Luanda - A hipocrisia é uma postura falsa, um fingimento de manifestar uma atitude contraditória daquilo que é a realidade. Essa postura fingida serve essencialmente para ocultar a realidade de um fenómeno. A hipocrisia assemelha-se ao paradoxo que é uma figura de retórica que contraria o senso comum e a lógica, tornando-se num absurdo. Em poucas palavras, a hipocrisia é o fingimento de qualidades, de valores, de ideias, de ideais ou de sentimentos que uma pessoa não possui e não estão dentro do seu espírito e da sua alma.
Fonte: Club-k.net
Este introito serve-me para dizer que, fiquei bastante escandalizado e chocado quando a Casa Branca, na pessoa do Presidente Donald Trump, acusou a África do Sul de estar a cometer genocídio contra os brancos sul-africanos (Afrikaners), isto é, contra os agricultores e fazendeiros brancos. Forjando imagens de perseguição, assassinatos e de desapropriação de terras dos brancos Afrikaners, como sendo provas de «genocídio branco» na África do Sul.
Pela vossa informação prévia, a África do Sul é uma “nação arco-íris;” com cerca de 62,4 milhões de habitantes; dos quais, 80% são negros; 7% são brancos; 13% é composto por diversos grupos raciais. Em termos da distribuição de terras, os brancos Afrikaners (Bóeres) ocupam 72%; os negros apenas têm 4% das terras; e os restantes, têm 24% das terras. Os Bóeres são descendentes dos colonos holandeses, alemães, franceses e outros europeus que ocuparam as terras das comunidades negras na África do Sul nos séculos XVII e XVIII. Em termos gerais, este é o quadro real da África do Sul.
Embora não esteja a residir na África do Sul, mas acredito que um genocídio contra as comunidades brancas não pode acontecer na África do Sul, por vários factores históricos e culturais. Pois, o povo sul-africano passou por um sistema de discriminação racial muito cruel e repressivo, que serve de uma lição, incutida nas mentes dos sul- africanos pelo Nelson Mandela. Como sabemos, durante o apartheid a povo negro não tinha dignidade nenhuma, nem tinha direitos humanos. Era perseguido e massacrado sistematicamente. O mundo, na altura, evidenciou o drama da opressão, da humilhação, da injustiça e da segregação racial na África do Sul.
Infelizmente, as Administrações Americanas (Republicanas e Democratas) e os Governos Europeus alinharam-se com o regime racista da minoria branca. Só mais tarde quando a Comunidade Internacional se despertou e obrigada pelas circunstâncias para decretar um conjunto de sanções contra o Regime racista sul-africano.
Na altura Londres transformou-se no epicentro de Movimentos Anti-apartheid, que impulsionaram uma onda de manifestações em todos os países ocidentais. Nos EUA os Movimentos Cívicos Afro-americanos dinamizaram a luta contra a segregação racial na África do Sul e contra o Colonialismo Europeu em África. Naquela altura, Nelson Mandela e os seus compatriotas estavam na Prisão da Ilha Robben (10 km da Cidade de Cabo), quase durante três décadas, em condições desumanas.
Assim, a Ilha de Robben se tornou o «símbolo único» do «triunfo do espírito humano sobre a adversidade, o sofrimento e a injustiça». Tornando-se num «marco histórico sagrado» que atrai milhares de visitantes e turistas vindos de todos os cantos do mundo para constatar o local onde padeceram e sucumbiram centenas de milhares de sul- africanos, em etapas diferentes e em circunstâncias distintas.
Daí, da Ilha Robben, onde emergiu o Nelson Mandela para libertar a África do Sul do sistema cruel de Apartheid, reconciliar o povo sul-africano e erguer uma sociedade livre, igual, justa, multirracial, multiétnica, multilinguística, multicultural, multirreligiosa, democrática e plural. Nelson Mandela deu uma grande lição ao mundo de que todas as raças podem viver juntos em paz, na concórdia, na convivência e na coexistência pacífica. O povo sul-africano quebrou o mito e os tabus da inferioridade da raça negra, segundo os quais, o povo negro é incapaz de liderar uma sociedade multirracial, como a África do Sul, na qual se encontram todas as raças do mundo: africanos, europeus, asiáticos, árabes e americanos.
A “Grande Visão” do Nelson Mandela, assente na Paz e na Reconciliação Nacional entre os diversos povos da África do Sul, na igualdade e na dignidade humana, fizeram com que a Comunidade Internacional lhe atribuísse o Prémio Nobel da Paz, em 1993, partilhado com o seu concidadão, antigo Presidente da África do Sul, Frederick Willem de Klerk, da minoria branca.
Este contexto histórico revela a grandeza do povo sul-africano, que se coloca numa posição vantajosa do que os EUA, que não superou o fenómeno da suposta «superioridade branca», que assenta no racismo, na segregação e na violência contra as minorias afro-americana, hispânicos e asiáticos. O EUA tornou-se o símbolo de violência em que cada pessoa, cada família e cada comunidade vive com a arma de fogo para se defender ou para atirar-se contra os outros quando lhe apetecer.
