Luanda - O general Hélder Vieira Dias "Kopelipa" começou a ser ouvido no âmbito de um processo em que é acusado dos crimes de peculato, burla por defraudação, falsificação de documentos, tráfico de influências, associação criminosa e abuso de poder. Trata-se do início da instrução contraditória - requerida por "Kopelipa", segundo uma nota de imprensa do Tribunal Supremo.

Fonte: DW

Em entrevista à DW, o jurista angolano Agostinho Canando diz que está cético em relação a este processo, antevendo que "ordens superiores" possam interferir e condicionar o normal funcionamento da justiça.

O facto de "Kopelipa" ter sido homenageado pelo Presidente João Lourenço pelo serviço prestado à nação poderá também influenciar o desfecho do processo contra o antigo homem forte de José Eduardo dos Santos, diz ainda o jurista angolano.

 

DW África: Que apreciação jurídica faz deste processo?

Agostinho Canando (AC): O processo de burla em que o general "Kopelipa" é indiciado está em fase embrionária. Ele vai começar a ser ouvido na instrução preparatória para que, quando chegar à fase de julgamento, possam estar reunidas todas as provas, para se apurar a veracidade dos factos e saber se foram ou não cometidos crimes.

DW África: Que penas estão previstas para este tipo de crimes em Angola?

AC: Os crimes de burla e peculato costumam ser comparados ao furto e as penas podem chegar a cinco anos [de prisão], salvo possíveis agravantes. Nesse caso, podem chegar aos oito anos.

Nós temos aqui uma nobre missão - todos nós, como povo angolano - de lutar contra a impunidade do Governo anterior. No entanto, de 2017 até hoje, houve vários processos parecidos que, muitas vezes, nem sequer acabaram por ser esclarecidos na totalidade. Alguns processos pararam, outros foram arquivados. E não seria de bom grado que a Justiça passasse essa má imagem de que os processos param por insuficiência ou falta de provas.


Não é possível que, num país como o nosso, haja insuficiência de provas apenas em processos que envolvem grandes figuras da governação. Não é aceitável.


DW África: Então, acha que o processo de "Kopelipa" tem pernas para andar?

AC: Estamos muito céticos, porque este não é o primeiro caso do género. Por enquanto, o processo tem pernas para andar, mas, no futuro, para se aplicar a justiça como manda a Constituição e a lei, não deverá ser assim.

Há várias pessoas com um estatuto semelhante ao do general "Kopelipa" que foram julgadas e muitas delas nem sequer conheceram uma pena privativa de liberdade. Ou seja, ao que nos parece, combate-se a corrupção, a impunidade, o branqueamento de capitais, o financiamento ao terrorismo e peculato, mas de uma forma muito seletiva.

DW África: O facto de "Kopelipa" ser homenageado pelo Presidente de Angola pelo serviço à nação não poderá comprometer o processo judicial?

AC: Pode. E, como acontece há algum tempo, tem havido uma certa interferência do poder executivo e legislativo no poder judicial, o que muitas vezes acaba por trazer desacreditar a própria Justiça angolana nalguns casos. Quando alguém é alvo de um processo-crime e é homenageado justamente na fase em que o processo está a decorrer, o que se pode presumir é possivelmente que ele é indivíduo que trabalhou com lisura. Sendo assim, até que ponto esses indícios de que teria lesado o Estado são verdadeiros?

Não estamos aqui a dizer que deve ser culpabilizado. […] Mas, mesmo a própria produção dos meios probatórios acaba por estar subjugada a alegadas "ordens superiores". Por mais que um cidadão ou uma organização da sociedade civil denunciem um determinado crime que esteja à vista de todos, encontram muitas debilidades para se trazer ao de cima as provas. Isso não significa que a polícia de investigação criminal, o Ministério Público e o tribunal não tenham tais capacidades, mas encontrarão dificuldades por causa das alegadas ordens superiores.

DW África: Quer dizer que "ordens superiores" poderão decidir os destinos de "Kopelipa"?

AC: Na verdade, é esse o "background" do destino de alguns governantes angolanos que claramente lesaram [o Estado], mas como o processo penal só sobrevive de provas e provavelmente essas provas não serão trazidas à tona, o poder executivo e outros poderes estranhos ao poder judicial poderão falar mais alto.