Luanda - Foi ao percorrer os 35 anos que sobre si recaiu a escolha para conduzir a política financeira do Estado angolano. Era a estreia de uma mulher no cargo. Vera Daves de Sousa, a ministra das Finanças de Angola, não esconde que foi com surpresa que recebeu o convite de João Lourenço, em 2019.

Fonte: Economia e Mercado

Nada mais comum na reacção de quem, um dia, sonhou ser dançarina, cantora, médica, “mas ministra das Finanças, confesso, nunca sonhei”, diz, de viva voz, sobre “uma surpresa, mas uma surpresa positiva”.

Confidencia, em entrevista à revista Economia & Mercado, que a “surpresa positiva” tirou-a da sua zona de conforto, mas, também, fez descobrir em si “qualidades e capacidades” que não tinha, obrigando-a, todos os dias, a investir mais em si e na equipa que comanda no MINFIN.

O propósito é claro: não defraudar o voto de confiança que recebeu do Titular do Poder Executivo. Jovem e mulher, Vera Daves encara o desafio de chefiar as Finanças Públicas como um cargo de representação.

“Esse voto de confiança não foi só para Vera”, explica, associando-o à sua geração, ao género: “Voto de confiança para uma geração, para os jovens, para as mulheres e para as pretas”, diz, descontraída.

“Lembro-me que, quando houve a passagem de pastas, a minha actual secretária de Estado, que ainda nem era secretária de Estado, veio ter comigo e disse: ‘Vera, muito obrigada! Sinto-me muito [bem] representada e peço que nos honres como mulher, como jovem e como preta’”.

A conduzir as Finanças de um País com 1.246.700 Km2 e cerca de 35 milhões de habitantes, Vera Daves sente, todos os dias, o peso do cargo, e afirma que dorme e acorda a pensar nessa responsabilidade.

“Há coisas que faço, há coisas que deixo de fazer porque sei que estar aqui é maior do que eu própria. E qualquer passo menos assertivo pode fechar a porta para uma geração que olha para mim com esperança. E não quero ser eu a fechar a porta da minha geração”, declara.

Valoriza o poder da esperança, sem o qual, realça, as pessoas “quase que deixam de viver”. Pede, por conseguinte, aos cidadãos que não deixem de acreditar em Angola, no melhor para o País.

Descreve-se como uma pessoa de fé e de intuição. “Gosto de me conectar com Deus, gosto de orar e gosto de sentir que o Espírito Santo me disse o caminho, agora, é esse”.

Sabe dos rótulos que esta sua inclinação pode produzir numa “sociedade como a nossa, em que é quase vergonha falar de espiritualidade, é quase vergonha falar de temas não materiais”, observa, com ares de confiança.

Não se envergonha de afirmar que é uma pessoa intuitiva, que espera ter confirmação dentro de si para dar o próximo passo. Confidencia que tem travado debates com o marido sobre o tema. Mas mantém-se firme nos seus ideais. Sublinha as vantagens que daí advêm, mas não foge às desvantagens.

“Uma vantagem é que não coloco limites a mim própria, de modo que tenho medo de muito poucas coisas; se eu sentir que esse é o meu chamado, seja qual for, eu vou acreditar que Deus me vai capacitar para cumprir”, sem titubear, assevera.

Outra vantagem da intuição que abraça como modo de vida, acrescenta, “é que sou humilde o suficiente para fazer algo que as pessoas acham que alguém que chegou até onde eu cheguei já não devia fazer”.

A propósito, conta que algumas pessoas ficam escandalizadas quando diz que, se deixar o cargo de ministra das Finanças, estaria disposta a abraçar um trabalho como… de embrulhar presentes.

“'Embrulhar presentes? Tu que já foste ministra das Finanças?' Qual é o problema? O importante é que você é melhor a fazer aquilo. De modo que eu não tenho problemas em fazer seja o que for”, atira, afirmando que o que diz “não é simulação, é um sentimento”.

Vera Daves explica a desvantagem da intuição: “Se for a uma entrevista de trabalho, quem nos ouve interpreta isso como uma pessoa pouco consistente e pouco séria. (...) vai com o vento”.

Um incidente académico feito trauma

A governante que não tem simpatias por improvisos e que não se move por atalhos, conta que sempre encarou o tema da vergonha como “um grande filtro moral”.

Recorda que, enquanto estudante, com passagem pela Universidade Católica de Angola, dedicava horas a decorar textos, até que, um dia, a memória a traiu, e, a partir daí, percebeu que, melhor que um exercício de memorização, é “aprender, de facto”.

“Semeei e colhi. E vou explicar como: Primeira aula, assistente de Finanças Públicas, decorei. Cheguei lá, tensão, nervos, esqueci tudo, tudo! Deu-me uma branca. Qual foi a minha sorte? O regente da cadeira estava lá, olhou para mim, deu de ombros e falou a minha parte. (...) Cheguei em casa, chorei muito, muito, e decidi que nunca mais falaria sem me preparar. Se eu não recebo o discurso com antecedência, eu não vou, por causa desse trauma”, jura.

É por esta e outras razões que reforça que jamais se move por atalhos: “Preciso de me preparar. Os improvisos correm mal. Foi um atalho. Outros atalhos podem surgir na carreira. Pisar o outro, colocar cascas de banana para o outro sair e você ficar com o cargo. Mas há sempre alguém que percebe a tua fragilidade, que você aprontou para ficar com o cargo”.

Refere que os atalhos “são perigosos”, e aproveita para aconselhar os jovens, crianças, a não seguir o caminho mais rápido, fazendo analogia que a comida que fica pronta rapidamente é, no mínimo, “para desconfiar”.

Olha para os céus por uma Angola “próspera e justa”

Vera Daves observa que tudo na vida implica tempo, dedicação, empenho. Contextualiza a sua observação na vida política prática. Diz que tem a absoluta consciência que há coisas que são da responsabilidade do Executivo que as autoridades têm de continuar a melhorar para tornar a vida das pessoas mais fácil.

“Não estou a desonerar-me dessa responsabilidade. Tenho consciência que, às vezes, parece que é de propósito complicar a vida do cidadão, e peço desculpas por isso em nome do Governo de Angola”, refere.

E acrescenta: “Mas, também, temos todos nós que ter consciência que, para sermos prósperos de forma sustentável, não podemos ter só outros a trabalhar por nós, só outros a colocar a mão na massa. Temos que ir e pegar as coisas e fazer as coisas, nem que seja só plantar um canteiro”.

A aproximar-se dos 42 anos, Vera Daves diz-se uma cidadã que ama o seu País e coloca-o sempre no exercício de fé que professa. Confidencia que a maior resposta às suas orações foi a paz em Angola.

Para uma Angola com muitos desafios pela frente, a governante tem mais motivos para preces. E quais são os actuais temas das suas orações? “Se Angola for próspera e justa, aí terei o meu segundo ciclo de orações repetidas no tempo respondido. Esse é o meu sonho para Angola para os anos que estão por vir”.

Na convidativa entrevista concedida, no final do ano passado, ao jornalista Sebastião Vemba, director da revista Economia & Mercado, a ministra das Finanças falou, também, sem rodeios, sobre os mais candentes temas da actualidade em relação ao sector que dirige.