Luanda - O escritor angolano e ex-ministro da Comunicação João Melo defendeu, em entrevista à Lusa, que a contestação faz parte do processo de construção de qualquer país, e Angola não foge a essa regra.
Fonte: Lusa
“Os países fazem-se assim. Fazem-se de ações de contestação a essas ações de acomodamentos. Os países fazem-se assim”, afirmou, salientando que se trata de um processo de criação de uma burguesia, “que, no fundo, é idêntica ao processo de formação das burguesias em todos os países”.
“Nós angolanos pensamos, por vezes, que somos especiais. Mas não somos tão especiais, assim. São processos históricos que, dependendo das condições, das circunstâncias, são muito semelhantes a qualquer outro país, contemporâneo ou não”, acrescentou.
João Melo apresenta na quinta-feira em Lisboa a sua obra mais recente: “O Acumulador”, oitavo livro de contos – ou estórias, como por vezes se lhes refere – em que questiona a sociedade e a política angolana.
E questionado sobre se Angola está ainda a pagar a fatura dos anos de chumbo, em que à dominação colonial sobreveio a guerra civil e a agressão externa, João Melo não tem dúvidas.
“Isso é inevitável. É óbvio que sim. É óbvio que há sequelas que são herdadas da colonização, sequelas da guerra civil, sequelas da guerra fria de que Angola foi um dos países órfãos, digamos assim, como escreveu a própria representante da ONU em Angola, naqueles anos, [a diplomata britânica] Margaret Anstee [1992-1993]. Mas é óbvio também que isso só não basta para explicar o Estado e a situação atual do país”, considerou.
“Nunca há uma explicação simples para problemas mais complexos. Costuma dizer-se que se um problema complexo tiver uma explicação simples, então não é complexo e Angola é uma situação muito complexa”, frisou.
Jornalista de formação, João Melo foi deputado do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido no poder desde a independência do país em 1975, e com a chegada à Presidência de João Lourenço, é nomeado em 2017 ministro da Comunicação Social, sendo substituído no cargo dois anos depois.
A reação à demissão deixou-a então nas redes sociais: “Deixei de estar ministro. Vou ser o que de facto sou: jornalista, escritor e professor. Um abraço a todos”.
Questionado sobre a avaliação das promessas que João Lourenço fez e que garantiram a vitória para um primeiro mandato presidencial (2017-2022), o ex-ministro escusou-se a comentar.
“Se não se incomoda, e tratando-se de uma questão eminentemente política, neste momento a minha posição é – eu sempre fui uma pessoa de intervenção política -, a minha posição neste momento é fazer intervenções políticas primeiro à imprensa angolana. Prefiro, no momento em que eu entender, posicionar-me dentro do meu país”, respondeu.
Quando foi nomeado ministro da Comunicação Social, João Melo prometeu liberalizar o setor, autorizar mais rádios locais e promover o fim da censura nos diferentes órgãos de imprensa estatais.
Entretanto, foi substituído no cargo e o próprio panorama da comunicação social angolana mudou radicalmente.
Da televisão à imprensa escrita e rádio, os mais importantes Órgãos privados passaram a integrar o setor estatal.
Instado a comentar se não há o perigo de em Angola passar a haver uma única verdade, inquestionável, João Melo não responde diretamente e prefere focar-se na questão da concentração de títulos, justificando que se trata de uma “tendência universal”.
“A imprensa em geral passa por esse risco em todo o mundo. Não só nos países onde é o Estado o principal detentor dos meios de comunicação, mas também naqueles onde é a iniciativa privada a detentora da maior parte dos títulos. Sabe bem que a tendência para a concentração da propriedade na imprensa hoje é evidente, é inegável, mesmo nas democracias mais antigas, mais consolidadas e onde o capitalismo é mais desenvolvido”, disse.
“Portanto, é uma questão complexa, mas que não se resume a essa dicotomia entre Estado e iniciativa privada”, adiantou ainda.
Sobre a liberdade de imprensa em Angola, alvo de críticas e avaliação negativas por parte de organizações não-governamentais, bem como da questão das liberdades cívicas, João Melo recusou igualmente fazer comentários.
“Como se sabe, eu fui ministro da Comunicação do Governo do atual Presidente angolano durante dois anos, e entendo que neste momento não me compete a mim, ainda, comentar a situação numa área da qual eu fui responsável. Acho que quer os governantes em exercício, quer os cidadãos, poderão fazê-lo com mais propriedade do que eu”, defendeu.