Luanda - A primeira visita de um Presidente americano a Angola tem efeitos amplos na forma como o país é percebido pela comunidade internacional. O envolvimento directo de um Presidente dos EUA traz maior atenção global a Angola. A eleição do Presidente Donald Trump, no passado mês de Novembro, apesar de ser do partido Republicano, não retira a elevada visibilidade da visita a Angola de Joe Biden, chefe de Estado cessante.
Fonte: JA
Antes do seu adiamento, Angola tinha e tem estado sob a intensa visibilidade no cenário internacional, e, por outro lado, os Estados Unidos da Amrica têm estado a reforçar a sua posição em relação ao nosso país como um parceiro confiável e estratégico em África. O importante é que isso se venha a traduzir na atracção de novos investimentos e parcerias com outros países que vêem a visita como um sinal de confiança e estabilidade.
Portanto, a relevância da visita de Joe Biden a Angola não deve ser minimizada por causa do fim do seu mandato, muito menos pela transferência de poder ao partido Republicano, considerado mais distante de África. A verdade e que a geopolítica mudou e os Estados Unidos precisam aumentar a sua presença em África.
Esta visita deve ser celebrada como um marco nas relações entre os dois países, com implicações que ultrapassam o ciclo eleitoral norte-americano. Para Angola, trata-se de consolidar a sua posição no cenário global e garantir que os interesses nacionais sejam promovidos de forma soberana e estratégica.
E esta estratégia resulta da visão do Presidente João Lourenço em matéria de política externa e nesta relação com os Estados Unidos da América que se consolidou durante o seu mandato.
Parafraseando Raymond Aron, «as relações internacionais são moldadas por uma combinação de interesses…onde os Estados devem defender sempre os interesses nacionais, e da necessidade de prudência e pragmatismo».
Soberania Angolana e Política Externa Independente
Um dos maiores equívocos é a suposição de que Angola, ou qualquer outro país africano, não consegue conceber e executar a sua própria política externa sem estar atrelado às estratégias de potências externas. Este é um ponto que deve ser resolutamente desfeito. Angola tem uma política externa própria, baseada nos seus interesses nacionais e na necessidade de promover o desenvolvimento económico e social de seu povo.
Na sua essência, a política externa de Angola reflecte um compromisso inabalável com a neutralidade activa e o pragmatismo. Isso significa que Angola mantém relações construtivas com todas as grandes potências, sejam elas os EUA, China ou Rússia, sem se alinhar cegamente a nenhuma delas. A concepção e execução de iniciativas políticas, diplomáticas e económicas com os EUA ou outros países não resultam da acção de lobbies pagos, mas, sim, de uma análise cuidadosa dos benefícios para o nosso país.
A visita do Presidente dos Estados Unidos da América provocou uma série de debates sobre o papel de Angola no cenário geopolítico actual. Entre esses, destacam-se vários artigos de opinião publicados pela imprensa nacional e internacional que colocam Angola como o novo palco da «Guerra Fria». Ainda que compreensível em tempos de rivalidades globais crescentes, este assunto carece de uma análise mais profunda, especialmente no que se refere à política externa angolana. Em vez de enquadrar o nosso país como um mero peão num jogo de potências, é preciso destacar a nossa soberania e o pragmatismo com que Angola conduz as suas relações internacionais.
A desvalorização da visita do Presidente Joe Biden a Angola por parte de alguns sectores da opinião pública, sob o argumento de que ele está em fim de mandato, merece uma análise mais cuidada. O simbolismo e as implicações diplomáticas dessa visita vão muito além do calendário eleitoral norte-americano, e não se pode subestimar o peso que ela carrega, tanto para Angola quanto para as suas relações com os Estados Unidos.
Além disso, apesar da visita acontecer em fim de mandato, o poder executivo e diplomático do Presidente Joe Biden mantém-se completo. O Presidente continua a exercer todas as suas funções como chefe do poder executivo. Pode emitir ordens executivas, implementar políticas, administrar as agências federais e garantir que as leis sejam aplicadas. Já no âmbito do poder diplomático, Joe Biden ainda tem total autoridade para representar os EUA em questões diplomáticas. A visita a Angola reflecte o seu papel no fortalecimento destas relações bilaterais e cooperação internacional, independentemente de estar em fim de mandato.
Independentemente do facto de Joe Biden estar em fim de mandato, é crucial reconhecer que esta é a primeira vez que um Presidente dos Estados Unidos visita Angola. De notar, também, que nenhum outro país africano foi incluído no seu itinerário. Este tipo de visita não é apenas um gesto diplomático de cortesia; é uma demonstração clara de que Angola está a ganhar relevância no cenário internacional e, em particular, na política externa norte-americana. Uma visita presidencial dos EUA reflete o reconhecimento do papel estratégico de Angola, seja no contexto regional africano, seja no quadro mais amplo das relações globais.
O facto de ser uma visita histórica, por si só, já carrega um peso inegável. Ela sinaliza aos investidores internacionais, aos outros países africanos, e à comunidade global que Angola é um parceiro estratégico de destaque, digno de atenção ao mais alto nível. Essa visita abre portas para novos investimentos, mais visibilidade internacional, e coloca Angola no centro de diálogos cruciais sobre desenvolvimento, segurança e cooperação.
