Luanda - O antigo Banco Internacional do Funchal (BANIF) foi um dos veículos de branqueamento de capitais e de corrupção em Portugal, com extensão a Angola e ao Brasil, revela o jornalista António José Vilela no seu novo livro.

Fonte: DW

No livro "A Teia do BANIF", editado pela Casa das Letras, António José Vilela revela supostos "planos secretos" do banco português, supostamente para "lavar" 1 500 milhões de dólares em negócios envolvendo a elite angolana e relacionados com o caso "Lava Jato", no Brasil.

O jornalista português diz que a empresária angolana Isabel dos Santos não foi a única pessoa envolvida em negócios pouco transparentes em Portugal, com o conluio do sistema financeiro-económico português.

"O sistema económico português precisava desse dinheiro e fechou os olhos. De onde é que este dinheiro vinha exatamente? Naquela altura, em Portugal sobretudo, nos anos de 2010 a 2012, não se questionava isso. Ou seja, Isabel dos Santos era uma empresária impoluta", recorda em entrevista à DW.


A irmã de Isabel dos Santos, Tchizé dos Santos, também empresária, ou o então administrador da Sonangol, Manuel Vicente, assim como o banqueiro Carlos José da Silva eram outras das figuras com boa conotação em Portugal, que fariam circular milhões pelos bancos portugueses.

Entre estes, o BCP e o BPI, mas também o Banco Privado Atlântico (BPA), o BIC ou o EuroBic. Mas, de repente, acrescenta o jornalista, "começou-se a perceber que havia muitas movimentações feitas através desses bancos, que eram movimentações suspeitas".

"Kopelipa movimentava milhões"

"O general Kopelipa movimentava milhões e milhões através destes bancos, inclusive com o Banco Espírito Santo (BES). Higino Carneiro movimentava muito dinheiro. De repente apareciam a comprar apartamentos no Estoril aos 19, 12, 14 milhões de euros", recorda.

Manuel Domingos Vicente e Isabel dos SantosManuel Domingos Vicente e Isabel dos Santos
Manuel Domingos Vicente e Isabel dos SantosFoto: Li Xiaowei/Xinhua/IMAGO, Paulo Duarte/AP/picture alliance
Os interesses financeiros angolanos em Portugal não se esgotam em Isabel dos Santos, sustenta o jornalista, a propósito do "dinheiro sujo" que viria a circular no sistema bancário português.

"É algo que vem de trás, praticamente a partir do final dos anos 90", acrescenta, e que deu origem a processos de investigação judicial envolvendo altos responsáveis políticos e económicos angolanos.

"Na maior parte das vezes, esses processos foram arquivados, mas a questão não era se os processos eram arquivados. Era: como é que surgia tanto dinheiro de Angola e destas pessoas no sistema bancário português?", sublinha.

Muitos processos arquivados

Muitos destes processos terão sido arquivados porque "as autoridades angolanas protegiam todas estas figuras", refere o autor do livro "A Teia do BANIF", que é apresentado esta quinta-feira (26.01) em Lisboa, onde constam todas estas histórias devidamente documentadas.

"O [então] procurador-geral da República de Angola, João Maria de Sousa – que foi procurador durante dez anos – era ao mesmo tempo o Procurador-Geral que mandava apresentar queixas em Portugal contra determinadas entidades, mas também era a pessoa que negociava com os advogados em Portugal a proteção das figuras que estavam a ser investigadas e que ele dizia serem seus amigos."

"O Estado português nunca interveio a meu favor"


A empresária Isabel dos Santos sempre negou as acusações de fraude e lavagem de dinheiro que pesam sobre ela. Tchizé dos Santos, Manuel Vicente e Carlos José da Silva também negam o envolvimento em corrupção.

Há cerca de uma semana, duas consultoras ligadas a Isabel dos Santos e ao banco EuroBic, onde a empresária detinha capital maioritário, foram alvo de buscas por parte da Polícia Judiciária portuguesa, a pedido das autoridades judiciais angolanas. O objetivo era a apreensão de documentos alegadamente relacionados com o desvio de dinheiro da Sonangol, depois das revelações do escândalo "Luanda Leaks".

 

Portugal "foi uma lavandaria"

O jornalista angolano Rafael Marques entende que a cooperação judicial entre Angola e Portugal não deve ser resumida ao "caso Isabel dos Santos". Deve sobretudo abordar a participação de empresas de construção e firmas de advogados, além de empresários portugueses, que não têm nenhum processo em Portugal, que ele considera como possível parte ativa da corrupção em Angola.

 

"Temos de começar a olhar para essas relações entre Angola e Portugal não apenas vendo os angolanos como sendo corruptos, mas sobretudo como Portugal durante estes anos todos foi uma lavandaria. Isso foi feito com o apoio dos portugueses", defende o ativista.

 

Sendo assim, será preciso identificar os portugueses que cooperaram com a empresária angolana Isabel dos Santos e levá-los à Justiça, diz o jornalista. "Se Isabel [dos Santos] cometeu atos ilegais, também cometeram os portugueses", acrescenta.

 

Rafael Marques vai mais além ao afirmar que "parece haver um conluio entre as justiças angolana e portuguesa" para deixar de fora os cidadãos portugueses que estejam alegadamente envolvidos em atos de corrupção em Angola. "Não falo dos angolanos com dupla nacionalidade", precisa o jornalista, para quem estes atos começam a tomar cada vez mais contornos de discriminação.