Luanda - Comemorou-se no passado dia 15 de Março o “Dia Mundial do Consumidor”. O Tema em Angola tem evoluído a cada ano e hoje se pode afirmar que a consciência sobre a problemática é maior. A propósito, trazemos hoje em entrevista Diógenes de Oliveira, um acérrimo defensor dos direitos do Consumidor. 

Fonte: O País

Foi o primeiro presidente da Associação Angolana dos Direitos do Consumidor (AADIC), director geral do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (INADEC) e é actualmente Inspector-geral da Autoridade Nacional de Inspecção Económica e Segurança Alimentar (ANIESA)

A última vez que lhe entrevistei ainda foi nas vestes de responsável do INADEC. Voltamos a falar agora na liderança da ANIESA. O que mudou daquele tempo para os dias de hoje?


O INADEC que é o instituto Nacional de defesa do Consumidor, tinha no seu estatuto como objecto social a defesa dos consumidores, a ANIESA que é a autoridade NACIONAL DE Inspecção Económica no seu estatuto tem como objecto a inspecção e fiscalização das actividades económicas e salvaguarda da segurança alimentar, ou seja, proteger a segurança alimentar por via da protecção de todo aquilo que todos nós consumimos e lutar para a não subversão económica.


Quanto à subversão económica estamos a falar da especulação de preços, do açambarcamento de produtos, a prática de actos tipificados no Código Penal e que constituem crimes nos termos da Lei das Actividades Comerciais.

O estado de opinião no seio do consumidor é que a inspecção da ANIESA é mais para o “peixe miúdo”, principalmente no ramo da distribuição alimentar, esquivando-se das grandes superfícies onde abundam também infracções. O que tem a dizer sobre isso?


Esta opinião é uma inverdade porque, para quem conhece a história do Diógenes de Oliveira sabe que sempre fui um acérrimo defensor dos direitos dos consumidores. Fui presidente da Associação Angolana dos Direitos dos Consumidores, de lá passei como Director geral do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor e hoje estou como Inspector-geral da ANIESA. Quer dizer que a minha atitude e personalidade em termos de defesa dos consumidores não mudou, pelo contrário, aumentou e está muito mais activa.

Não é verdade o pensamento de que nós só passamos nas médias e pequenas superfícies. Temos a percepção que, actuando nos marcos da lei, nós temos de começar pelas grandes superfícies porque elas são as que escoam para as pequenas e médias superfícies. Estas duas últimas não importam. Quem importa produtos do estrageiro e introduz na nossa cadeia de distribuição são as grandes superfícies. Portanto, nós estamos constantemente nestas grandes superfícies.

Pode apontar trabalhos que comprovam isso?

Não sei se acompanhou, mas fizemos um trabalho (e continuamos) inspectivo sobre bebidas alcoólicas, vulgo ‘pacotinho’, acho que terá tomado conhecimento também que fizemos um grande trabalho nas SHOPRITE e até encerramos a de Benguela e da Huíla (se não estou em erro) por graves infracções que atentam contra a saúde pública, etc. etc.


Por outro lado, devo acrescentar que o trabalho inspectivo, não é somente aquele que é visível, não. Ele também requer aquele componente invisível do ponto de vista do consumidor, ou seja, o consumidor não vê quando os inspectores estão a trabalhar. Atenção que os inspectores também são consumidores. Eu mesmo sou o inspector-geral mas, também sou consumidor e nas minhas andanças estou a consumir mas também a inspecionar.

Hoje a inspecção não se circunscreve apenas a ver a rotulagem, os preços, a qualidade. Todos estes passos são importantes e fazem parte da nossa actividade mas, hoje a inspecção é também investigação. Hoje por hoje, já há outros modus operandi que o próprio comerciante desenvolveu como técnica completamente diferente de como fazia há cinco dez anos atrás. Hoje os comerciantes fraudulentos até já têm máquina própria para adulterar as datas de caducidade dos produtos. Nós (inspecção) é que devemos ter uma forma diferente de actuar perante tal engenhosidade.

Que novos métodos são estes aos quais a inspecção está e tem de se ajustar para responder à "evolução" da fraude no ramo?
Temos de ter homens infiltrados, temos de ter inspectores que se passam por comprador ou interessado em determinados produtos que a forma como é fornecido e tendo como pano de fundo a lei pode configurar subversão económica, especulação, açambarcamento ou até atentado à segurança nacional do povo angolano em termos de saúde. Todas estas nuances fazem parte de um trabalho. Para resumir, o trabalho do inspector nem sempre é visível. E mais: Todos nós (cidadãos) somos inspectores e neste quesito somos mais de 30 milhões de inspectores. Todos somos inspectores com a missão de constatar e depois denunciar. Quando vamos a uma superfície devemos sentirmo-nos inspectores. Naquele momento não esta a ANIESA mas o cidadão com mandato para fazer o papel da ANIESA e depois servir-se dos mecanismos de denúncia em caso de necessidade. Hoje o trabalho inspectivo não é porta a porta mas investigativo.

Hoje para podermos detectar as irregularidades temos primeiro de investigar. Muitas das vezes até comungar com os próprios infractores para entender a funcionalidade do sistema de fraude em salvaguarda do interesse nacional.

As Redes Sociais têm servido de uma ‘escapatória’ para o cidadão. Muito recentemente começaram a circular vídeos de um suposto arroz de plástico e peixe engordado de forma meteorítica, aparentemente impróprios para o consumo humano. O que diz a ANIESA sobre isso?
Estes vídeos não são de Angola e aproveito para deixar um conselho para os nossos consumidores. Quem tem boa intenção no sentido de que quem tem boa intenção para sanar um problema detectado não deve colocá-lo nas Redes Sociais. Deve usar os canais disponíveis para denúncia. As instituições do Estado que actuam para o garante do bem comum são conhecidas e para elas que as denúncias devem ser encaminhadas. Se existem estes órgãos porque colocar os vídeos de denúncias em Redes Sociais quando isso até serve para alertar os prevaricadores colocando-os de sobreaviso de que as autoridades podem vir a agir? Hoje a ANIESA tem consigo a Polícia Nacional, o Serviço de Investigação Criminal (SIC), a Procuradoria-Geral da República (PGR), todos estes órgãos com efectiva presença permanente dentro das instalações da ANIESA e uma informação de denúncia teria uma intervenção imediata destes órgãos.

Foi noticiado recentemente o uso de produtos impróprios na conservação de pescado, nomeadamente produtos para a conservação de cadáveres humanos. A ANIESA chegou esta denúncia?
Tomamos conhecimento desta denúncia pública através de um portal de notícias e trabalhou-se nela logo de imediato com o órgão que superintende áreas das pescas e chegou-se à conclusão de que não correspondia à verdade mas, até este momento estamos a monitorar. Pode ser que depois de a denúncia ter sido feita os prevaricadores pararem e desapareceram. A ANIESA é um órgão que prima mais pela inteligência em detrimento da acção. Nós estamos a monitorar para de facto saber se é verdade ou se as informações recebidas condizem com a verdade, estaremos aptos para actuar. Nós não somos instituição religiosa para ensinar como se deve ler a bíblia. O nosso papel nestes casos não é pedagógico. É o de fazer cumprir a Lei e as normas para salvaguardar o povo angolano em termos de saúde pública e afastar a todo custo todo aquele empresário que vem operar no país de forma desleal, subverter a economia.

 

A dureza e a falta de alguma acção pedagógica da ANIESA está a ser profundamente criticada pelos operadores económicos que acusam a instituição de estar a contribuir para a falência de empresas e consequente diminuição de postos de trabalho. O que tem a dizer?

Muitas das vezes nós usamos a pedagogia mas usamo-la para aquele cidadão comerciante que tem um documento expirado, um alvará expirado há dois três meses, um documento imposto pela lei em falta, etc. etc. mas não podemos ser professor para aqueles que de forma premeditada, dolosa e meticulosa coloca no mercado produto que eles próprios não consomem, nem ele e nem a sua família. Não podemos ter atitude pedagógica diante de um comerciante que sabe que o preço do produto é Y e ele pratica dez vezes mais. Nestes casos a ANIESA tem de ser dura, persistente e com base na lei aplicar a multa mais salgada possível para o disciplinar e disciplinar o mercado. Podemos ser pedagogos mas, para situações que não lesam directamente a vida e a saúde do povo angolano e consequentemente do Estado angolano.

 

Mas é fácil de verificar que, por exemplo, o acondicionamento, principalmente de alimentos frescos, não é dos melhores em grande parte dos pontos de venda a grosso. Dos frigoríficos escorrem secrecções e no manuseio estão pessoas sem equipamento higieno-sanitário. A ANIESA tem conhecimento?
Vou ser sincero. A ANIESA tem dois anos de vida e está a caminho do terceiro ano. O que acabou de mencionar é verdade. São situações que foram sendo permitidas há 10, 15 anos e nós temos maior interesse em corrigi-las em menos de cinco anos para garantir a segurança alimentar que é o nosso objectivo mas, é um processo ao qual temos de juntar outros organismos também. Estamos a falar dos Governos Provinciais, estamos a chamar à colação a Polícia Nacional, a Saúde Pública e até o próprio Ministério Público e os Tribunais.


Por exemplo, em abono da verdade, temos de dizer que não se pode no mesmo contentor acondicionar frescos da espécie caprino misturado com os suínos. Tudo que é aves não deve estar nem com caprinos, nem com suínos, por causa da contaminação cruzada. Os contentores de fresco tem de estar em sítios próprios e especiais e o manuseamento é feito por pessoas especializadas…Bom é uma realidade que tem de passar por sensibilização e educação e por fim a ANIESA para sanções.

Qual é a vossa posição quanto aos repetidos flagrantes envolvendo inspectores da ANIESA a extorquir comerciantes?
Esta direcção não tolera, nem acoberta comportamentos do gênero. Quem se sente um Inspector da ANIESA, deve sentir-se em primeiro lugar um verdadeiro republicano com o mais alto sentido de missão.


Porém a maior parte dos actos de corrupção activa que se tem flagrado diariamente não se trata directamente dos inspectores da ANIESA adstrito ao central.
A ANIESA tem as suas complexidades em detrimento do estatuto, só a título de exemplo, os inspectores que estão nos municípios respondem hierarquicamente e administrativamente entre outros aspectos ao Administrador Municipal. Neste quesito o mando não é vertical. É muito complicado trabalhar com esta neblina jurídica.

O que dizer quanto à acusação de que a ANIESA fixa multas muito pesadas levando as empresas à falência e do Cuando Cubango, por exemplo, chegam denúncias de que a actuação da instituição está a asfixiar as oportunidades de emprego com o "pente fino" ao sector madeireiro?
Esta afirmação não corresponde à verdade. Se de facto o comerciante ou o empreendedor estiver na legalidade, prima em respeitar as normas e as leis vigentes em Angola, essencialmente as do comércio, não tem o que temer.


Estas são daquelas afirmações que quando a criança tira uma negativa na escola, o culpado é sempre ou quase sempre professor. Repito, isto são narrativas daqueles comerciantes que querem continuar com tais práticas que prejudicam o Estado, a Sociedade em geral.

ANIESA queixa-se da exiguidade de recursos humanos. Como está a ser equacionada esta questão?
Para o tamanho do país somos poucos. Posso lhe dar só dois exemplos: O Cunene neste momento tem uma equipa que não passa de seis inspectores para cobrir toda a extensão da província. Cuando Cubango, província que tem municípios a 500 quilómetros da capital, Menongue é outro território mal servido em termos de inspectores. Portanto, é preciso pensar a instituição para o futuro. Hoje está suportada por uma geração às vésperas da reforma. Mais cinco, dez anos temos de entregá-la a uma outra geração de quadros que venham com sinergias várias e fortalecê-la. Esta geração deve entrar agora e ganhar experiência com a veterinária que a esta assegurar agora.


Precisamos de no mínimo 600 inspectores. Agora estamos servidos de uma equipa cujo maior número está em Luanda com cerca de cento e poucos incluindo pessoal de apoio. O nosso clamor está comunicada à superintendência e acreditamos que algo vai ser feito proximamente.

Assinalou-se a 15 deste mês o dia do Consumidor. Que consumidor temos hoje em Angola?
Ainda temos muito que fazer. A instituição ANIESA também ainda tem muito que fazer. Não apenas inspeccionar e fiscalizar mas passar conhecimento para os consumidores e para os operadores. Felizmente já temos um consumidor mais atento e mais exigente e conhecendo cada vez mais os seus direitos.


Hoje temos conteúdo escolar específico para abordar esta problemática, pensamos que próximo passo são as universidades onde deverão ser inseridas cadeiras sobre os Direitos do Consumidor para elevar cada vez mais a literacia neste sentido. O importante é perceber que a saúde de um comerciante depende da atitude do consumidor. Caso o consumidor decida boicotar um produto ou serviço, este, simplesmente desaparece do mercado. É este o sentido que devemos dar à consciencialização do consumidor.