CONTRIBUIÇÃO DA UNITA PARA A GESTÃO SUSTENTÁVEL DE LUANDA

 

31 de Maio de 20


Introdução


1. A Comissão das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento advoga que a cidade sustentável deve ser ambientalmente correcta, economicamente viável e socialmente justa. Planificadores e gestores de cidades acrescentam que a "cidade sustentável" deve ainda ser culturalmente dinâmica, psicologicamente saudável e institucionalmente participativa. Através da consideração destes conceitos, e de outros mais, a sustentabilidade passou a ser entendida como a promoção qualitativa da melhoria de vida individual e colectiva da sociedade, associada à transformação das estruturas produtivas de modo a torná-las mais eficientes e apropriadas à geração de riquezas, adaptando-as às condicionantes naturais locais. O termo "sustentável", incorpora, assim, o ambiente na sua concepção mais ampla, compreendendo a natureza física, biológica e social.


2. A gestão sustentável de Luanda tornou-se um imperativo nacional de forte pendor político, valorizado a partir das massivas migrações populares nas décadas de 90/00, que originaram a urbanização da zona conhecida como Luanda-Sul e a integração do triângulo Cacuaco, Viana e Benfica. O crescimento constante e progressivo da taxa migratória, tem sido referido como testemunho de que as pessoas concentram-se em Luanda porque é em Luanda que se concentra a riqueza nacional. As pessoas imigram na esperança de alcançar um pedaço da distribuição da riqueza concentrada na capital, por via do empreendorismo ou por estar mais perto do Estado, considerado responsável pelo crescimento da concentração de riqueza e poder.

 

3. Ciente de que não há fórmulas mágicas para regularizar a enormidade do passivo social e urbano ambiental que caracteriza a nossa urbanização incompleta e excludente, é convicção da UNITA que a gestão sustentável de Luanda encerra dimensões sociais, institucionais e económicas que ultrapassam as competências actuais do Governo Provincial de Luanda. Esta convicção foi confirmada pelas autoridades administrativas municipais e pelas constatações das visitas efectuadas pelo Dr. Isaías Samakuva, Presidente da UNITA, a dezenas de empreendimentos e instituições nas nove municipalidades de Luanda, em Abril e Maio de 2010.

 

4. Com base em estudos anteriores e nas realidades ora apreendidas, a UNITA elaborou o presente Memorando com o objectivo de contribuir para a análise das várias dimensões que envolvem a gestão sustentável de Luanda e apresentar, mesmo de forma não conclusiva, um conjunto de propostas que visam transformar, no plano prático, a gestão socioespacial de Luanda em elemento catalisador e factor integrador do desenvolvimento descentralizado e do crescimento ordenado do país.

 

5. Este Memorando contém três secções: Diagnóstico, Conclusões e Recomendações. O diagnóstico, não sendo de forma alguma exaustivo, identifica e analisa a complexidade dos problemas existentes, cuja síntese é apresentada sob conclusões. Nas recomendações apresentam-se tanto as propostas de soluções macro – a serem consideradas a nível dos poderes legislativo e executivo - quer as propostas de soluções micro - na forma de medidas de política e programas a serem considerados a nível provincial e municipal -.

 

I- Diagnóstico

 

1. Luanda regista uma taxa de crescimento anómala, da ordem dos 6,5% ao ano para uma população crescente estimada em mais de seis milhões de habitantes, vivendo em condições degradantes num perímetro de cerca de 100 km. Os níveis de migração voluntária para Luanda são superiores aos níveis de migração forçada pelo conflito. O crescimento anómalo agravou o quadro de desigualdade: estima-se que o número da população vivendo abaixo dos níveis mínimos da dignidade humana seja agora superior a 80%. O deficit habitacional é estimado em mais de um milhão de moradias sendo que 80% desta cifra corresponde às necessidades dos desempregados e daqueles que auferem o equivalente a até dois salários mínimos.

 

2. Angola tem mais de 1,242, 600 quilómetros quadrados para gerir e ordenar a vida dos seus 18 milhões de habitantes. As pessoas correm para Luanda porque é em Luanda que se concentra a riqueza. É em Luanda que se encontra o poder real de decisão para todo o país. É para Luanda que a população pobre do país corre para, impelida à ilegalidade, “pressiona” ou “suborna” o governo para dele obter a garantia do seu direito à habitação, consagrado no Artigo 85.º da Constituição. Sabem que o governo preocupa-se com a imagem de Luanda e se, de dia para a noite, erigirem uma barraca qualquer para habitarem, no dia seguinte, o governo – ou alguém por ele protegido – vai demolir. E assim, ele poderá obter uma casa no Zango ou no Panguila e ver concretizado o seu o seu direito à habitação e à qualidade de vida.  

