Lisboa - O abandono de soldados sul-africanos mortos nos campos de batalha tem uma justificação, os generais do apartheid estavam convencidos de que iam tomar a vila do Cuito Cuanavale, “mais hora menos hora”. O repórter “50” (Paulino Damião) e eu próprio fomos levados pelas equipas de desminagem ao local onde foi descoberto um grande cemitério com corpos de militares que invadiram Angola e morreram em combate. Foi a segunda derrota do regime de apartheid. A primeira ocorreu em 1976. Mas já lá vamos. Antes vamos saber o que aconteceu depois do 23 de Março de 1988, Dia da Libertação da África Austral.

Fonte: AQ

Março Mês da Mulher e da Vitória

No dia 23 de Março de 1988, enquanto o comando sul-africano avaliava a situação, o comandante Gerhard Louw, fazia esforços para recuperar os tanques imobilizados. Um deles foi puxado com sucesso por um veículo blindado de recuperação, mas ficou claro que era impossível recuperar os outros Oliphant. Louw pediu autorização para destruir os tanques imobilizados pelo fogo de artilharia das FAPLA. Mas o general Liebenberg ordenou que os tanques não fossem destruídos, mas abandonados, para serem recuperados mais tarde, quando fosse tomado o Cuito Cuanavale.

Gerhard Louw estava encurralado nos campos de minas do Triângulo do Tumpo. O fogo que caía à volta era tão intenso, que as tripulações dos tanques nem sequer tinham tempo para recuperar os seus objectos pessoais com segurança antes de fugirem. O tanque de Gerhard Louw e um veículo blindado de recuperação não conseguiram mover um Oliphant avariado. Ficou totalmente enterrado na areia: Era inamovível.

Um Oliphant que estava preso ao veículo draga-minas, também perdeu uma unidade de suspensão traseira, foi preso a outros três, mas enterrou-se um metro e meio de profundidade na areia. Ainda hoje está no Triângulo do Tumpo, acompanhado do “varre minas”. Ali também foi enterrado o regime de apartheid.


Às 15h03 do dia 23 de Março de 1988,os MIG atacaram a força de Louw, bombardeando em voo picado. Às 16h30, Louw começou a retirar-se do primeiro campo minado. O fumo e a poeira não deixavam ver nada. As tripulações dos tanques não conseguiram encontrar a passagem que tinha sido limpa de minas. Louw pediu para acenderem luzes de sinalização na passagem desminada. Depois conduziu as suas forças por esse “estreito”.


No caminho sinalizado com luzes, outro tanque accionou uma mina. A esteira ficou danificada e soltou-se. Por não ter mais cabos para rebocá-lo, Louw foi forçado a deixar para trás mais este Oliphant. Abandonaram três tanques que eram a maravilha da indústria bélica alemã.


Às 17h30 do dia 23 de Março foi ordenado ao Regimento Groot Karoo para também suspender a operação e retirar-se. A bateria de G2 foi atacada pela artilharia de alta precisão das FAPLA. Os blindados de Louw conseguiram chegar a Cabarata, ao anoitecer. Pararam naquela área durante algum tempo enquanto os MIG, de novo, procuravam por eles entre os arbustos.


Quando o fogo de artilharia começou a cair muito próximo dos blindados, Louw retomou o movimento, apesar da ameaça vinda do ar. Retirou a sua força para a área avançada de concentração e passaram a noite fora do alcance da artilharia Angolana.

Angústia ao Amanhecer

Na manhã do dia 24 de Março o comandante Schoeman chegou ao posto de comando táctico para ser ouvido sobre o ataque. Os generais do apartheid estavam furiosos com o comportamento dos oficiais no Triângulo do Tumpo. A angústia da derrota chegou ao amanhecer. Longas discussões e acusações mútuas mostravam bem o estado de espírito dos derrotados.


Às 18h39, o coronel Fouché abandonou o posto de comando táctico e regressou ao seu quartel-general, para reconsiderar a situação. Os generais acompanharam-no. Shoeman foi abandonado. Mas estava vivo. Outros militares “loiros” ficaram nos areais do Triângulo do Tumpo, mas mortos. Ainda hoje os familiares os procuram, para lhes darem uma sepultura digna. Têm de falar com o chefe Miala.


