Luanda - O investigador ligado à Associação de Ciência Política de Angola, Nélson Domingos, considera que o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, está em Luanda para convencer as autoridades a reverem o posicionamento no conflito que opõe a Rússia à Ucrânia.

Fonte: RFI

RFI: O ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, encontrou-se esta quarta-feira, 25 de Janeiro, em Luanda, com o homólogo Téte António e foi recebido pelo chefe de Estado João Lourenço. O que é que pretende Moscovo com esta visita?

Nélson Domingos: Acredito que seja uma possibilidade de reaproximação das relações entre os dois Estados. Historicamente, a parceria entre Angola e a Rússia é fruto da guerra fria. Moscovo esteve sempre ao lado de Luanda, fornecendo armamento e treino militar. A Rússia esteve ainda ao lado do governo do MPLA nas negociações do processo de paz, enquanto os Estados Unidos estiveram ao lado da UNITA. Desde o posicionamento de Angola em relação à Rússia e aos Estados Unidos da América, há uma necessidade de aproximação.

 

Esta visita acontece numa altura em que as autoridades angolanas se têm estado a posicionar de forma neutra, diante a ofensiva russa na Ucrânia. Que mensagem leva Serguei Lavrov a João Lourenço? Serguei Lavrov que acaba de realizar uma viagem à África do Sul...

É preciso fazer uma análise cronológica. Em Março, Angola teve um posicionamento neutro e em Setembro, no discurso de tomada de posse, João Lourenço condenou a anexação, recomendando a Rússia a cessar as hostilidades. Em Outubro, na resolução das Nações Unidas, Angola votou a favor da resolução que condenou a anexação do território da Ucrânia pela Rússia.

 Em Dezembro, quando o Presidente João Lourenço se encontrava nos Estados Unidos, Angola condenou a anexação e revelou que os Estados Unidos passariam a ser o novo parceiro militar de Luanda. Ou seja, os Estados Unidos passariam a rearmar as Forças Armadas Angolanas, uma decisão que representa uma elevada perda para a Rússia. Quase 70% do armamento das Forças Armadas Angolanas são provenientes de Moscovo. Esta mudança significativa tem um impacto nas relações entre os dois Estados

É esta situação que Serguei Lavrov quer reverter? A Rússia pode usar o passivo histórico para recuperar o apoio de Luanda?

A ligação histórica, a dívida histórica é, certamente, um instrumento que pode ser colocado em cima da mesa. No entanto, tudo indica que o Governo de João Lourenço está decidido a manter esta aproximação com os EUA, mas sem fechar a porta às parcerias com a Rússia. Não podemos esquecer que, neste momento, um dos maiores produtores de diamantes é uma empresa estatal russa- ALROSA- que produz, na mina de Catoca, mais de 70% dos diamantes em Angola. Há ainda o satélite ANGO-SAT2, produzido com tecnologia e pela própria Rússia. As parcerias não se esgotam.

 

Angola estará aqui a tentar fazer um jogo de equilíbrio? Ao mesmo tempo, esta visita pode “beliscar” as relações com a Ucrânia? Angola que é muito dependente dos cereais ucranianos….

Sim, mas o Estado angolano é um Estado soberano. Nada o impede de manter parcerias nas diferentes áreas, com os diferentes Estados. A mensagem que Angola tem procurado passar, de forma muito clara, é que condena a invasão russa, criando assim um certo distanciamento com a Rússia.

 

Este posicionamento é diferente dos países africanos que, na sua maioria, têm estado alinhados com a Rússia. Estou a pensar na África do Sul, no Mali e Burkina Faso…

Numa das votações, a África do Sul teve um posicionamento neutro. Angola é um parceiro histórico e estratégico da Rússia e é importante, para o Kremlin, que Luanda esteja alinhada com Moscovo. Por essa razão, a visita de Serguei Lavrov passou pela Africa do Sul, mas também por Angola. Isto revela a importância geopolítica de Angola na região da SADEC.

 

O Presidente angolano disse recentemente que tinha chegado a hora de negociar a paz na Europa, voltando a apelar a um cessar-fogo definitivo. João Lourenço tem algum poder para mediar este conflito?

O Estado angolano, na verdade, tem experiência em termos negociais, sobretudo na região da SADEC e nos Grandes Lagos. Porém, a mediação está muito dependente das partes beligerantes envolvidas. Em regra, nas negociações há muitos interesses em jogo e, geralmente, as partes envolvidas podem indicar os mediadores. Se a Rússia ou a Ucrânia tiveram interesse em indicar o Estado angolano, como parte mediadora, poderão fazê-lo. Angola tem experiência para isso.

Todavia, eu não acredito que seja essa a pretensão da visita de Serguei Lavrov. Esta visita é feita no intuito de convencer as autoridades angolanas a repensar a decisão de comprar armamento aos Estados Unidos e a rever a postura do país no conflito que opõe a Rússia à Ucrânia.

[A Rússia] quer ainda manter as parcerias na área dos diamantes, das tecnologias, como é caso da construção de satélites, as parcerias de bolsas de estudo e outras parcerias que existem entre os dois países”.

 

Se Angola mantiver o mesmo posicionamento [relativamente ao conflito na Ucrânia], que retaliação pode fazer a Rússia?

Provavelmente, a Rússia não fará [uma retaliação] de maneira aberta, até porque há interesses económicos que afectam a própria Rússia. O que pode fazer, neste momento, é o chamado “Soft Power”. Ou seja, lançar mecanismos mais brandos, no sentido de levar o Estado angolano a mudar o posicionamento. Angola procedeu a uma mudança estratégica [ao nível da política externa], dificilmente abrirá mão dela.

 

Aos olhos da comunidade internacional, esta visita do ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Angola não está a desrespeitar as regras elementares do direito internacional, da soberania dos Estados e das fronteiras?

Não há nenhuma violação das regras internacionais ao receber um representante de um Estado. Não há nenhuma regra internacional nesse sentido, que proíba esta relação, esta visita.