 

3. As pessoas correm para Luanda, mas Luanda não tem um Plano Director. Devido à falta de qualquer política sobre o desenvolvimento urbano, os musseques de Luanda cresceram informalmente, à medida que números crescentes de imigrantes forçados ou voluntários construíam casas em qualquer área disponível, utilizando todo o tipo de material que conseguissem encontrar ou que pudessem comprar. Nos últimos oito anos, os musseques existentes foram ampliados e degradados. No triângulo Cacuaco, Viana e Samba, surgiram novos aglomerados de casas construídas sem equipamento, à beira de estradas, sobre canos de esgotos, em encostas arenosas ou abaixo de morros que se desmoronam quando chove intensamente. Nestes novos aglomerados habitam cerca de três milhões de pessoas, sem equipamentos e serviços adequados de água, electricidade, saneamento, recolha de lixo, escolas e clínicas.

 

4. A pobreza generalizada e a falta de apoio social, fazem destas áreas terrenos férteis para o crime. Um factor agravante é a grande quantidade de armas nas mãos de civis. Apesar de existirem esquadras da polícia em todos os municípios, a falta de formação, de procedimentos adequados de controlo interno, a falta de recursos adequados e os salários baixos, têm contribuído para a violação sistemática dos direitos dos cidadãos, para o uso desnecessário e excessivo da força e para a corrupção. Além disso, não se fez o suficiente para impedir os abusos nem o mau uso da Polícia por criminosos como atestam os frequentes casos de homicídio envolvendo agentes uniformizados da Polícia.

 


5. As pessoas correm para Luanda, porque não há empregos no interior do país. Apesar de Luanda concentrar as poucas ofertas de emprego qualificado, Luanda esgotou a capacidade de oferta de empregos para a população economicamente activa que possui. Embora se estime que a função pública absorva cerca de 200,000 trabalhadores e o sector formal da economia metade deste número - todos eles mal pagos -, mais de 2,000,000 de cidadãos tenta sobreviver na cidade periférica através do pequeno comércio desordenado ou de outras ocupações informais. Por outro lado, o próprio desordenamento de Luanda propicia oportunidades de subemprego e outros esquemas de sobrevivência. Sejam quais forem as razões, a taxa actual de imigração e o ritmo de crescimento desordenado ultrapassaram já a capacidade humana de gestão e a capacidade física dos equipamentos.

 

6. Os efeitos da cidade periférica e ilegal também comprometem a gestão da cidade urbanizada, porquanto a cidade periférica, (a) satura, sabota ou rebenta as redes públicas e os sistemas de fornecimento de serviços de água, electricidade e saneamento; (b) acentua a exclusão social; (c) provoca o incremento dos congestionamentos; (d) desvia recursos públicos; (e) promove o stress, o crime e a violência; e (f) acentua os processos de segregação e de discriminação. Portanto, enquanto a nível macro não se desenvolverem políticas eficazes e consensuais para se estancar a imigração e o crescimento desordenado da capital, Luanda continuará a ser um antro promotor de novas assimetrias territoriais e sociais, um perigo permanente à paz social, ao desenvolvimento humano e à unidade nacional.

 

7. As pessoas correm para Luanda, porque não há ensino de qualidade no interior do país; não há empregos no interior do país. As melhores escolas públicas e as maiores ofertas de emprego estão concentradas em Luanda. As pessoas correm para Luanda, porque observam que o próprio desordenamento de Luanda propicia oportunidades de subemprego e outros esquemas de sobrevivência. Sejam quais forem as razões, a taxa actual de imigração e o ritmo de crescimento desordenado ultrapassaram já a capacidade humana de gestão e a capacidade física dos equipamentos.