No dia 25 de Março de 1988, todas as unidades dos invasores que tinham participado no terceiro ataque ao Triângulo do Tumpo, estavam nas suas áreas de concentração para reparar e fazer manutenção ao equipamento. Quase todos os tanques tinham sido atingidos.

Missão Impossível

Os sul-africanos aprenderam à custa de uma derrota estrondosa, que a cabeça-de-ponte na margem leste do rio Cuito não podia ser tomada, de maneira nenhuma, a partir da elevação oriental. As unidades da artilharia de campanha das FAPLA, que dominavam o lado ocidental, tornaram essa missão impossível. A solução era retirarem-se, o mais rápido possível e em segurança. Ficou decidido abandonar a cabeça-de-ponte e cuidar do resto do platô oriental, ainda sob seu controlo, não fossem as FAPLA transformar os atacantes em atacados.


Um cordão de minas foi criado de imediato, desde o Triangulo do Tumpo, passando depois a norte, seguindo a linha da mata, até à nascente do rio Dala e daí, sempre para norte, seguir para a margem esquerda do rio Cuanavale. A cabeça-de-ponte estava incluída no cordão de minas, o que impedia as FAPLA de usarem o platô oriental durante algum tempo. O tempo que os invasores precisavam para fugir em segurança.


As forças sul-africanas permaneceram desdobradas no planalto do Chambinga para cobrirem o trabalho de engenharia na criação do cordão de minas. As tropas da UNITA foram ensinadas a fazer uso de equipamento convencional, para manterem o cordão de minas intacto, enquanto as forças sul-africanas se retiravam. Numa frase simples: Eram carne para canhão.

Armadilha Táctica

As FAPLA estavam à espera que os sul-africanos tentassem um ataque, a partir do Sul, onde tinham preparado uma armadilha táctica. Unidades das13ª, 21ª e 59ª Brigadas tinham-se desdobrado na margem Oeste do rio Cuito, muito a Sul e a Sudoeste para travarem qualquer avanço sul-africano. Vários tanques T-62, chegados “na hora” ao Cuito Cuanavale, foram movimentados e desdobrados também a Sul.


A Norte, no Baixo Longa, foram desdobradas forças convencionais, provenientes do Cuito Cuanavale, para reforçarem a guarnição. A engenharia das FAPLA retomou os trabalhos de reabilitação da pista da Base Aérea. A Leste do rio Cuito, a cabeça-de-ponte foi reforçada, apesar das vitórias sobre o inimigo terem convencido o comando das FAPLA, de que era improvável que viesse a cair nas mãos dos sul-africanos.


Os três Oliphant abandonados por Gerhard Louw foram recuperados e tornaram-se troféus de guerra, para as FAPLA. Os menos danificados foram rebocados para as posições da 25ª Brigada e posteriormente transportados por uma ponte móvel (GSP) para a margem Oeste do rio Cuito.


Para impedir o resgate dos outros dois, a infantaria da 25.ª Brigada cavou fossos à sua volta e armadilhou com minas e explosivos, a área circundante. Mas afinal ainda estavam mais Oliphant nas colinas do Triângulo do Tumpo.


O General Meyer, na tarde do dia 26 de Março de 1988, enviou um telex ordenando que o coronel Fouché se assegurasse de que os três Oliphant abandonados fossem destruídos. Demasiado tarde. Os invasores já não tinham qualquer hipótese de regressar ao Triângulo do Tumpo.

Debandada Geral

O coronel Fouché e o seu pessoal passaram o dia 26 de Março de 1988 a planear as futuras acções. No dia seguinte, apresentou as suas propostas aos generais Geldenhuys e Liebenberg, no Rundu. A bateria Romeo passou o dia 27 de Março de 1988 a preparar a retirada, directamente para a África do Sul. Os caças da Força Aérea Nacional estiveram todo o dia no ar e foi um festival de fogo sobre o inimigo.