Embora Joe Biden esteja no fim do seu mandato, o impacto de uma visita presidencial não se limita à sua permanência no cargo. A política externa dos Estados Unidos é, em grande parte, uma questão de Estado e não apenas de governo. Isso significa que as relações estabelecidas e fortalecidas durante esta visita têm o potencial de perdurar, independentemente de quem vier a ser o próximo ocupante da Casa Branca.
Os acordos e iniciativas que a discutir durante essa visita, como o fortalecimento do Corredor do Lobito no âmbito da Iniciativa de Parceria para Infra-estruturas Globais (PGII), as colaborações na área de energia, ou mesmo os investimentos em tecnologia e governação, podem continuar a ser implementados, mesmo com uma mudança na liderança dos EUA. As instituições americanas são estruturadas de modo a garantir a continuidade de políticas, especialmente quando envolvem parcerias estratégicas e interesses geopolíticos de longo prazo.
Além disso, uma visita deste calibre reforça o compromisso dos EUA com Angola como um parceiro prioritário, independentemente do ciclo eleitoral. Por conseguinte, embora Joe Biden não vai permanecer no cargo após as eleições, a sua visita pode pavimentar o caminho para futuras colaborações, dando a Angola uma base sólida para continuar a negociar com a próxima administração americana.
Outro ponto relevante é que esta visita não se trata apenas de Joe Biden ou do momento político nos Estados Unidos. Trata-se de Angola e das oportunidades que se abrem para o país. O diálogo não será apenas sobre política de curto prazo, mas sobre cooperação bilateral, investimentos e parcerias de longo prazo.
Ao receber um presidente dos EUA, Angola envia uma mensagem clara: o país está preparado para aprofundar laços com grandes potências, sem comprometer a sua soberania e os seus interesses nacionais. É uma oportunidade para Angola mostrar que está comprometida com as reformas económicas, com a modernização das suas infra-estruturas e com um papel mais proeminente no contexto regional e global.
Angola no Centro de Interesses Geopolíticos
O interesse crescente dos Estados Unidos em Angola, impulsionado pela Iniciativa de Parceria para Infra-estruturas Globais (PGII) e projectos estratégicos como o Corredor do Lobito, não deve ser confundido com uma tentativa de controlar ou influenciar a política interna angolana. Em vez disso, trata-se de uma oportunidade para Angola fortalecer suas infra-estruturas, diversificar a sua económia e promover o desenvolvimento sustentável. Os ganhos resultantes dessas parcerias são concretos e visíveis: empregos, melhorias na infraestrutura, maior competitividade econômica e um papel de liderança regional.
Por outro lado, a relação de Angola com a China, também, trouxe benefícios substanciais ao longo das últimas décadas, especialmente no que diz respeito à reconstrução pós-guerra. No entanto, o Governo angolano está ciente dos desafios dessa relação, como a dependência de dívida, e tem buscado estratégias de diversificação de parcerias para reduzir riscos.
Nem Guerra Fria, Nem Dependência:
Angola em Controle de Seu Próprio Destino
A tentativa de colar Angola a um palco de "guerra fria" ou de disputa comercial entre potências globais é uma simplificação que não faz justiça à realidade complexa das nossas relações externas. As nossas parcerias, sejam elas com os EUA, China, Rússia ou outros, são orientadas pelos interesses de Angola e pela busca de maximização de benefícios para o nosso povo.
O que move Angola não é a dependência de qualquer outro país, mas a sua determinação em avançar em direcção ao desenvolvimento, enquanto protege a sua soberania e interesses estratégicos. O pragmatismo da nossa diplomacia permite-nos negociar em melhores condições com todos os nossos parceiros, promovendo o crescimento econômico e a estabilidade.
Angola como Protagonista Regional
Com base na sua localização estratégica e recursos naturais abundantes, Angola tem o potencial de ser um líder regional em África, mediando interesses de várias potências globais, sem perder de vista as suas próprias prioridades. Sob a liderança do Presidente João Lourenço, Angola já tem actuado como um facilitador em questões regionais de segurança e desenvolvimento, e continuará a expandir este papel, aproveitando o interesse global para fomentar um crescimento equilibrado e duradouro.
Conclusão: A Visita de Joe Biden
Como Oportunidade para o Futuro
A visita do Presidente Joe Biden a Angola não deve ser vista como um sinal de dependência ou alinhamento a qualquer bloco de poder. Pelo contrário, é uma oportunidade para Angola consolidar as suas relações com uma das maiores economias do mundo, em prol de objectivos claros e definidos por nós: o crescimento econômico, a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos e a consolidação da nossa posição no cenário internacional.
Angola está no controlo do seu próprio destino, e o interesse dos EUA, da China ou da Rússia não deve ser motivo de divisão, mas sim uma oportunidade para fortalecer o nosso país. O foco será sempre o desenvolvimento interno, a criação de oportunidades para os nossos cidadãos e a construção de um futuro próspero para todos os angolanos.
«Não temos aliados eternos nem inimigos perpétuos. Só os nossos interesses são eternos e perpétuos e o nosso dever é segui-los». Esta expressão do Lorde Palmerston , é valida para a política externa de Angola.
* Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário de Angola nos Estados Unidos da América