colonial português. Embora com muitas vezes, essas vozes são silenciadas e tal eu costumo trabalhar, geralmente, na ideia de recuperar essas vozes silenciadas.

 

Faz-se trabalho de investigação no campo, no terreno encontra-se com trabalhadores alguns destes trabalhadores que trabalharam na construção das linhas de ferros de Moçâmedes ainda estarão vivos. Quais é que são os relatos que ouviu que ouve?

Na verdade a metodologia que temos estado a usar é fazer um cruzamento daquilo que existe em relação às fontes que foram produzidas pelo regime colonial português, mas também uma ligação com os periódicos da época. Para o o último período, nós felizmente ainda encontrámos algumas pessoas que trabalharam nos últimos anos no caminho-de-ferro de Moçâmedes e que têm relatos interessantíssimos. Relatos que muitas vezes os registos deixado pelo regime colonial não narram. Procuramos fazer dialogar e perceber que influência e que eles jogaram nesse processo.

 

Qual é que foi essa influência?

É que sem essa mão-de-obra africana não seria possível Portugal consolidar o seu projecto colonial de várias formas. Para ter uma ideia, Portugal quando colocou em prática o projecto da construção do caminho-de-ferro de Moçâmede, independentemente dos demais objectivos que tinha, o principal era a salvaguardar aquele território que já tinha, de alguma forma, conquistado fruto da pressão que vinha sofrendo que era da Alemanha como da Inglaterra. Desta forma Portugal estava a tentar garantir por si só que os alemães e os ingleses não ocupassem o território que já estava na sua posse. Desta forma conseguimos compreender, por exemplo, que Portugal traça uma estratégia e que conta com os africanos para consolidar a mesma.

 

Essa estratégia surge no século dezanove, quanto Portugal já vai sentindo a pressão de outras potências que viam um grande potencial em Angola?

Na verdade os problemas não começam nos anos 30 e 40 são anteriores. Desde o último quartel do século, Portugal vai sentido a pressão das potências coloniais. Depois da conferência do Berlim, há uma corrida desenfreada para África e para o caso de Angola não foi diferente e aqui Portugal, que não tem o mesmo poderio económico e financeiro que tem a França que tem a Inglaterra, começa a sentir apertado. Tal é que no caso de algumas construções no capítulo financeiro elas tiveram a mão da Inglaterra e noutros casos mesmo da França. Neste âmbito, Portugal precisava de garantir que as posições que possuía e que não as fosse perder. Da mesma forma que Portugal conseguiu administrar regiões e encontrou muita resistência dos nativos e é percebida pelo conjunto de acções legislativas que Portugal fez.

Se olhar para o regulamento indígena, os diferentes códigos que Portugal fez sair é sempre numa forma de fazer com que o africano de Angola se submetesse àquilo que era a sua estratégia colonial. Desta forma também se quisermos perceber que Portugal nesta altura não tem em termos populacional o número considerável para ocupar e garantir a ocupação nos territórios como Angola, Moçambique e nas outras colónias portuguesas só se pode perceber desta forma que é com os próprios nativos que Portugal arquitectou toda a sua agenda de dominação.

 

Falou de submissão ainda existe a seu ver um sentimento de submissão relativamente aos países exteriores, às relações com outros países?

Penso que a relação histórica que é os angolanos tiveram com os portugueses ainda hoje se faz sentir no dia-a- dia dos angolanos, no lidar com os agentes portugueses. Não podemos descurar que de alguma forma se faz sentir sobre várias maneiras os angolanos submetem-se por exemplo no capítulo educacional, em muitas vezes mesmo no capítulo da saúde, mesmo sem querer acabámos submetendo.

Se eu olhar, por exemplo, para aquilo que são os códigos eh legais do país que é a Angola é como se fosse um copy paste do que que se vive em Portugal e em muitos casos deixámos de assumir aquilo que é a nossa identidade, assumindo uma identidade e um olhar do ocidente que é esse imaginário de Portugal.

 

Qual é a identidade de Angola?

A identidade de Angola é dos angolanos e é aquilo que os caracteriza da verdade. Não é muito normal, por exemplo, que os jovens angolanos hoje não consigam falar o quimbundo ou o bundo e não tenham históricos sobre o seu passado. Sabe que a relação Angola Portugal fez com que muitos dos nossos antepassados, os mais velhos conhecessem mais os rios de Portugal do que os rios de Angola. Se for ter com adulto lá que eu tenha vivido até antes de 1975 e que tenha feito a sua formação neste período. Conhece melhor o rio Tejo e outros do que o rio Cuanza ou ao rio Luei porque era assim ensinado. E o modelo de vida é orientado naquilo que era a base do organismo colonial português. Hoje tentámos fazer diferente, mas há ainda uma prisão muito forte.

 

Além de um regime colonial que se prolongou durante muitas décadas há depois as lutas de libertação. A independência de Angola e depois vem a guerra civil. Angola teve alguma dificuldade em reconstruir-se.

Sem sombra de dúvidas. Quando se pensava que à saída de Portugal e o fim do colonialismo se é assim entendermos fosse um período de dar passos para a para a frente, na verdade a guerra civil surge para encravar ainda mais este projecto de desenvolvimento dos angolanos. Sempre tal e qual ao período colonial é um processo tem a cabeça ao ocidente. Infelizmente a guerra civil levou muitos angolanos e destruiu e não permitiu que os angolanos se encontrassem. Hoje estamos a tentar fazer um país, que precisa de referências, que precisa de modelos. Há que se criar uma estratégia de reconstrução destes modelos para que possamos de facto construir a Angola que queremos.

 

Mas esses modelos e essas referências existem na história de Angola, nomeadamente, com Agostinho Neto ou Nito Alves.

Costumo dizer assim e não. Acabam sendo referências porque são aquelas pessoas que nos dirigiram a alcançar a independência, mas também são os mesmos que nos fizeram entrar para esse processo de guerra civil. Então precisamos olhar para cada modelo e retirar neles apenas os aspectos positivos daquilo que na verdade queremos.

 

Falou da conferência de Berlim e da corrida para África na altura. Hoje está-se a reproduzir um pouco isso, uma corrida para criar cooperações?

Inevitavelmente, a África é o continente do futuro. A África é aquele continente pouco desbravado ainda. África é o continente jovem, mas agora precisamos de ter uma estratégia da África e dos Africanos. Precisamos de nos alinhar para dialogar de igual para igual com o ocidente porque muitas relações que têm sido estabelecidos ainda neste prisma. A África entra sempre num papel inferior e que precisa mudar. A África precisa-se afirmar, mas sempre dentro de uma estratégia de grupo porque não podemos continuar a fazer protocolos a título individual quando depois temos problemas que afectam o geral. Os laços que nos unem são maiores do que aqueles que nos separam. Então precisamos andar juntos.