8. Os níveis de desordenamento perigam a vida, agridem o ambiente e dificultam a governação responsável. Apesar dos esforços feitos para melhorar a educação, a rede de escolas é marcadamente insuficiente para absorver a crescente população infantil e juvenil que vagueia pelas ruas. A maioria dessas crianças não está registada e escapa ao controlo, cuidados e assistência da Administração Pública. Nas escolas públicas, onde há paredes e carteiras, não há livros gratuitos, bibliotecas nem professores de qualidade. Os professores são mal pagos e faltam muito. O Instituto Politécnico do Cacuaco é um belo investimento; os seus gestores e professores parecem competentes e motivados para servir a comunidade. Todavia, os alunos do curso de electricidade e informática, por exemplo, não terão qualidade, porque o Instituto não tem um sistema seguro de abastecimento de energia eléctrica. Não há uma rede de creches e infantários para os munícipes geridos pela Administração Municipal. A única universidade pública na cidade não tem bibliotecas. 

 

9. A oferta de serviços públicos de saúde e de assistência social é insuficiente, de fraca qualidade e não respeita os direitos humanos nem os padrões universais mínimos: no Hospital Pediátrico, na Maianga, é prática colocarem-se dois doentes numa só cama; no Hospital da Asa Branca, no Cazenga, as chuvas inundaram a totalidade das instalações, a sala de partos apresenta-se infestada de mosquitos e os equipamentos estão todos contaminados. O próprio Hospital constitui um perigo para a saúde pública. O novo Hospital da Camama, no Município de Kilamba Kiaxi, inaugurado recentemente, precisa já de avultadas obras de reparação.

 

10. Nos domínios da educação e da saúde, os interesses legalmente protegidos dos cidadãos não parecem orientar as prioridades das políticas públicas. Os órgãos da Administração Pública de Luanda não estão a “promover políticas que permitam tornar universais e gratuitos os cuidados primários de saúde” e que “assegurem o acesso universal ao ensino obrigatório gratuito”, para garantir a promoção da “igualdade de direitos e de oportunidades entre os angolanos, sem preconceitos de origem, raça, filiação partidária, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação,” como estabelece o Artigo 21˚ da Constituição.


11. “Todo o terreno aqui na Ingombota tem o seu dono.” Esta afirmação pertinente da Exma. Sra. Administradora da Ingombota deve ser igualmente verdadeira para os demais parcelas de terreno da província. A diferença entre a Ingombota e outras parcelas é que os proprietários dos terrenos na Ingombota serão angolanos de origem lusitana ou já assimilados na era colonial e a Administração terá urbanizado e registado tais terrenos e documentado o respectivo direito de posse. O mesmo não sucederá com o direito de posse dos angolanos de origem diversa relativamente ao direito de posse que dos seus terrenos no Kilamba Kiaxi (Bagdad, Iraque, Bom de Chapéu – vulgo Fubu-,), Samba (zona verde do Benfica) ou Viana. Todavia, como os procedimentos para a regularização do direito de posse ou de usufruto são complicados e pouco claros, a mera posse do título documental não deveria ser o único elemento a ter em conta pela República na definição de políticas públicas de ordenamento do território e de garantia do direito à habitação. Há uma forte componente humana de justiça social que ultrapassa a dimensão documental porquanto o principal fundamento da República de Angola é a dignidade da pessoa humana.

 

12. As respostas oferecidas pelo Executivo, a vários níveis, têm-se revelado insuficientes para a dimensão e a complexidades dos problemas. Verifica-se uma tendência para a fragmentação e superposição de políticas, programas e responsabilidades. Não existe um Plano Director para Luanda. A área governamental de política urbana esteve ao longo de vários anos sob a responsabilidade de diferentes órgãos, que jamais conseguiram promover a integração temática ou territorial. 

 

13. O recurso à política de expulsões forçadas não judiciais, em curso desde Julho de 2001, revelou-se contra-producente e um incentivo para comerciantes oportunistas induzirem a Polícia, soldados, funcionários municipais e seguranças privados, muitas vezes utilizando força excessiva e de armas de fogo, a violar a Constituição e agredir violentamente os direitos fundamentais dos angolanos só para eles promoverem os seus interesses mercantilistas. Recentemente, entre 20 e 26 de Julho de 2009, cerca de 3.000 famílias foram violentamente expulsas de suas casas nos bairros adjacentes do Iraque e Bagdad, no município do Kilamba Kiaxi, suas casas foram destruídas, seus pertences destruídos, e eles ficaram sem abrigo. 


Esta política sem rosto humano, iniciada em Luanda, foi seguida em outras províncias do país, ao arrepio das normas constitucionais e das Convenções internacionais aplicáveis, em particular a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Carta Africana), que Angola ractificou em 9 de Outubro de 1990; o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), que Angola assinou a 10 de Janeiro de 1992 e os Comentários do Comité das Nações Unidas sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (CDESC), que é o organismo responsável pela fiscalização e a implementação do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC).

 

14. O Direito internacional, descreve as expulsões forçadas como “a remoção permanente ou temporária de indivíduos, famílias e/ou comunidades das casas e/ou terras que ocupam, contra a vontade dos mesmos e sem que lhes seja oferecido recurso ou o acesso a formas apropriadas de protecção legal ou outra protecção.” De facto, as expulsões forçadas violam toda uma série de direitos, incluindo o direito a uma habitação condigna, que é uma componente do direito a um nível de vida adequado. Além disso, sujeitam as pessoas a uma intromissão arbitrária ou ilegal na sua privacidade, família ou lar. Nos casos da Boavista, Iraque e Ilha de Luanda, as expulsões forçadas foram acompanhadas de tortura ou maus-tratos. À maioria das vítimas foi negado o direito à indemnização. Todos estes direitos são protegidos pelos tratados internacionais de direitos humanos dos quais Angola é Estado Parte, incluindo os acima referidos.

 

15. A criação do Ministério do Urbanismo e Ambiente, em 2003, não impediu o curso da política de expulsões forçadas e despejos extrajudiciais. Apesar de ter promovido vários seminários e conferências sobre a gestão de espaços urbanos entre 2003 e 2009, as recomendações para o desenvolvimento de novas políticas e legislação para melhorar o acesso ao alojamento, inclusive para os pobres não foram implementadas.

 

16. As expulsões forçadas e sem indemnização constituem ainda uma violação das normas constitucionais que regulam a expropriação da propriedade e demais direitos reais do angolano protegidos pelo Artigo 37.º da Constituição: “O Estado respeita e protege a propriedade e demais direitos reais das pessoas singulares, colectivas e das comunidades locais, só sendo permitida a requisição civil temporária e a expropriação por utilidade pública, mediante justa e pronta indemnização, nos termos da Constituição e da lei. O pagamento da indemnização a que se refere o número anterior é condição de eficácia da expropriação.”

 

17. Há um lado positivo na dimensão e complexidades estruturais dos problemas que assolam Luanda: eles fornecem à nação uma oportunidade ímpar para a concepção de uma política nacional de ordenamento do território e de repovoamento do país.   

 

II - Conclusões

 

As seis principais conclusões, que se retiram do diagnóstico são as seguintes:


1. A gestão sustentável de Luanda encerra problemas, desafios e soluções macro, de curto e longo prazo, de natureza política, social e institucional, que ultrapassam as competências do Governo Provincial de Luanda. As soluções devem duradouras e abordadas numa perspectiva aberta, inclusiva e consensual, fora do quadro da competição política.


2. Angola precisa de descentralizar o desenvolvimento para harmonizar o crescimento. Luanda constitui uma assimetria grave. A complexidade da sua correcção nas suas várias dimensões oferece à Nação uma oportunidade ímpar para desenvolver uma política nacional de ordenamento do território e de repovoamento do país que permite ao Estado cumprir com eficácia a obrigação constitucional de “promover o desenvolvimento harmonioso e sustentado em todo o território nacional.”


3. A gestão sustentável de Luanda exige um ambiente democrático descentralizado. A nossa jornada patriótica permitiu-nos confirmar as conclusões do estudo preliminar que fizéramos: não é possível governar Luanda sob o actual quadro político-administrativo.


Tendo em conta as especificidades socioespaciais, o grau de desenvolvimento e a imperatividade das medidas correctivas, a organização democrática do Estado ao nível de Luanda deve estruturar-se com base no princípio da descentralização político-administrativa, consagrado no Artigo 213˚ da Constituição. Não basta consagrar-se uma zona económica especial e alterar fronteiras geográficas. Angola precisa de equacionar um estatuto especial para esta sua região especial, para que, por via do princípio constitucional da autonomia local, pessoas colectivas autónomas correspondentes ao conjunto de residentes possam assegurar a prossecução dos interesses específicos de Luanda mediante órgãos próprios representativos das respectivas populações. Tais interesses poderão incluir, nos termos da lei, atribuições nos domínios da educação, saúde, energias, águas, equipamento rural e urbano, património, cultura e ciência, transportes e comunicações, tempos livres e desportos, habitação, acção social, protecção civil, ambiente e saneamento básico, defesa do consumidor, promoção do desenvolvimento económico e social, ordenamento do território, polícia municipal, cooperação descentralizada e geminação.

 

4. Luanda precisa de um Plano Director. As condições estruturais de Luanda são uma dor de cabeça para qualquer administrador público. Elas degradam a vida, empobrecem as famílias, perigam a saúde pública, agridem o ambiente e empobrecem a Nação O Plano Director da EPAL, por exemplo, só terá êxito se assentar no Plano Director de Luanda. O Plano deverá incluir medidas para implementar programas e fiscalizar políticas públicas próprias que concorram para tornar universais e gratuitos os cuidados primários de saúde, o ensino fundamental e para criar progressivamente as condições necessárias para tornar efectivos os direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos.

 

5. As causas estruturais de fundo dos problemas exigem medidas estruturais de fundo. Enquanto Luanda não tiver um estatuto de responsabilidade político-administrativa adequado à dimensão dos seus problemas e um Plano Director vinculativo a ser respeitado pelos futuros governos, Angola vai gastar muito dinheiro em vão. Mesmo que se triplique o orçamento anual equivalente a mais de mil milhões de dólares, dificilmente serão equacionados os graves problemas da saúde, da habitação e do apoio social às famílias enquanto não se corrigirem, com medidas estruturais de fundo as causas estruturais de fundo dos problemas de Luanda.

 


III - Recomendações


As recomendações que se apresentam encontram respaldo constitucional nos princípios fundamentais - relativos à organização do território, às tarefas fundamentais do Estado, à autonomia dos órgãos do poder local - e nas disposições relativas às políticas de promoção da justiça social - descritas no Artigo 90˚ - que o Estado deve adoptar na prossecução do desenvolvimento social de Angola.

 
A- Nível macro

 
1. Acordar por negociação política a consagração de uma política nacional de ordenamento do território e do repovoamento do país. Inclui a celebração  de um Pacto político, através do qual, as principais forças políticas se  comprometem a utilizar os seus recursos para a mobilização activa da vontade do povo angolano na efectivação das medidas de política a consagrar para o ordenamento do território e para o repovoamento do país.


2. Definir, negociar e adoptar os programas e as medidas de política estruturais, inclusivas e consensuais para desacelerar o crescimento de Luanda e acelerar o crescimento harmonioso do interior do país. Inclui a criação de uma entidade nacional, auxiliar do titular do poder Executivo, - Ministério do Repovoamento e do Ordenamento do Território (ou de uma Secretaria de Estado afecta ao Ministério do Planeamento) - com competências para:


a) Promover a construção de cidades mais justas, democráticas e sustentáveis.


b) Promover políticas que incentivem a migração e o desenvolvimento regional harmonioso para combater a segregação social e territorial, a pobreza e a degradação ambiental.


c) Gerir os processos de investimentos estruturais no capital físico e humano que constituirão os incentivos sustentadores dos movimentos migratórios correctivos.


d) Definir programas especiais para a harmonização demográfica do território nacional e gerir os respectivos factores críticos de sucesso em linha com uma nova política económica, industrial, agrária, de geração de emprego e rendimentos e ambiental.


e) Coordenar a elaboração participativa e o debate nacional do Plano Nacional de Política Urbana e Regional.


f) Controlar a eficácia das medidas planeadas para estancar a migração para Luanda e acelerar o crescimento do interior.


3. Instituir o Fundo Nacional do Repovoamento e Reordenamento do Território.


4. Instituir uma Agência Nacional de Regulamentação e Garantia do Financiamento Habitacional, que assegure a mitigação do risco dos agentes promotores e financiadores, públicos e privados.


5. Instituir o Conselho Nacional da Harmonização Demográfica do Território, órgão consultivo e representativo a quem caberá:


a) Dirigir os amplos debates e assegura a mais ampla participação nacional na definição das políticas e programas de harmonização nacional;


b) Recomendar as medidas de política para prevenir a corrupção, o clientelismo, as concorrências fraudulentas e as práticas de sobrefacturação nos processos em que intervém.


c) Recomendar os critérios de aplicação de recursos, as prioridades de investimentos e definir directrizes de intervenção para a implementação da reforma urbana.


d) Recomendar a adopção de normas de financiamento de programas e projectos.


