Luanda - Analista considera que novo mandato de João Lourenço como Presidente é a derradeira oportunidade para a "democratização" de Angola. E alerta para "enorme incógnita" face a novo posicionamento sobre a guerra na Ucrânia.

Fonte: DW

João Lourenço assumiu esta quinta-feira (15.09) oficialmente o segundo e último mandato como Presidente de Angola. No discurso de tomada de posse, o chefe de Estado prometeu dedicar "todas" as suas "forças e atenção à busca permanente das melhores soluções para os principais problemas do país", com mais hospitais, mais estradas, mais escolas e mais emprego.


Na cerimónia de investidura, o líder afirmou que vai dar continuidade aos projetos e programas iniciados na anterior legislatura, incluindo o combate à corrupção.


Em entrevista à DW África, a jornalista Ana Maria Simões diz que os próximos cinco anos serão derradeiros para o Presidente.


DW África: Que novidades concretas trará João Lourenço neste segundo mandato?
Ana Maria Simões (AMS): É muito curioso, porque, antes de mais, estamos perante uma enorme incógnita. Teremos que ver primeiro como é que as coisas correm no plano interno e no plano externo. Ou seja, como é que o conflito na Ucrânia e todos estes novos posicionamentos geoestratégicos vão ter influência em Angola. Portanto, eu diria, para já, que tudo é uma enorme incógnita.

Analisando aquilo que nos é dado a ver, as tropas na rua e estes movimentos um bocadinho mais intimidatórios podem ser muito pontuais ou podem ser reflexo daquilo que vai ser o segundo mandato. O Presidente Lourenço não terá um outro mandato; ele esgota-se neste segundo mandato, porque não pode mudar a Constituição.

Portanto, estes cinco anos são uma espécie de tudo ou nada para João Lourenço. Ele pode ser o grande protagonista da democratização e da abertura do país, porque, com todos os defeitos, ele fez isso no primeiro mandato: assistimos, de facto, a uma abertura do país à sociedade civil e a outras formas de expressão, embora com os vícios do passado, com uma comunicação social muito instrumentalizada. Mas, na verdade, ele abriu a sociedade angolana. As redes sociais também ampliaram essa abertura e hoje temos uma outra sociedade.


DW África: No seu discurso, o Presidente voltou a falar no combate à corrupção. É uma realidade ou uma utopia?
AMS: Ele não falou com a mesma veemência do combate à corrupção que fez, por exemplo, no primeiro discurso inaugural. Não fez. Aliás, o seu primeiro discurso inaugural foi muito mais forte do ponto de vista político. Eu diria que este foi dos discursos mais fracos que já vi o Presidente Lourenço fazer até agora. Desde setembro de 2017, ele fez uma série de discursos com uma mensagem política muito forte, até para dentro do partido, e este discurso foi muito brando. Foi o replicar dos discursos da campanha, foi mais do mesmo. Portanto, até sobre o combate à corrupção ele falou de passagem.


DW África: O discurso ficou marcado pelo apelo à Rússia para que ponha fim ao conflito na Ucrânia. O que acha destas declarações de João Lourenço?
AMS: Acho que são as declarações mais surpreendentes do discurso dele. Até agora, Angola tem mantido uma neutralidade razoável, à semelhança de muitos países africanos. Mas hoje, curiosamente, o Presidente João Lourenço veio imputar a Putin a responsabilidade da guerra e do conflito. Veio responsabilizar Putin. Isso parece-me das coisas mais claras e mais surpreendentes no discurso dele.

DW África: João Lourenço diz que Angola tem uma boa imagem a nível internacional. Concorda?
AMS: Há sentimentos contraditórios, e nós vimos isso com a morte de José Eduardo dos Santos. Nós vimos múltiplos artigos escritos sobre Angola, desde o Washington Post, ao New York Times, Wall Street Journal, The Guardian ou Economist. Vimos a imprensa internacional falar do caso e não falou em termos muito simpáticos. Continua a dizer que Angola é um país corrupto, com taxas de pobreza terríveis.


Apesar de ser um país muito rico em petróleo, tem 80% da sua população a viver em níveis de pobreza. Há a perceção de que algo mudou em Angola, mas a perceção global que se tem do país ainda não é assim tão positiva. Independentemente das agências estarem a subir os índices de rating, acho que há um certo otimismo por parte do Presidente. Angola ainda não conseguiu convencer o mundo que não é a Angola da era de José Eduardo Santos, com poucos ricos e muitíssimos pobres.