Luanda – Num artigo de opinião em que apela a intervenção do Presidente da República, no escândalo que envolve a direcção do SIC Luanda, que foi implicada no narcotráfico e em praticas de assassinatos, o veterano jornalista Graça Campos propõe a detenção preventiva de toda a cúpula do SIC de Luanda, cerceando-lhe “qualquer possibilidade de apagar vestígios e provas ou, como se diz em linguagem policial, de “contaminar o ambiente”.

Fonte: CA

PRESIDENTE, FAÇA “SENTIR O SEU POWER”

Se dúvidas ainda subsistissem, o comunicado do SIC de quinta-feira, 5, dissipou-as completamente: os governantes do país tomam a maioria dos cidadãos como néscios, isto é, pessoas desprovidas de conhecimentos, de discernimento, estúpidas, ignorantes. Ou seja, em linguagem terra-a-terra, os governantes tomam-nos como burros. Melhor, palhaços, no seu sentido mais pejorativo.


Com a cúpula do Serviço de Investigação Criminal de Luanda envolvida em suspeitas de tráfico de drogas, a direcção geral da instituição anunciou quinta-feira que chamou a si a condução de um dito “competente processo investigativo” para “apuramento da veracidade das informações” em que “estão referenciados efectivos e altos responsáveis deste órgão”.

Em áudios e vídeos disponíveis nas redes sociais, um traficante, que se identifica como Man Genas, implica a cúpula do SIC de Luanda no tráfico de drogas pesadas, nomeadamente cocaína.

O traficante, agora refugiado na Holanda, depois de sobreviver a uma tentativa de assassinato, praticada por comparsas, nomeia os dirigentes do SIC de Luanda pretensamente envolvidos no tráfico de drogas e faz uma minuciosa discrição do seu modus operandi.

No comunicado de quinta-feira, Manuel Halawaiwa, director do Gabinete de Comunicação Institucional e Imprensa da Direcção Geral do SIC disse ter tomado “conhecimento com bastante preocupação de inúmeras informações postas a circular nas redes sociais sobre uma suposta rede de drogas em Angola já identificada em que estão referenciados efectivos e altos responsáveis deste órgão” e promete um “competente processo investigativo para apuramento da veracidade das informações e tomar as medidas que se impõe”.

Embora identificados pelo traficante ora foragido, o comunicado não nomeia os “efectivos e altos responsáveis” presumivelmente envolvidos no tráfico de drogas.

Se Manuel Halaiwa reconhecesse não já na maioria, mas pelo menos em uns tantos angolanos alguma inteligência, por certo que saberia que qualquer pessoa com dois dedos de testa toma como perda de tempo o recurso ao javali para queixar-se de um porco.

Ou seja, ao chamar a si o que chama de “competente processo investigativo” das gravíssimas denúncias feitas por quem pareceu falar com bastante conhecimento de causa, a Direcção Geral do SIC deixa implícito que não tem qualquer interesse no apuramento da verdade.

Não é minimamente crível que os membros do SIC se incriminem uns aos outros.


O SIC é parte do problema e, por essa razão, deveria afastar-se da investigação de uma denúncia em que são “arrolados” alguns dos seus mais altos responsáveis.

A Direcção Geral do SIC antecipou-se a uma iniciativa que deveria ser tomada, dada a gravidade do caso, não pelo ministro do Interior, mas pelo próprio Presidente da República.

O mais alto magistrado do país deveria constituir uma task force, composta por juízes, procuradores e membros dos vários ramos dos Serviços de Inteligência para apurar tudo.

Ao colocar-se na frente, num assunto em que é parte envolvida, o SIC mostra que não está interessado em chegar à verdade.

O primeiro indício de suposta determinação de fazer um “competente processo investigativo” seria a detenção preventiva de toda a cúpula do SIC de Luanda, cerceando-lhe qualquer possibilidade de apagar vestígios e provas ou, como se diz em linguagem policial, de “contaminar o ambiente”.