6. Estudar, no âmbito da organização democrática do Estado e dos princípios a autonomia e da descentralização político-administrativa, a criação de um quadro político-administrativo especial para Luanda. O novo quadro poderá incluir a constituição de uma mega pessoa colectiva territorial autónoma, a criação de autarquias municipais, supra municipais e de autoridades administrativas independentes, para assegurar, mediante órgãos próprios representativos das respectivas populações, a prossecução dos interesses específicos de Luanda acima descritos.


B- Nível micro


1. Elaborar o Plano Director de Luanda

 

2. Investir na infância e na juventude


 Promover a criação de uma rede de creches públicas de qualidade em todos os Municípios
 Promover programas estruturados de inclusão das crianças e jovens sem tutela familiar juventude na sociedade visando a sua transformação em capital humano.


 Promover e defender o direito ao salário digno e protegido.


 Promover a criação de um sistema provincial de recrutamento, emprego e segurança social com mecanismos que garantam o estágio laboral dos formandos qualificados e correspondente subsídio e garantia do provimento do primeiro emprego para os recém formados que se qualifiquem;

 

3. Seguro de saúde para os trabalhadores do GPL


 Providenciar programas de seguro de saúde e pensões de reforma para todos os trabalhadores do Governo Provincial de Luanda e das Administrações Municipais.

 

4. Subsídio de risco para os trabalhadores que manuseiam o lixo


 Garantir que os trabalhadores da Elisal e outros que manuseiam lixo, produtos tóxicos ou que de outro modo perigam a saúde ao serviço do GPL, beneficiem de um subsídio de risco mensal justo e competitivo.

 

5. Desenvolver no interior centros educacionais e comunidades auto-sustentáveis para educar e recuperar os jovens


 Criar, em regime de internato, escolas, centros de recuperação moral e cívica, complexos industriais, politécnicos, agrícolas, científicos, culturais e residenciais, onde especialistas recolherão os jovens para formação integrada multidisciplinar. O regime de internamento será diverso, consoante a natureza do centro educacional e a situação do jovem: voluntário, por mérito e compulsivo.

 

6. Valorizar e Dignificar a Mulher


 Criar, junto de cada Administração Municipal, salas de aconselhamento familiar e brigadas móveis de assistência social. Em colaboração com instituições de utilidade pública vocacionadas como a OMA, a LIMA, o Fundo Lwei, etc., o GPL poderá assegurar assistência social em educação sanitária e nutricional, planeamento familiar, violência doméstica, formação, acesso ao crédito e às tecnologias.

 

7. Estancar o crescimento demográfico de Luanda


 Motivar e potenciar os munícipes de Luanda para se mudarem para o interior do país. Promover, para os adultos qualificados, incentivos para transferências para o interior e para os jovens não qualificados o “serviço comunitário obrigatório, durante dois anos.” Durante esse período, o munícipe transferido servirá como professora, ajudante de enfermeira, regente agrícola, médico, pintor, engenheiro ou gestor de projecto, numa aldeia, comuna ou sede municipal, no interior do país. Os transferidos que no final do período se radicarem no interior terão prémios adicionais competitivos, incluindo formação profissional, promoção ou garantias do Estado para o crédito bancário. 

 

8. Negociar com as empresas de capitais públicos medidas para apoiar os jovens

 

a) O GPL poderá negociar com o BPC, BIC e BFA medidas para os Bancos manifestarem mais vincadamente a sua responsabilidade social na construção de uma Luanda socialmente mais justa. Tais medidas poderão incluir:


i. novas formas de garantia para o crédito jovem, que permitam reduzir a taxa de juro de 24% considerada substancialmente alta para a natureza do capital sob risco; e  ii. a criação do Fundo para a Restauração Social da Juventude, uma fonte de financiamento para os programas sociais do GPL conducentes à restauração social das crianças e jovens desviados, sem tutela ou sem abrigo. 

 

b) O GPL poderá negociar com a UNITEL e a MOVICEL a concessão mensal de 250 UTT a todos os jovens estudantes que tiverem bom aproveitamento escolar.


c) O GPL poderá negociar com as empresas transportadoras – incluindo a Associação de Taxistas – formas de subsidiar e introduzir o “passe jovem.”