A cultura de violência está no sangue do povo americano, herdada dos primeiros colonos espanhóis e portugueses que se embarcaram na costa americana, já em pleno século XV. Seguidos, mais tarde, pelos colonos franceses, britânicos e holandeses que se embarcaram nas costas da América do Sul e do Norte. Houve uma disputa renhida e violenta no processo da ocupação dos territórios, que se resultou na exterminação dos povos indígenas americanos. Seguido pelo tráfico negreiro e pela escravatura dos negros, em todas as colonias americanas –do Norte ao Sul – trabalhando duramente nas fazendas e nas plantações diversas.
Por tanto, a acusação de genocídio branco contra a África do Sul é uma arteirice que se enquadra numa Grande Estratégia do Donald Trump, bem simulada, que visa apenas distrair a opinião pública. Basta olhar para os seguintes aspetos para melhor entender este fenómeno, de cariz geopolítico:
(a) África do Sul é membro fundador das economias emergentes (BRICS), liderado pela China; (b) África do Sul é a maior economia da África; (c) África do Sul situa-se entre os Oceanos Atlântico e Índico – as principais vias marítimas do mundo; (d) África do Sul liderou a delegação dos lideres africanos ao Moscovo e ao Kiev sobre a Guerra da Ucrânia, cuja posição contraria a estratégia do Donald Trump que consiste em enfraquecer e obrigar a Ucrânia para capitular-se e render-se à Rússia, como forma de reforçar a posição estratégica da Rússia na Europa; (e) África do Sul moveu o processo de genocídio palestino (em Gaza) contra Israel junto da Corte Internacional de Justiça; (f) África do Sul reagiu com firmeza em deportar os imigrantes ilegais americanos; (g) África do Sul é único país africano do Sul de Sahara, com instituições fortes e com uma Justiça forte e independente, dominada por brancos e negros. Este quadro, exposto acima, nos revela nitidamente o «potencial geopolítico» da África do Sul no contexto global da estratégia das potências mundiais.
Caso contrário, suponhamos que, a acusação do Donald Trump tivesse sido feita na base dos valores democráticos e dos direitos humanos, ele teria tido uma atitude muito diferente em relação ao genocídio do Gaza e da invasão da Ucrânia pela Rússia. Em relação à faixa de Gaza Presidente Donald Trump está totalmente frio, insensível e indiferente. Tudo o que passa no Gaza, que choca e revolta a consciência humana, Donald Trump não quer saber de nada – ignora tudo absolutamente. Os seus Navios de Guerra estão no Mediterrâneo, bem posicionados, como Escudos e como Centros Logísticos para apoiar as Operações Militares do Israel na Faixa do Gaza, no Líbano, na Síria, no Iémen e no Irã.
Em relação à Ucrânia, Donald Trump aplica a política de inverter os termos, isto é, a vítima passa a ser o agressor, e o agressor torna-se a vítima. Como parte da sua estratégia, o Presidente Donald Trump suspendeu todo o apoio à Ucrânia e está a obrigar a Ucrânia para capitular-se e render-se ao Moscovo. Essa Estratégia visa reforçar a posição da Rússia na Europa, com consequências dramáticas sobre a NATO e a Uniao Europeia.
Neste âmbito, a Ucrânia deixará de existir como Povo, como Nação e como Estado. A situação será dramática e insustentável. A União Europeia e a NATO não terão capacidades nenhumas para reagir ao genocídio de grandes proporções. O Presidente Donald Trump está ciente deste cenário muito provável e ele sabe o que vai acontecer na Ucrânia.
Por tanto, a acusação de genocídio branco na África do Sul é uma cortina de fumo para distrair a opinião pública e forçar a África do Sul render-se à Grande Estratégia do Donald Trump, que visa a expansão, o domínio, a supremacia, os recursos minerais, as vias marítimas e a dominação global. Nas circunstâncias atuais, do mundo multipolar, sobretudo do potencial económico, tecnológico e militar da China, que cresce verticalmente, não vejo como isso vai acontecer.
Em síntese, a África do Sul é uma Nação arco-íris, livre, justa, igual, digna, respeitável, robusta e democrática, que não se deixa de vender-se aos interesses alheios, como acontece com muitos países africanos, que estão totalmente recolonizados, como o caso de Angola. Logo, o Presidente Donald Trump bateu a porta errada, o povo sul-africano jamais vai vergar-se perante o Bullying Yankee.
No dia 21 de Maio de 2025, o Presidente Cyril Ramaphosa procedeu-se bem, defendeu- se bem, e fê-lo com dignidade na Sala Oval, na Casa Branca, diante a emboscada do Donald Trump, montada pelo Elon Musk, um magnata da origem sul-africana. São poucos líderes africanos que são capazes de confrontar uma superpotência, em sua casa, diante as camarás. Viva África. Viva o Pan-Africanismo.
Luanda, 23 de Maio de 2025.