Luanda - No sul de Angola, os habitantes da aldeia de Onanime são obrigados a consumir água contaminada com urina, bebendo da represa que partilham com os animais, e sentem-se “abandonados” pelas autoridades.

Fonte: Lusa

Este cenário afeta perto de 5.000 habitantes desta aldeia município de Namacunde, província do Cunene, localidade do sul de Angola que tem sido afetada por uma longa estiagem e consequente escassez de água.

 

Onanime, que dista cerca de 40 quilómetros de Ondjiva, capital da província, é considerado o epicentro da Verme de Guiné ou dracunculose, doença transmitida pela ingestão de água contaminada com a larva do parasita.

 

Devido à escassez de água na região, os populares recorrem aos pequenos reservatórios de água das chuvas, também denominados “chimpacas”, com água imprópria para o consumo e disputando o liquido com os animais.

 

Numa das represas de Onanime, juntam-se crianças e adultos com bidons e baldes de até 20 litros com os quais retiram e transportam a água, turva e lamacenta, de onde bebem os animais no lado oposto.

 

“Bebemos, cozinhamos, lavamos e tomamos banho com esta água todos os dias, porque não temos mais onde encontrar água”, disse à Lusa Júlia Mupedina, 23 anos, à saída da “chimpaca” com o seu bidon de 20 litros.

 

Ao lado de Júlia estava a pequena Érica, 11 anos, que levava um recipiente à cabeça com “água para beber”.

 

Pelo menos 47 casos do Verme da Guiné já foram registados na localidade, mas apenas em animais, sobretudo cães, principais portadores do verme, que também se servem das águas das chimpacas, segundo o diretor municipal da Saúde de Namacude, Eduardo Hisikusitya.

 

Habitantes da localidade dizem estar a viver em situação precária por ali faltar quase de tudo, desde a água e comida, a postos de saúde e escolas, não restando outra alternativa para as crianças que estudar de forma intermitente debaixo de arbustos.

 

A região rural, bastante árida e com altas temperaturas, quando chove intensamente é atingida pelas cheias devido ao transbordo da bacia do Rio Cuvelai, facto que muitas vezes impede o curso normal das aulas das crianças.

 

“Aqui o povo vive mal. Ponto número um, temos o problema da água, ponto número dois temos o problema da saúde, o povo anda uma longa distância à procura da saúde e em casos de complicações a pessoa pode perder a vida pelo caminho”, disse Elias Chimonu, um dos responsáveis da aldeia.

 

Segundo a mesma fonte, as autoridades tradicionais (sobas e séculos) “gritam sempre” às autoridades, mas estas “não estão a resolver nada”.

 

“Falamos isso porque sempre o povo está a gritar, como estão a ver a água que estamos a consumir, é beber mesmo o xixi dos burros, porque por onde bebe um jumento é por onde bebem as pessoas, esse é um problema muito maior”, referiu.

 

“Por isso mesmo estamos a repetir que façam tudo para nos ajudar nesse problema de seca, muito mais aqui na nossa região. Fome, sede, hospitais não temos, as escolas, os nossos filhos estudam, mas muito mal debaixo dos arbustos e no tempo chuvoso já ninguém estuda”, acrescentou.

 

Elias Chimonu disse ainda estar “cansado” com as promessas das autoridades: “As autoridades prometem coisas que não fazem […] temos problemas, dizem que já temos conhecimento, mas os anos passam e não temos nenhuma mudança”, insistiu.

 

O quadro da aldeia de Onanime foi igualmente retratado pelo século Venâncio Muanhe Telangue, 73 anos, apontando a falta de água e de comida como os principais desafios da população, considerando mesmo que a região foi “abandonada” pelas autoridades.

 

“Aqui vivemos de forma precária, não vivemos muito bem devido à falta de água, aqui falta muita coisa, principalmente a água e a comida”, disse.

 

Em Namacunde, um dos seis municípios do Cunene, as localidades mais afetadas pela dracunculose são o Onanime, bem como o Olufua, o Epolome Ofenda, referiu Eduardo Hisikusitya.

 

O responsável municipal da Saúde recordou que a região teve registo do último caso do Verme da Guiné (num cão) em setembro passado, e reconheceu que a escassez de água contribui para a propagação da doença.

 

“Houve várias intervenções no terreno, desde a massificação de ensino às comunidades, com medidas para prevenir esta doença, distribuição de filtros a nível do domicílio […] de forma a conter a contaminação”, explicou.

 

A administradora municipal de Namacunde, Cristina Naheme Omuno, destacou as ações desenvolvidas pelas cinco brigadas de vigilância da região para conter a doença, dando nota que estão em curso ações para se minimizar a escassez de água.

 

“Esta é uma realidade (escassez de água), mas todo o esforço está a ser feito para que pouco a pouco se minimize a situação da falta de água, como obras já concluídas no âmbito do PIIM [Plano de Integrado de Intervenção nos Municípios]”, afirmou à Lusa.

 

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a província angolana do Cunene tornou-se o núcleo central do Verme da Guiné, estabelecido como endémico desde julho de 2020, com casos registados de infeções humanas nos anos de 2018, 2019 e 2020.

 

Uma equipa multissetorial, chefiada pelo represente da OMS em Angola, Humphrey Karamagi, trabalhou nos últimos dias na Cunene e visitou a região de Onanime.

 

Membros da OMS, do Ministério da Saúde angolano e autoridades da Saúde do Cunene reuniram-se ainda como a comunidade, apelando para a regular educação para conter o vírus.