Paris - A cimeira dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), iniciada na terça-feira, termina esta quinta-feira em Joanesburgo. O bloco, que até agora representa mais de 42% da população mundial e 23% do PIB do planeta, vai contar com seis novos membros a partir de 1 de Janeiro: o Irão, a Arábia Saudita, a Argentina, o Egipto, a Etiópia e os Emirados Árabes Unidos. O grupo “vai ser uma alternativa ao G7”, explica José Gama, analista político angolano radicado na África do Sul.

*Carina Branco
Fonte: RFI

RFI: Cerca de 40 países tinham manifestado interesse em aderir aos BRICS. Agora há a confirmação do alargamento a mais seis, nomeadamente a Arábia Saudita que é o maior produtor de petróleo do mundo e o Irão que tem um quarto das reservas de petróleo do Médio Oriente. Até que ponto estas entradas vão abalar a ordem geopolítica e económica mundial?

José Gama, Analista político: Ela já altera praticamente a ordem mundial porque estamos a falar de países cuja combinação alcança cerca de 41% do PIB do globo. Embora o Presidente Lula [da Silva] tenha dito recentemente que o objectivo não é concorrer com o G7, na prática, estamos a ver aqui que se está a ir buscar uma alternativa e a distanciarem-se também daquela influência americana e também da velha Europa.

Tendo em conta que se avançou com o Novo Banco para o Desenvolvimento que é um banco que vai ajudar os países emergentes, sem necessariamente fazer ou impor questões políticas e outras burocracias, eu penso que este projecto vai conseguir atrair e alterar mesmo a geopolítica do globo e também exercer uma certa influência, sobretudo, aqui na parte do hemisfério Sul que é onde esses países todos, os cabeças, fazem parte.


Nesta questão de uma alternativa ao Ocidente, a Arábia Saudita é aliada dos Estados Unidos, ao contrário do Irão. Como é que avalia, por exemplo, a entrada destes dois países?

Sim, mas a Arábia Saudita vai acabar por ter uma certa visibilidade porque é o maior produtor de petróleo do mundo e estar num espaço privilegiado como este, o dos BRICS que, no fundo, vai ser uma alternativa ao G7, vai ser também uma alternativa económica face ao Conselho de Segurança das Nações Unidas em que o número é restrito. Então, esses países vão acabar por ter ali um aliado junto aos BRICS que se vai tornar numa alternativa ou alternância.

Os BRICS têm uma norma, também, em termos de solidariedade e, com isto, quando estiverem também presentes nas Nações Unidas, em certas discussões vão passar a ter a solidariedade dos Estados-membros dos BRICS. Eu penso que é por aí também que a Arábia Saudita tem o interesse de estar neste mecanismo e é uma forma também de distanciarem-se daquelas burocracias e imposições norte-americanas. Aqui também se está a discutir a possibilidade de haver uma moeda única, o que não vai acontecer para já, mas eles já estão a avançar com a possibilidade de começarem a fazer as transacções em três moedas: da China, da África do Sul e do Brasil.

 

Essa questão da “desdolarização”, ou seja, da emancipação progressiva do peso da moeda americana ou da criação de uma nova moeda não pode constituir também um perigo para os Estados mais frágeis economicamente? Há vantagens mas também algumas armadilhas?

Bom, isso vai ser uma forma de valorizar as suas moedas. Eu penso que, neste caso, a moeda chinesa está em melhor posição para ser mais valorizada, é uma moeda também estável, não tem estado a sofrer assim abalos. Isto é uma luta, no fundo, com duas moedas internacionais que são o dólar e o euro. Eles nem sequer estão a pôr em causa o euro, mas estão a excluí-lo praticamente. Portanto, é um combate anunciado ao dólar, a tal desdolarização da moeda americana nos mercados internacionais. É um distanciamento que procuram fazer do FMI e do Banco Mundial, é uma nova afirmação mundial na vertente económica.

 

Essa afirmação passa, como disse, pelo Novo Banco de Desenvolvimento que já tinha sido criado em 2015 pelos BRICS para ser justamente essa alternativa ao Banco Mundial e ao FMI. Mas, este “banco dos BRICS” não está agora a ser penalizado pelas sanções contra a Rússia? O Novo Banco de Desenvolvimento cumpriu a ambição? E vai ao encontro, por exemplo, das ambições de países como a Argentina que tem uma dívida colossal com o FMI? Pode ser, de facto, uma alternativa?

Pode ser, mas agora a questão é que estas medidas tomadas acontecem numa altura em que um Estado-membro dos BRICS que é a Rússia está a sofrer sanções económicas. Os BRICS aqui não conseguem fazer nada, mas já deram um passo que é a exclusão do rublo russo. Eles não estão a anunciar que as transacções podem ser feitas nesse sentido na moeda russa, penso que estão a procurar evitar a Rússia. E a própria Rússia também procura cooperar e não trazer constrangimentos aos seus parceiros. Basta ver que ela fez-se presente pelo ministro dos Negócios Estrangeiros. Vladimir Putin evitou ir à África do Sul.

 

Também não podia ir porque há um mandado de detenção internacional contra ele, não é?

Sim, mas ele poderia ter ido à revelia e aquilo seria criar um constrangimento enorme para a África do Sul porque a África do Sul já teve um problema no passado com o antigo Presidente Bashir, do Sudão, e não iria querer repetir porque aquilo iria afectar o prestígio também do país. Vamos aqui admitir que desde que começou esse conflito russo-ucraniano, o Presidente Putin não se tem estado a ausentar para fora da Europa e é uma questão compreensível, não é? Ele está num quadro de fragilidade, a sua liderança sofreu algumas ameaças. Portanto, o rublo russo não tem estado a ser invocado para as transacções até agora porque está-se a observar as sanções internacionais.

 

Bloco dos BRICS “vai ser uma alternativa ao G7”

Não porque estamos diante das maiores economias do mundo: a China, a Índia, o Brasil que é uma das maiores economias no sul da América. Portanto, mesmo entre novos parceiros, estas maiores economias é que vão sempre mandar.Depois, são elas que vão ter também o controlo do Novo Banco de Desenvolvimento, que tem a ex-presidente brasileira Dilma Rousseff pela frente, e a primeira fase vai ser uma fase de readaptação com os novos membros que vão entrar. Então, ainda vão ser os Estados-membros fundadores a ter uma forte influência nesta estrutura que são os BRICS.

 

Os BRICS dizem querer um mundo mais igualitário, equilibrado, inclusivo, ou seja, o chamado “multilateralismo inclusivo”. Isto é mesmo assim ou é exactamente o oposto, ou seja, recriar um mundo bipolar em que se endurece o braço-de-ferro com os Estados Unidos e a União Europeia?

Na fase inicial, eles tinham três objectivos a alcançar que eram discutir a expansão do bloco, a discussão sobre o uso de uma moeda única local e a reforma do sistema de governação internacional, tal como o Conselho de Segurança das Nações Unidas. É justamente neste ponto que, no fundo, se querem impor, não necessariamente criar um sistema bipolar, mas, na prática, numa fase inicial vai ser assim. Vai ser uma estrutura paralela àquela que é a influência do G7 que também congrega as maiores economias da Europa e que muito influencia o mundo. Também vão querer aqui uma estrutura paralela ao Conselho de Segurança porque muitos destes países entendem que o Conselho de Segurança das Nações Unidas tem sido inoperante em muitas questões e muito dependente também das grandes decisões dos Estados Unidos. Agora, com os BRICS, querendo ou não, eles vão criar uma alternativa e uma estrutura paralela e aí podemos concordar que vamos ter doravante um mundo bipolar.