Luanda - A guerra e a paz são dois polos opostos que não se aproximam, mas têm o denominador comum que lhes correlacionam, lhes unem e lhes dividem. Em termos políticos, a guerra busca a paz, e a paz nutre a guerra. O maior contraste entre os dois polos é de que, a paz constrói a vida e a guerra destrói a vida. A vida entendida como um conjunto de manifestações da atividade de uma família, de uma comunidade, de uma nação, de um país ou de um Estado.

Fonte: Club-k.net

Noutras palavras, a vida é um conjunto das coisas necessárias à subsistência humana e ao bem comum. A vida é feita na terra. Sem ter a terra não há vida, não há pátria e não há nação. Nesta virtude, um Estado constrói-se num país, e um país constrói-se num território. Portanto, a soberania de um Estado se manifesta num Território onde habita um determinado povo que possui a sua história, a sua cultura identitária e a sua herança genética.


Logo, o território, no qual está o solo, constitui um elemento essencial da vida humana. Por isso, todas as guerras do passado e do presente visavam e visam a conquista e a ocupação de territórios. Em função disso, o espaço geográfico é o elemento vital para o ser humano. Não somente em termos da existência humana, mas sobretudo, de acesso aos recursos naturais que garante o bem-estar e o desenvolvimento humano. Assim sendo, o desenvolvimento humano está intrinsecamente ligado à terra que faz parte do Universo, que é um sistema cósmico, bastante complexo e infinito, formado pelo espaço com todos os astros.


A guerra desenvolve-se gradualmente no contexto territorial, histórico, sociocultural e na identidade genética. Repare que, a identidade genética e a herança cultural têm os impactos enormes sobre a razão, tanto no sentido positivo quanto no sentido negativo. A defesa do bem comum de uma comunidade, de uma etnia ou de um grupo de etnias manifesta-se através dos factores históricos, territoriais, económicos, sociais, culturais, linguísticos e religiosos.


A consciência nacional, por sua vez, deriva de um conjunto de factores territoriais, económicos, sociais, culturais e religiosos dos seus povos que constituem o grande mosaico étnico-linguístico do país. Este conjunto de factores devem ser bem observados e bem cuidados para que haja o «equilíbrio» no processo de entrosamento, de desenvolvimento humano, e sobretudo, na distribuição da riqueza e na partilha do poder político. Se estudar minuciosamente o contexto das guerras do passado e do presente que foram travadas em África, na Asia e na Europa nelas poderás descobrir a presença de elementos étnicos e territoriais como fontes de inspiração das guerras e dos conflitos internos e interétnicos.


Nesta referência, as dinastias, os monarcas e os impérios da Antiguidade, da Idade Média e da Época Contemporânea, tais como da Macedónia, Egípcia, Etíope, Romano, Zulu, Luba-Chokué, Russa Czarista, Daomé, Congo, Moors, Manchu, Otomano, Gana, etc., todas tiveram a inspiração étnica, racial, territorial, mão-de-obra escrava, recursos naturais e comércio externo nos períodos da ascensão, da expansão, das conquistas e da dominação.


Nas guerras actuais, em curso, a guerra da Ucrânia, por exemplo, deriva de um conjunto de factores étnico-culturais, territoriais, económicos e históricos. A Rússia tem estado a arriscar tudo em defesa da etnia eslavos, da sua história, do seu território imperial, dos recursos minerais estratégicos e da importância geopolítica da Crimeia e do Mar Negro, que dão acessos ao Mar Mediterrâneo, que é a placa giratória do comércio mundial.


A guerra entre os Judeus e os Palestinianos é bíblica, deriva dos factores étnicos, territoriais, económicos e religiosos entre os árabes palestinos e os hebreus judaicos. O elemento étnico (identidade genética) é o factor principal que determina a Política Externa dos Estados Unidos da América em relação ao Israel. Porque, uma boa parte da elite política norte-americana é da origem hebraica. A esta elite dominante da sociedade americana a repressão do povo palestino é o dever supremo de «fidelidade» à pátria hebraica. Portanto, a defesa do Israel é uma questão étnica que suplanta os interesses estatais dos Estados Unidos da America, como uma superpotência mundial. Apesar dos EUA ser um Estado multirracial, multiétnico, multicultural, multilinguístico e multirreligioso.


No caso específico dos dois Sudãos, nota-se que, desde o período colonial o Sudão foi, e são, países divididos etnicamente e atingidos por conflitos internos. A situação actual que se verifica nos dois países do Sudão, além de outros factores, as divisões étnicas e raciais estão no centro das instabilidades políticas e sociais.


Quanto à instabilidade endémica na Nigéria, isso deriva de diversos factores tais como: a guerra do Biafra (1967-1970), cujo desfecho não foi bem gerido. Causando uma ruptura étnica e religiosa. Tal como em Angola, o petróleo é um acalcanhar de Aquiles da Nigéria, cujas receitas petrolíferas enriquecem um punhado da elite política do país, opulenta e corrupta, em detrimento da sua população, de cerca de 227.4 milhões de habitantes, que vive na extrema pobreza. Este ambiente desolador, da injustiça social, viabilizou a infiltração e a implantação, em grande escala, dos grupos extremistas islamitas, como Boko Haram, que opera no Norte do País.


No caso de Mozambique, os processos da descolonização, da democratização e da reconciliação nacional entre a FRELIMO e a RENAMO não correram tão bem. Em parte, o contexto territorial, ideológico, partidário, histórico e étnico-linguístico está na origem do surgimento de grupos terroristas islamitas que agora estão firmemente implantados no Norte do País, nas antigas bases da RENAMO.