9. Saúde e Educação


 Municipalizar a gestão social dos serviços básicos de saúde, educação e assistência social; bem como aqueles ligados aos direitos da criança e do adolescente, incluindo a responsabilidade pelas creches e as “casas da juventude.” Ao GPL caberia a responsabilidade de fiscalização e tutela de mérito.


10. Medidas para aliviar a pobreza

 Estudar um pacote de investimentos e subsídios para financiar os seguintes programas:

 

a. Água, saneamento, e energia grátis – O Programa estudará um modelo capaz de combinar uma abordagem de mercado com subsídios. Nesta abordagem, todas as famílias pobres, poderão ter direito a um cabaz mínimo de fornecimento gratuito de 6000 litros de água por família em cada mês, e 200 KW de electricidade, por exemplo. Acima desse montante a família paga de acordo com o que consumir. Os custos reais seriam equacionados com o MINFIN no quadro dos subsídios atribuídos à EPAL


b. Habitação - Os bairros e agrupamentos periféricos pobres podem ser remodelados através de programas sérios e com a participação activa das comunidades de moradores, devidamente organizados. Convénios entre o GPL e os munícipes, protegidos por legislação apropriada e assistência jurídica adequada, poderão capacitar os moradores desses bairros para actuar como promotores imobiliários caso possam demonstrar que realizaram acordos que representam pelo menos 70% dos habitantes de determinado “bairro de lata”, ou “bairro de capim” ou “bairro de construções anárquicas”, como lhe queiram chamar. Como promotores imobiliários, estas organizações podem ter acesso a terrenos municipais e a créditos imobiliários directos, negociados em bloco com Bancos privados e com a garantia do Estado, com o objectivo de construírem habitações dignas para si. A urbanização e a construção da infra-estrutura e dos acessos, porém, são da responsabilidade do Estado.

 

c. Cidadania - Estes tipos de parcerias poderão constituir também passos firmes dos pobres urbanos a caminho da cidadania, em que os direitos consagrados no papel são traduzidos em realidade devido a confluência favorável de um contexto de políticas públicas, que radicam nos valores da justiça social e da democracia participativa como promotores da paz social. Novamente, as organizações de massas ou de utilidade pública como a OMA, a LIMA, a OMUNGA, a SOS Habitat, a AJPD poderão ser úteis. 


d. Premiar a Protecção Ambiental Pelos Munícipes – Negociar com a Elisal a concessão de incentivos financeiros, ou outros, tal como um cabaz regular aos munícipes, pela recolha voluntária dos lixos e serviços de limpeza, reparação e benfeitorias dos espaços públicos. A promoção de um modelo que premeie mais os recolhedores, separadores e transportadores de lixo e menos os accionistas da Elisal, por exemplo, seria economicamente mais viável para o GPL e beneficiaria mais gente.


11. Medidas para a gestão do tráfego rodoviário


 Promover o transporte marítimo de passageiros entre Benfica, Ingombota e Cacuaco.


 Estudar a maximização e flexibilização do uso das rodovias consoante o fluxo do tráfego: transformar as principais artérias em vias de sentido único ascendente das 6H00 às 10H00 da manhã, por exemplo, e em vias de sentido único descendente das 16H00 às 19H00, por exemplo.


 Introduzir medidas para estimular o “car pooling” nos percursos diários para a parte baixa da cidade das 6H00 às 10H00.


 Promover campanhas permanentes de educação cívica dos transeuntes.


12. Medidas para a boa gestão do parque imobiliário


 Promover a inventariação e adestramento do parque imobiliário e respectivas redes técnicas.

 Tornar obrigatória a limpeza fóssil dos edifícios.


 Estudar a viabilidade de promover a construção de redes para o fornecimento de gás canalizado lá onde as condições forem viáveis.


 Aperfeiçoar os métodos e a frequência de fiscalização preventiva.


 Sujeitar a emissão de alvarás comerciais à fiscalização preventiva dos imóveis.


 Promover o diálogo estruturado e desenvolver amplas campanhas de sensibilização dos cidadãos para os atentados à saúde pública patentes do estado degradado de muitos edifícios.

 Assegurar que os danos e actos de vandalismo ao património e infra-estruturas públicos sejam criminalizados e punidos.


 Promover a consagração das associações de condóminos como únicos interlocutores válidos do GPL e responsáveis pela boa gestão e manutenção dos imóveis residenciais. A criação da Associação é da responsabilidade do construtor ou promotor e é condição sine qua non para a emissão da licença de habitabilidade e para o registo predial.