No próprio comunicado, o director do Gabinete de Comunicação Institucional e Imprensa da Direcção Geral do SIC toma como facto o tráfico de droga em toda a extensão do território nacional. Como prova do seu pretenso empenho no combate ao fenómeno alude à apreensão de cocaína no Porto e Aeroporto Internacional de Luanda.

Mas, em momento algum dá a mais leve informação sobre o destino da droga apreendida e muito menos identifica os traficantes envolvidos.

No comunicado de quinta-feira, o SIC refere que na sua cruzada contra o tráfico de droga tem chocado contra “vários extractos e sensibilidades do tecido social, que a todo o custo tentam resistir às acções de enfrentamento, criando falsas e caluniosas informações”.

Estará já o SIC a tomar como “falsas e caluniosas informações” as denúncias do traficante agora fugido?

Se assim é, estamos diante de um “parti pris” que inabilita o SIC na investigação da denúncia.

O SIC não tem por hábito instruir “competente processo investigativo” quando é confrontado com suspeita de roubo de botija de gás. À mais leve suspeita, os zelosos agentes reagem, de modo geral, com galhetes, pontapés e algemas.

Estranhamente, agora evoca um “competente processo investigativo” perante denúncia que tem nomes e lugares. Uma denúncia que, como diria um antigo alto dirigente do MPLA, tem “cabeça, troncos e membros”.

O narcotráfico, que se pratica em toda a extensão do território angolano, conforme reconhece o comunicado, e o putativo envolvimento de altos responsáveis do país, o silêncio das autoridades judiciais e outras e a impunidade dos traficantes estão, perigosamente, a aproximar o país dos paradigmas que caracterizam os narco-estados.

Em Fevereiro de 2018, os serviços aduaneiros anunciaram a apreensão, no porto de Luanda, de meia tonelada de cocaína disfarçado num contentor de açúcar. A droga era proveniente do Brasil.

Em Agosto do ano passado, o SIC anunciou a apreensão de 164 quilos de cocaína escondida em caixas de frango congelado e detergente OMO também proveniente do Brasil.

Nos dois casos, o SIC nunca se pronunciou sobre a identidade dos traficantes e nem o destino dado à droga apreendida.

Alguns dos putativos traficantes denunciados pelo foragido Man Genas são figuras públicas conhecidas por serem muito chegadas a altas entidades do país.

A rumorosa denúncia do tráfico de drogas e o pretenso envolvimento de altos responsáveis do SIC são más notícias para o esforço do Presidente João Lourenço de cair nas graças da administração americana.

Os Estados Unidos não contemporizam com o tráfico de drogas.

Como o cancro maligno, o narcotráfico é difícil de combater. Mas, países como os chamados tigres asiáticos (Malásia, Singapura, Coreia do Sul e Taiwan) reduziram substancialmente o tráfico de drogas por via de uma legislação muito dura.

Desde que o presidente Joko Widodo passou a puni-lo com pena de morte, o tráfico de drogas na Indonésia ajoelhou-se.

Em Junho de 2019, o Presidente da República reagiu de uma maneira que roçou à descortesia a uma observação da empresária Filomena de Oliveira sobre o funcionamento da AGT.

“Nós não somos surdos!”, trovejou, deixando a empresária quase ensopada em suores frios.

Em Outubro de 2017, menos de um mês após tomar posse, o Presidente João Lourenço demitiu o seu assessor para os Assuntos Económicos Carlos Panzo apenas porque o seu nome constava de um processo penal então em curso na Suíça. O processo ainda não tinha sido julgado e transitado em julgado.

Perante a grave denúncia de envolvimento de figuras públicas, algumas das quais são seus cabos eleitorais, espera-se que o Presidente não seja nem surdo e não se deixe comover com o “competente processo investigativo” que o SIC promete.

Em suma, depois da corrupção, impunidade, bajulação e outros males que (ainda) não conseguiu vergar, o país agora começa agora a dobrar-se ao narcotráfico.

Era o que nos “fartava”…

Neste momento, o Presidente da República e Comandante-em-Chefe das FAA não deve omitir-se. Pelo contrário. Tem de fazer “sentir o seu power!