Luanda - A estratégia do Ocidente Alargado (o que inclui os seus sipaios em todo o mundo) de definir unicamente o Hamas como “terrorista” não passa disso mesmo: uma estratégia não apenas para desculpabilizar o regime sionista de Israel, cujo recurso a práticas igualmente terroristas está historicamente documentado, mas, fundamentalmente, para justificar o plano de Tel Avive de inviabilizar a existência de um Estado palestiniano no Médio Oriente, com o qual tenha de coexistir. Pela parte que me cabe, vejo a solução dos dois estados cada vez mais como uma miragem; receio, pois, que os palestinos se tornem definitivamente mais um povo errante, como vários outros.
Fonte: JA
Que o Hamas tem recorrido a atos tipificados como terroristas, manda a honestidade intelectual reconhecer. A mesma honestidade obriga-nos também a reconhecer que os palestinos têm sido forçados a viver nos últimos 75 anos, pelo menos, em condições que, humanamente, levam qualquer um a um grau tal de desespero, que todas as reações são explicáveis. Digo bem, em especial àqueles cuja capacidade de interpretação textual é equivalente à de uma criança de cinco anos de idade: explicar não é justificar. Assim, o primeiro é do plano racional; o segundo é do plano moral.
De todo o modo, mesmo atendo-nos apenas ao plano moral, proponho aos que insistem em focar-se exclusivamente na natureza dos atos do Hamas que façam um exercício de empatia: tentem colocar-se no lugar dos palestinos, em particular, os que vivem em Gaza, completamente sitiados pelas forças sionistas, e perguntem-se como reagiriam, se estivessem desde sempre nessa situação. Lembram-se do levantamento desesperado dos judeus em 19 de Abril de 1943 no gueto de Varsóvia?
Se não quiserem dar-se esse trabalho, interroguem-se: como classificar os ataques aéreos de Israel a edifícios de habitação em Gaza, não apenas depois, mas antes do recente assalto do Hamas (no final de Junho, por exemplo, Israel desencadeou o maior ataque contra Gaza nos últimos vinte anos)? O que dizer de um Estado que decide cortar a água, a alimentação e a eletricidade a mais de dois milhões de civis? Que adjetivo usar para rotular o ultimato de Tel Avive aos palestinos para abandonarem o norte de Gaza, usando o mesmo e cínico argumento utilizado pelos turcos em 1915 para iniciar o genocídio arménio?
A resposta só pode ser uma: quer o Hamas quer Israel não têm hesitado, por motivações diferentes, em recorrer a ações terroristas. Mas, além da desproporção de meios, outra nuance precisa de ser recordada por quem quiser ser intelectualmente honesto: uma parte dos palestinos (o Hamas não representa todos os palestinos) fá-lo por desespero, enquanto o regime sionista de Tel Avive não tem hesitado em recorrer a essa estratégia com o indiscutível propósito de concretizar o seu verdadeiro sonho, ou seja, ocupar e controlar toda a Palestina. É por isso que não chega manter esta discussão (saber quem são, afinal de contas, os terroristas) apenas no plano racional ou moral: é obrigatório convocar o fator político, defendendo a resolução das causas da guerra e não olhando apenas para as suas consequências; a comunidade internacional precisa de impedir os desígnios de Israel de inviabilizar o Estado palestino, o que constitui o único meio de diminuir o espaço do terrorismo na região.
De facto, não tenho dúvidas de que, caso os palestinos vejam os seus direitos e interesses respeitados, o apoio ao recurso ao terrorismo pelo Hamas e outras forças ver-se-á drasticamente reduzido. Suspeito, porém, que isso não interesse ao regime sionista que governa Israel, assim como às principais potências ocidentais, que sempre viram na referida organização um aliado circunstancial para enfraquecer a OLP e outras organizações palestinas, laicas e progressistas.
Por essa razão, termino perguntando àqueles que, para explicar os atuais acontecimentos no Médio Oriente, têm avançando com a hipótese de o Hamas ter atacado Israel com o propósito de fazê-lo retaliar de modo desproporcional (como está a fazer) e, assim, voltarem a mobilizar os apoios à causa palestina por parte dos países árabes que estavam a negociar com Tel Avive a normalização das relações diplomáticas: a constante e crescente ocupação do território palestino e a manutenção do cerco desumano à faixa de Gaza, entre outras ações, não será também uma provocação de Israel, a fim de levar o Hamas a reagir de modo desesperado e, assim, poder dispor de um pretexto para consumar o seu plano de anexar o que resta do Estado palestino, impedindo a sua existência?
*Jornalista e escritor. Escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico.