Luanda - O Livro: RUÍDO: UMA FALHA NO JULGAMENTO HUMANO, DE KAHNEMAN, SIBONY E SUNSTEIN, que recomendamos para uma compreensão da actuação de juízes e das decisões tomadas nos julgamentos, deve merecer a nossa atenção para compreendermos o que está a acontecer. 

Fonte: Club-k.net

No livro Ruído, os autores destacam um tipo de erro de julgamento que, embora tão nocivo e frequente quanto o viés, não tem recebido a merecida atenção de pesquisadores e profissionais. Trata-se da “variação indesejada” em julgamentos que deveriam ser idênticos ou parecidos – fenômeno que os autores chamam simplesmente de “ruído”.


O Ruído e Viés são dois componentes que provocam erros igualmente intensos em julgamentos humanos, e o objetivo do livro é chamar atenção para o primeiro, comumente ignorado como elemento que provoca erros em decisões. Quando pensamos em problemas no julgamento – entendendo-se por julgamento “qualquer medição feita pelo instrumento da mente humana”– frequentemente pensamos nos vieses – dentre eles, os vieses de confirmação, conformidade, disponibilidade são alguns dos que mais causam erros sistemáticos no acto de julgar.


Em artigo publicado na revista Brasileira de Direito e Sociologia (Silvia, Stwarte e Cunha Filho) , analisando o livro o RUÍDO, afirmam o seguinte:

Partindo de seus escritos anteriores, os autores demonstram, de início, a fragilidade da ideia de que ações humanas são sempre pautadas pela racionalidade, coerência ou maximização de bem-estar. É claro que julgamentos humanos podem eventualmente ter componentes racionais, mas emoções, paixões, enviesamentos e a cegueira parcial são elementos presentes em boa parte de nossas decisões. \


• Como sustentar – perguntam os autores – a ideia de objectividade do julgamento humano em um contexto em que juízes chegam a conclusões radicalmente diferentes mesmo que sob as mesmas leis e as mesmas garantias institucionais?


• Como alegar a equidade de um sistema judicial em que um mesmo crime pode ser considerado, para um juiz, não punível e, para um outro juiz, punível com pena de muitos anos de reclusão?


Faculdades de Direito nos treinam sistematicamente a pensar a aplicação de leis como uma tarefa técnica, imparcial e objetiva, e essa perspectiva tende a tornar ainda mais invisível a frequência das ocasiões em que o sistema jurídico falha em promover esse ideal básico de equidade.

Até mesmo no campo profissional, condições bastante aleatórias podem impactar as nossas escolhas. Factores como estar com fome ou não e ver o seu time perder um jogo de futebol podem gerar estados mentais que modificam a tomada de decisão de determinada pessoa antes e depois do episódio, por vezes no mesmo dia.

Esse tipo de erro de julgamento é tratado com precisão e elegância em Noise, o novo livro de Daniel Kahneman, Olivier Sibony e Cass R. Sustein. Noise[1] é um ruído, um barulho que confunde nossa capacidade de decidir e que provoca erro nesse processo.

Ruídos são onipresentes e fazem parte da nossa natureza. De acordo com os autores, esse ruído se diferencia do viés – expressão muito presente em trabalhos jurídicos actuais, especialmente a respeito de inteligência artificial – da seguinte maneira: ao imaginarmos o quadro de um jogo de dardos, iremos encontrar um padrão enviesado quando as marcas dos arremessos estiverem todas fora do alvo, mas sempre próximas da mesma área, uma das outras.

Para compreendermos erros de julgamento, tanto o estudo do viés quanto a abordagem do ruído são relevantes – estamos falando, na prática, de atributos quase que complementares. O ruído, contudo, não é abordado de maneira tão expressiva quanto o viés, ao menos em discussões a respeito do impacto da tarefa de decidir para o processo judicial.


É curioso destacar, aliás, que não precisamos ser especialistas a respeito de determinado assunto para notar a existência de um padrão ruidoso: não precisamos ser médicos para constactar que muitos profissionais apresentam diagnósticos diferentes para sintomas idênticos; não precisamos ser juízes – e nem mesmo operadores do direito – para constactarmos que muitas decisões diferentes são proferidas em casos consideravelmente semelhantes.


A correção do ruído, portanto – e aqui tratando especificamente do aspecto jurídico descrito no último exemplo, que é o que mais nos interessa –, não passa necessariamente por uma revolução do direito, mas por uma revolução no âmbito da aplicação do direito em casos concretos, ou seja, do processo decisório. O ruído é, por assim dizer, o maior inimigo da isonomia e da segurança jurídica.


“O julgamento do seu recurso depende da distribuição: se cairmos com tal Câmara, temos boas hipóteses; se formos para a outra, teremos sérios problemas”. Essa é uma passagem comumente dita por advogados a clientes ainda nos dias actuais. O ruído gera injustiças bastante evidentes, especialmente em uma perspectiva processual. Mesmo um caso “único” (na visão do julgador) pode comportar diversos desfechos, inclusive dentro do mesmo órgão julgador. Onde há julgamento, há ruído.
Podemos concluir que no caso do processo dos 500 milhões existe muito ruído. Precisamos da certeza jurídica e que prevaleça a justiça. Porque sempre que estiver em causa o direito e a justiça, deve prevalecer a justiça. E a justiça não provoca RUÍDO.

Por Emílio José Manuel.
Pesquisador e Consultor
Luanda aos 16.07.2024