Luanda - Costuma-se dizer que o Corredor do Lobito é o maior projecto de engenharia de Angola, projecto esse que envolve grandes somas de dinheiro. Um famoso filósofo disse certa vez que não há grandes fortunas sem grandes furtos. Verdadeira ou não essa tese, o facto é que a Trafigura, que é parte do consórcio Lobito Atlantic Railway (LAR), está envolvida em mais um grande escândalo internacional, e não é a primeira vez que a Trafigura se envolve num escândalo de corrupção, dessa vez um escândalo muito maior do que os investimentos feitos no Corredor do Lobito.
Fonte: Club-k.net
Recordemos que a Procuradoria-Geral (PG) da Suíça acusou um antigo político angolano e dois ex-dirigentes da empresa de intermediação suíça Trafigura de corrupção, conforme noticiado pelo jornal alemão Deutsche Welle (DW). A imprensa germânica, citando a Lusa, noticiou ainda em 2023 que "um antigo responsável angolano é acusado de ter aceitado, entre abril de 2009 e outubro de 2011, subornos de mais de 4,3 milhões de euros e 604 mil dólares, do grupo Trafigura, relacionado com as suas atividades na indústria do petróleo em Angola", lê-se na acusação, divulgada no site da PG suíça, que não refere o nome dos envolvidos.
Já esse ano, a respeitabilíssima fonte de notícias Bloomberg noticiou que “a gigante de commodities Trafigura sofre perdas de mais de US$ 1 bilhão após investigação sobre fraude em produtos petrolíferos na Mongólia”. De acordo com um jornal da Ásia Central, mais precisamente, do Quirguistão, ex-república soviética, na semana passada, a Trafigura, que processa petróleo suficiente para satisfazer três vezes mais as necessidades da França, admitiu ter sofrido perdas de até 1,1 mil milhões de dólares na Mongólia, em parte devido a alegações de fraude por parte dos seus próprios funcionários. A gigante afirma que seus funcionários manipularam os pagamentos enquanto escondiam uma montanha de dívidas pendentes, permitindo que o risco ficasse fora de controle durante anos sem levantar qualquer sinal de alerta.
Esse escândalo é uma bomba e surpreende que não tenha grande divulgação na mídia de Angola, como surpreende ainda mais a escala das perdas prováveis relativamente à dimensão do mercado petrolífero da Mongólia. Segundo a Administração de Informação sobre Energia dos EUA, existem mais de 100 países que consomem mais petróleo do que a Mongólia, incluindo o Luxemburgo e o Nepal. Seu consumo de cerca de 35 mil barris por dia custa aproximadamente US$ 1 bilhão por ano. Para a Trafigura, a Mongólia representou menos de 0,3% de todo o petróleo vendido.
Na última semana, o CEO da Trafigura, Jeremy Weir, disse que a empresa estava “amargamente decepcionada” com a situação e agora se via isolada no mundo dos negócios da Mongólia, considerando a investigação em curso. O relatório apresentado se deu com base em entrevistas com oito pessoas com conhecimento direto da Trafigura e das suas atividades na Mongólia, que pediram anonimato devido à elevada seriedade do assunto. Além disso nove banqueiros ficaram surpresos com as perdas da empresa.
É muito difícil vender petróleo na Mongólia e empresas internacionais como a Trafigura não possuem licenças de importação e não podem fornecer diretamente ao mercado local, assim ficando na dependência de distribuidores locais. Para a Trafigura, a principal contraparte foi a Lex Oil LLC. A empresa mongol pegou nos produtos petrolíferos da Trafigura e vendeu-os a retalhistas de combustíveis. A Trafigura forneceu petróleo a crédito, com um acordo que a Lex Oil pagaria no futuro, após dedução dos direitos aduaneiros e de frete. O próprio grossista também forneceu crédito aos seus próprios clientes, enquanto as transacções de cobertura acrescentaram outra camada de complexidade. O resultado tem sido um impacto em constante mudança na Lex Oil e na sua rede de clientes na Mongólia.
Os contabilistas da Trafigura em Singapura e Genebra não reconheceram que estes riscos tinham aumentado para muitas centenas de milhões de dólares, apesar de as facturas não terem sido pagas no vencimento, disseram as fontes. A Lex Oil não respondeu às perguntas da Bloomberg feitas por telefone e nem respondeu aos e-mails desta última fonte de notícias.
O mais surpreendente de tudo isso é o silêncio na mídia angolana. Pouco se divulga acerca dos escândalos envolvendo a Trafigura devido ao seu envolvimento no consórcio LAR. Em Angola, o blog JPrivado denunciou que o presidente-executivo da Trafigura, Jeremy Weir, enviou angolanos para campos minados durante a restauração da ferrovia do Lobito para agilizar sua construção, os funcionários da empresa receberam tarefas para trabalhar em áreas que não haviam sido desminadas, o que causou muitas vítimas.
Previamente, a Trafigura se declarou culpada de acusações de suborno dos EUA no Brasil e concordou em pagar US$ 127 milhões em multas e lucros cessantes. E em junho, a Trafigura concordou em pagar uma multa de 55 milhões de dólares como parte de um acordo com os reguladores dos EUA sobre alegações de fraude e manipulação.
Uma companhia com um histórico de grandes escândalos, envolvimento em casos de corrupção, suborno, tráfico de influência e até do uso de operários angolanos em campos minados deveria causar à mídia muito mais interesse do que o suposto “ouro” de Isabel dos Santos, pois se assim for, é apenas uma questão de tempo para que uma empresa tão poderosa e ao mesmo tempo corrupta passe a influir mais e mais no governo de Angola e se torne uma espécie de “Too big to fail” que se tornará o poder de fato em Angola e decidirá os rumos do país, o que de facto ela fará sem beneficiar o povo angolano e sem qualquer compromisso com o país.
Emanuel Oliveira