Em relação à instabilidade crónica na República Democrática do Congo, ela deriva de um conjunto de factores, tais como: disputas territoriais; conflitos interétnicos; recursos minerais estratégicos; e o genocídio de Ruanda (entre os Tutsis e Hútus), que abalou toda a Região dos Grandes Lagos. A população da RDC é composta por duzentos grupos étnicos, dos quais 81% são bantus, espalhados por um vasto território de 2 344 858 km2. A República Democrático do Congo é um país africano mais rico em recursos minerais estratégicos. Porém, o seu povo vive na pobreza extrema.


Para resumir o meu raciocínio, é imperativo ter em nossa mente o facto de que, a guerra está sempre à espreita e está sempre ao nosso lado a espera da melhor oportunidade para assumir a arena política. A guerra é como um vulcão adormecido ou em activo. Mas que, lá no fundo da terra, o vulcão não está morto, continua a ferver, e quando chegar a altura, a sua cratera entra em erupção e lança as lavas em todas as direções.


Em função disso, os países que viveram a guerra civil, como Angola, não deve pensar que tudo passou e alcançamos a paz definitiva. Uma pura ilusão. Pois, como foi escrito atrás, a paz nutre a guerra, cria condições propícias para o surgimento da guerra. A não ser que as elites do país estejam conscientes disso e façam tudo para prevenir-se de todos os factores que causam a guerra.


Neste âmbito, cabe-me salientar que, a terra é a essência da vida. Sem ter a terra não há vida e nem há pátria. Uma pessoa sem pátria, é apátrida. Por isso, todos os cidadãos que habitam num território devem sentirem-se donos do território, como sua pátria. Dito de outra maneira, a terra deve nutrir a todos, e por igual, os seus frutos. Quando isso não acontecer a terra afasta-se das pessoas excluídas e ficam com sentimentos fortes de repulsa, de injustiça e de desigualdade. Nessas circunstâncias, a terra deixa de ter razão. A não ser que lute por ela para que seja conquistada novamente e possa usufruir a todos os seus nutrientes.


Olhar um pouco atrás, os conflitos interétnicos surgem na indiferença e na prepotência de uns contra os outros. A realidade angolana é de que os três movimentos de libertação (FNLA/MPLA/UNITA) nacional a sua «base social» foi étnica, apesar da presença significativa dos angolanos, de diversos grupos étnicos, dentro das suas estruturas partidárias. Este elemento sociológico, da base social étnica, hoje está mais evidente do que no passado.


Isso é derivado do facto de que, o Partido no Poder assumiu integralmente o «etnocentrismo partidário» que exclui todas as outras etnias que não fazem parte desta componente etnológica. Para o efeito, ergueu-se uma classe capitalista partidária, opulenta, assente nesta matriz sociológica. Ela está aliada aos grupos multinacionais poderosos para sustentar o seu poder, ignorando totalmente a penúria dos angolanos. Na prática, a cidadania deixou de existir em Angola. O que existe de facto é a militância partidária do Partido-Estado, que dá acesso aos direitos fundamentais do Homem.


Neste capítulo, nota-se com muita clareza o facto de que, as elites políticas dos outros grupos étnicos dentro deste sistema partidário do Estado não sentem-se em casa. Elas acomodam-se dentro do sistema político, mas com uma consciência limpa de que o «poder real» não lhes pertence. Esta situação me mete medo quando vejo que aquele que tem a responsabilidade máxima do Estado está indiferente, frio, insensível e prepotente.


Embora saibamos o potencial deste fenómeno em causar instabilidades sociais no país. E sobretudo, nesta fase da crise socioeconómica profunda e do fosso abismal existente entre os ricos (governantes) e os pobres (população). Pessoas como eu, que vivem nos bairros periféricos de Luanda, sabem o grau de repugnância e de descontentamentos generalizados das populações locais.


Gostaria de enfatizar que, as duas guerras (1914-1918 e 1939-1945) mundiais derivaram essencialmente da supremacia étnica, da pureza racial e de factores geopolíticos. Como vimos atrás, em toda a História da Humanidade houve conflitos internos e guerras interétnicas, que tinham como objectivos estratégicos a conquista de territórios, dos recursos naturais, da mão-de- obra barata, da supremacia étnica e da superioridade racial. Assim, o feudalismo, a escravatura, o tráfico negreiro, a evangelização e o colonialismo enquadraram-se neste contexto da acumulação da riqueza, da grandeza, da dominação, da ocupação e da exploração humana. Os actuais regimes neocoloniais em África e na America Latina buscam os mesmos objectivos e estão inspirados pela mesma doutrina de opressão e de exploração dos seus povos.


Portanto, é repugnante e condenável, um país multiétnico e multirracial, como Angola, que viveu as agruras da guerra prolongada, enveredar pelo caminho do mal, que assenta na discriminação política, étnica e racial. Pondo de parte Angolanidade e dando todas as oportunidades económicas e comerciais aos estrangeiros, que dominam totalmente o mercado interno e ditam as regras de jogo ao próprio Regime e aos Angolanos. Criando, deste modo, um sistema neocolonial, corrupto e autoritário, de carácter feudal, cuja matriz é o capitalismo do Estado, que centraliza e concentra todos os poderes do Estado numa só pessoa. Este quadro nebuloso é muito preocupante.-

Luanda, 13 de Março de 2024.