Como a Força Aérea Sul-Africana não realizou voos neste dia, foi mais uma vitória para as forças angolanas. Esta actividade aérea durante todo o dia de 27 de Março de 1988 impediu a artilharia sul-africana de realizar qualquer disparo.


A acção efectiva da Força Aérea Nacional teve consequências no inimigo. No próprio dia 27 de Março o 1º Batalhão do Regimento de La Rey e o Esquadrão B do Regimento Presidente Steyn foram desmobilizados e retiraram, um mês antes da data marcada.


No dia 29 de Março de 1988, o “Batalhão Búfalo” iniciou a sua preparação para ser retirado do teatro de operações, no dia seguinte.


No dia 30 de Março, o Regimento de La Rey iniciou também a retirada do campo de batalha. Para trás ficaram os tanques mas também alguns militares que morreram em combate. A desminagem no Triângulo do Tumpo permitiu localizar os cemitérios onde os militares foram sepultados “provisoriamente”. O general Liebenberg estava convencido de que os corpos eram levados para casa. As FAPLA nunca mais lhes permitiram que pusessem os pés em Angola.

Ambiente Interno

Chester Crocker, secretário de Estado dos EUA para os Assuntos Africanos, no seu livro “High noon in Southern Africa” escreveu a propósito do clima na África do Sul, quando as forças armadas do apartheid acumulavam derrotas entre a Caixa do Chambinga e o Triângulo do Tumpo:


“A agitação e a resistência combativa em áreas urbanas habitadas por negros - e a falta de apoio do Ocidente a PW Botha – precipitaram a reacção dos brancos. PW Botha era culpado pela mudança e pela violência. Mas os brancos agora culpavam-no também pelas sanções e pelo isolamento da África do Sul. Este clima interno ajudou a explicar a mais recente série de repressões: No final de Fevereiro de 1988, o Governo proibiu praticamente todas as actividades das 17 principais organizações negras, incluindo as da Frente Democrática Unida. Nem mesmo escapou a actividade política da COSATU, a maior federação de sindicatos.”


Chester Crocker sabe o que escreve. Ele era o oficial de ligação entre os racistas de Pretória e os de Washington. O regime de apartheid em Fevereiro de 1988 já estava em decomposição, devido às derrotas que ia acumulando em Angola e que culminaram com a derrota final no Triângulo do Tumpo. Dia da Libertação da África Austral.

Carnaval da Vitória

O esmagamento total do regime de apartheid no Triângulo do Tumpo é o castigo merecido” para os nazis de Pretória que ousaram invadir Angola mais uma vez, sempre com os mesmos resultados catastróficos.


Na primeira invasão, o resultado foi igual: Derrota vergonhosa. Estávamos no ano de 1975 e os sul-africanos puseram em marcha a “Operação Savana” que tinha um objectivo: Impedir a Proclamação da Independência Nacional em 11 de Novembro de 1975.


Os “karkamanos” avançaram desde a fronteira de Namacunde (Santa Clara) com uma força poderosa, apoiada pela Força Aérea. Foram travados pelos Heróis do Ebo, já depois do Presidente Agostinho Neto ter proclamado ante os angolanos e o mundo, a República Popular de Angola.


Desde a derrota no Ebo, cuja batalha o general António Faceira descreveu como “bota contra bota”, os invasores retiraram as suas tropas de Angola. O último “karkamano” abandonou o solo sagrado da Pátria em 27 de Março de 1976. O Presidente Agostinho Neto, Comandante em Chefe das FAPLA, convidou os angolanos a fazerem nesse dia o Carnaval da Vitória.


Março é o Mês da Mulher Angolana, de todas as heroínas que deram a Angola os seus melhores filhos mas que também lutaram na primeira linha, contra os ocupantes e invasores estrangeiros.


Março é o Mês da Vitória sobre o regime de apartheid da África do Sul. Em 27 de Março de 1976, faz amanhã 48 anos, as tropas dos racistas fugiram para não capitularem. Em 23 de Março de 1988 desintegraram-se e foram varridos da cena política mundial. Março é o mês de todas as vitórias ofertadas pelos Heróis à Mulher Angolana.