Luanda - No dia em que passam 64 anos da última das prisões iniciadas em 28 de março em Angola, uma lembrança de como o processo de construção nacionalista contou com presença de várias nacionalidades.

Fonte: Publico

No dia 24 de agosto de 1959, faz hoje 64 anos, a PIDE efetuou a última das prisões iniciadas em 28 de março do mesmo ano, no âmbito de um bloco de três processos, cada um correspondendo a um agrupamento clandestino. Após aquela data, prisões continuaram a ser feitas, no entanto, foram colocadas pela polícia política fora destes processos, cuja designação conjunta – “Processo dos 50” – decorre do título de um caderno publicado na Bélgica, incluindo fotografias dos réus, enviadas por Joaquim Pinto de Andrade a seu irmão Mário, já então exilado.

 

Duas vias de contacto com o exterior existiam, uma pelo Congo (ainda belga) e outra por Lisboa. Parte da “via congolesa” foi localizada pela PIDE que nela efetuou a primeira prisão daquele período, no dia 28 de março de 1959. Um jovem de 19 anos – a participação de jovens adultos e mesmo adolescentes era uma constante e seria notada até nas ações armadas de 1961 – foi preso no aeroporto, então Craveiro Lopes, com uma carta destinada a funcionário angolano do consulado português em Leopoldeville (hoje Kinshasa), contendo informações clandestinas que facilmente conduziram à prisão de dezenas de pessoas em pouco mais de uma semana.

O número de presos até 24 de agosto subiu a três centenas, desde detenções por algumas horas até àqueles que seriam submetidos a julgamento no Tribunal Militar Territorial.

Durante a Segunda Guerra Mundial surgiu no sul um movimento designado por Organização Socialista Angolana (OSA), dirigido por Sócrates Dáskalos, estudante liceal que pouco depois seguiu para a universidade em Lisboa, incluindo jovens intelectuais como o poeta benguelense Aires de Almeida Santos. Em 1956, o estudante de medicina em Coimbra Eduardo Macedo dos Santos, mais tarde integrante do primeiro comité diretor do MPLA, de férias em Angola, teve uma reunião de articulação com Viriato da Cruz, numa sala das antigas instalações da Sociedade Cultural, no Palácio do Comércio, já com o nacionalismo angolano sinalizando reativação clandestina, acentuada em 1958 com a agitação em torno das “eleições” portuguesas daquele ano.

Se a via de comunicação aérea ao Congo foi desmantelada, a via terrestre manteve-se, largamente usada pelo Cónego Manuel das Neves, vigário-geral da arquidiocese, para ligações à UPA, ao mesmo tempo que mantinha linhas de contacto no sentido Lisboa, provavelmente no âmbito da sua amizade com o advogado Eugénio Ferreira. Linhas ativadas ainda por outros mensageiros – membros da Casa dos Estudantes do Império.

Os três grupos clandestinos visados pela PIDE em 1959 vêm desse curto período de preparação. Na verdade eram mais de três, alguns desapareceram ou mudaram de nome e outros fundiram-se. O Movimento de Libertação Nacional de Angola (MLNA), por exemplo, é produto do Movimento de Libertação Nacional e do Movimento de Libertação de Angola e foi o primeiro a ser levado a julgamento. Dos sete acusados pela PIDE como “responsáveis”, quatro eram portugueses, um branco angolano (Helder Neto), um mestiço (Contreiras da Costa) e um negro (Manuel dos Santos Júnior). Pela ordem de sentenças, os primeiros condenados foram Calazans Duarte, António Veloso, Julieta Gandra e José Luciano Meireles, todos portugueses, ou seja, os quatro primeiros condenados por atividade clandestina pré-insurrecional em Angola, eram portugueses.

A Angola daquela fase recebia importante emigração não só da então metrópole, mas também de São Tomé e Príncipe e de Cabo Verde. Se portugueses democratas participaram ou apoiaram a luta clandestina, são-tomenses e cabo-verdianos também. Essa multipresença tinha dimensões consideráveis nos meios culturais e estudantis, mas era notável em outros setores.

Assim, Amílcar Cabral, que viveu alguns anos em Angola, militou em pelo menos um dos grupos clandestinos luandenses com grande influência. Foi de Luanda que partiu para o exílio, mantendo nos primeiros anos uma grande proximidade com líderes angolanos também exilados. A saída de Viriato da Cruz pelo porto do Lobito para Lisboa, de onde seguiu para Paris, teve o apoio de um militante são-tomense. Aliás, na primeira lista de membros do MPLA há três naturais de São Tomé – Tomás Medeiros, Miguel Trovoada e Hugo de Menezes, sendo este quem “abriu as portas” para implantação do MPLA em Conacri.

Um processo de construção nacionalista que contou com presença de várias nacionalidades.