Luanda - “ Um bom esquema vale mais que um longo discurso”. Napoleão Bonaparte 


Fonte: Club-k.net

Mais uma vez, o Presidente da República, João Lourenço foi à Assembleia Nacional, por imperativo constitucional (artigo 118 da Constituição da República de Angola), ler o RELATÓRIO DAS ACTIVIDADES E INTENÇÕES DO EXECUTIVO.

 

O que tem feito o Chefe de Estado, João Lourenço, nos dias 15 de Outubro de cada ano na sede do parlamento angolano, desde o seu primeiro mandato, não são objectivamente Discursos do Estado da Nação.

 

Não há nenhuma lei, manual ou cartilha específica de elaboração e de pronunciamento do “Discurso do Estado da Nação”, mas há, na doutrina afim, princípios e regras gerais de elaboração de discursos, que são aplicáveis ao Discurso do Estado da Nação.

 

Assim, os recorrentes “relatórios” lidos pelo Presidente da República, João Lourenço perante os nossos representantes na Assembleia Nacional, durante duas horas, não preenchem os requisitos recomendados pela referida doutrina.

Vamos, de seguida indicar alguns erros básicos das referidas Comunicações presidencial.

i. Erro de Concepção

O modelo de Discurso do Estado da Nação introduzido pelo Presidente da República, João Lourenço em 2018 e tem seguido até aqui padece de um grave problema de concepção. — Formato de Relatório.


Os relatório são detalhistas, com números, estatísticas, balanços, etc. Num discurso as informações devem ser genéricas e ou sintéticas, conforme o tema, não devendo haver muitos números, balanços ou dados estatísticos.

Ii. Erros de Forma

As Comunicações do Nosso Estadista apresenta erros de forma mesmo que a consideremos relatório:

a) Não há sequência ou fio lógico na abordagem dos temas por sector. Fala nos primeiros minutos sobre a educação e, mais tarde, uma hora depois, volta à tratar do mesmo sector. E abusa deste “vai e vem” indistintamente por sectores ou temas.

b) Não há relação de causa efeito— a Comunicação do Presente diz que Angola, por exemplo construiu 1900 escolas, mas não diz quantas deveria construir; diz que a inflação estará em 18% mas não diz qual deveria ser a percentagem recomendável face ao nosso contexto económico; diz que está a combater a pobreza mas não informa a posição de Angola nas classificações internacional neste capítulo nem indica quando, como é até que posição pretende atingir no seu consulado; diz que recuperou 18 mil milhões de dólares na luta contra corrupção, mas não informa onde estão ou como e onde os aplicou, etc.

c) Pouca ou nenhuma referência ao sector privado nem a sociedade civil — o Chefe de Estado não diz nada sobre a sociedade, não na perspectiva de a aprisionar ou dirigir, mas no sentido da sua interação com o Estado e o que dela tem conhecimento.

iii. Erros de Conteúdos

Nos discursos anteriores, em 2018 -19-20-21, cidadãos anónimos identificaram vários erros, imprecisões e até “mentiras” que foram posteriormente confirmadas pelos titulares das pastas dos sectores visados.


Causou espanto, na opinião púnica nacional, no primeiro ano, mas tornou -se caricato a recorrência de tal prática. Mal auxiliado ou não, mas o Presidente da Republica vai sendo todos os submetido ao vexame nacional e não só.

Ainda relativamente ao conteúdo, há temas que são tratados de forma superficial e outros que não entram no discurso.

iv. Erro de Gestão do Tempo

Por ser um RELATÓRIO enfadonho, a Comunicação do Presidente da República no dia 15 de Outubro é um exemplo de má gestão do tempo.
Para além de ser um massacre auditivo para quem o ouve, o Presidente da República transforma -se num “ Porta Parole” desnecessário. Tempo mal empregue, pois quase ninguém tem paciência, em pleno século XXI, ouvir o Chefe de Estado durante tanto tempo, quando poderíamos simplesmente ler um Relatório disponibilizado pelo seus serviços de apoio.

v. Erro dos Objetivos

O objectivo do legislador constitucional em “obrigar” o Presidente da República discursar na Assembleia Nacional não é deste “apresentar um relatório de actividades mesclados com algumas promessas”. Se assim fosse colocaria no texto constitucional a palavra “RELATÓRIO “ no artigo 118 da CRA. A intenção dos constituintes era de o colocar a apresentar um “radiografia sintética da Nação “ que João Lourenço ainda não conseguiu alcançar. Dito de outro modo, o objectivo constitucional não tem sido atingido.
A nível político, também, as comunicações do Chefe de Estado no dia 15 de Outubro não têm surtido o efeito desejado. Nem a nível da oposição, que sai quase sempre insatisfeita, nem a nível da opinião pública nacional que manifesta de várias formas as insuficiências das mesmas.
Não querendo acusar o Presidente da Republica de “masoquismo político”, porém, a insistência no falhanço comunicacional indicado não alcança os seus objectivos políticos.

Aqui trazidos coloca-se a questão de saber como deveria ser o Discurso do Estado da Nação.

O discurso político é um texto argumentativo, fortemente persuasivo, em nome do bem comum, alicerçado por pontos de vista do emissor ou de enunciadores que representa, e por informações compartilhadas que traduzem valores sociais, políticos, religiosos e outros. Frequentemente, apresenta-se como uma narrativa coletiva que procura sobrepor-se em nome de interesses da comunidade e constituir norma de futuro. Está inserido numa dinâmica social que constantemente o altera e ajusta a novas circunstâncias.

Por isso, o Discurso do Estado da Nação deve ter os seguintes traços característicos essenciais:

a) Curto e objectivos

O Discurso do Estado da Nação deve ser um texto relativamente curto e não deve exceder 50 mim de duração numa fala corrida.
Deve ser, em síntese, uma prestação de informação à nação sobre os aspectos económicos, legislativos, sociais, políticos e outros.

b) Deve ter apenas alguns dados estatísticos elementares como a taxa de inflação, do crescimento económico, do desemprego, classificações internacionais (sem ser muito exaustivo)etc.


O restantes dados estatísticos e de realizações deve o Presidente da República indicar expressamente que estarão no relatório anual de contas e de actividade do Executivo.

c) Deve o Presidente da Republica fazer comparações entre o “Estado actual da Nação” como o “estado”(ou nível) onde ele pode e deve encaminhar o país. Também deve indicar em que posição encontra -se o país nas principais classificações económicas, sociais e políticas internacionais e quando e como podemos melhorar.

c) Deve o Presidente da Republica, deixar algumas pistas (de forma telegráfica) de como, quando e com quem vai contar para melhor o país.

No fundo, o “Discurso do Estado da Nação” é tudo menos o que assistimos hoje dia 15 de Outubro de 2022, mas que veremos no futuro quando elegermos um Presidente com outro perfil.
Até lá, alea jact est …

• Na Veste Política

Bibliografia

- Alfaia, Daysia, Como Argumentam os Políticos, Estratégias Linguísticas e Discursivas, Coibri, 2016
- Camus, Albert, Conferências e Discursos, Almedina,2010
— Osakabe, Haquira, Argumentação e Discurso Político, Edição (Brochad, 2022.
— Schopenhauer, Arthur, A arte de vencer uma discussão sem precisar de ter razão, Edição (Brichado), 2022