A última descoberta dos nossos profetas da desgraça é que os acontecimentos pós-eleitorais do Quénia e do Zimbabwe se podem repetir em Angola, nas eleições legislativas marcadas para o próximo dia 5 de Setembro. Na verdade, esse temor não se fundamenta em quaisquer elementos factuais, mas numa mera suposição.
Sem querer especular, por enquanto, acerca das motivações das declarações feitas sobretudo pela oposição a propósito dessa possibilidade (?), parece-me evidente que as mesmas escondem, no mínimo, uma intenção: apelar, de maneira subliminar, à abstenção, uma vez que seria mais “seguro” permanecer em casa do que comparecer aos postos de votação.
Os apelos à moderação dos discursos de campanha, embora justos e bem intencionados, também podem cair, se forem levados ao extremo do moralismo, nessa tendência para a catástrofe. Posso estar a ser “politicamente incorrecto”, mas nunca vi campanha eleitoral em que os adversários passem a vida a “trocar galhardetes” entre eles. É certo que acabámos de sair de uma guerra, há seis anos, o que deve implicar dos actores políticos e não só cautelas adicionais nessa matéria. Mas que ninguém espere, sobretudo em tempo de campanha, elogios mútuos entre adversários políticos.
O fundamental é não fazer a linguagem descambar para níveis intoleráveis de agressividade e, acima de tudo, impedir que o confronto passe para as ruas. Quanto ao risco de uma nova guerra, está, obviamente, fora de qualquer hipótese, pois, graças à vitória militar do Governo, em 2002, a UNITA perdeu o seu exército.
O discurso sistematicamente desconfiado e permanentemente auto-vitimizador da oposição é outra manifestação dessa tendência para a catástrofe. Com efeito, a oposição, de um modo geral, sofre de uma limitação confrangedora: vê fantasmas, isto é, “manobras do MPLA”, em todo o lado. Apenas para dar um exemplo, os factos demonstraram até agora que as desconfianças da oposição em relação à retomada do processo eleitoral não tinham a mínima razão de ser.
O que sucedeu em 1992 não foi culpa dos eleitores, mas dos maus perdedores. Como bem lembrou ao Novo Jornal, na sua edição da última sexta-feira, o jurista Raul Araújo, o comportamento dos cidadãos há 16 anos atrás, apesar de todos os condicionalismos existentes, foi verdadeiramente exemplar. Estou certo que, este ano, voltará a sê-lo, pois qualquer observador desapaixonado conclui que as autoridades estão a organizar todas as condições necessárias para que o próximo pleito eleitoral seja livre, justo e transparente.
Uma nota final para o papel da mídia na alimentação e reprodução da mentalidade catastrofista. Até projectos que se pretendem referenciais começam a cair na tentação do “jornalismo de excitação” praticado entre nós, em termos de cobertura política. Isso é comprovado por uma série de vícios jornalísticos básicos, da assumpção acrítica de declarações dos diferentes actores políticos ao recurso a expressões vulgares para transmitir ou comentar os factos políticos.
Zimbabwe
As últimas informações provenientes do Zimbabwe permitem afirmar, quase sem margem de erro, que não há condições para que a segunda volta das eleições presidenciais no referido país sejam realmente dignas desse nome. A “cereja em cima do bolo” foi colocada pelo próprio Presidente Mugabe, que teve o despudor de declarar, segundo o Jornal de Angola de ontem, que o Zimbabwe jamais será governado pelo candidato da oposição.
Pessoalmente, sempre defendi que nós, africanos, é que temos de resolver os nossos problemas, como e quando quisermos. Assim, acho que a SADC – que, correctamente, assumiu a mediação no Zimbabwe – tem de se deixar de panos quentes em relação a Mugabe. A pergunta é: o que poderão fazer os 400 observadores já anunciados para a segunda volta das presidenciais zimbabweanas diante da afirmação deste último de que não aceitará o resultado do pleito, se Tsivangirai for o vencedor?
Nessas circunstâncias, manter a equidistância é pactuar com um pré-assumido atentado à democracia. A situação actual do Zimbabwe parece muito semelhante à vivida em Angola, quando ficou claro que Savimbi se tinha tornado, definitivamente, um obstáculo à normalização do país.
Fonte: Jornal de Angola