DISCURSO PROFERIDO PELO PRESIDENTE DA UNITA, ISAIAS SAMAKUVA  POR OCASIÃO DA CERIMÕNIA DE CUMPRIMENTOS DE FIM D'ANO

Prezados compatriotas:

 

Estamos mais uma vez a chegar ao fim de um ano, desta vez, o ano de 2010. Como o tempo passa depressa! Parece ter sido ontem que iniciamos o 3º milénio e o século XXI e já eliminamos a sua primeira década!  É verdade, foi mais um ano e foi mais uma década!


O fim de certos períodos referenciais e desta feita o fim de mais um ano e de mais uma década,  são sempre oportunidades para fazer balanços. As empresas, colectivas ou individuais, as organizações, as pessoas, etc., fazem balanços periodicamente e uma das épocas em que praticamente todos gostam de fazer balanços, é o fim do ano, sobretudo para avaliar o seu desempenho ao longo do ano que termina. Ora, fazer balanço implica, reunir dados, analisá-los e tirar conclusões. Assim sendo, o fim do ano é também momento para análise e reflexão. Neste fim d’ano e de década, gostaria apenas de analisar convosco algumas situações internacionais e nacionais que acho pertinentes para este evento e deixar para próximas ocasiões a análise de outras situações.

 

Dos acontecimentos que marcaram a primeira década do século XXI, importa destacar, a nível internacional, o surgimento da União Africana, a transformação da Europa em União monetária, a ascensão da China como potência mundial e a afirmação do terrorismo e dos crimes financeiros como nova ameaça à paz mundial.


No campo da ciência, a humanidade ganhou uma nova descoberta: a capacidade de decifrar o ADN humano, é um valioso contributo para determinar a propensão das pessoas a certas doenças, prevenir endemias e melhorar a saúde pública.

 

No final da década, surgiram as crises financeira e económica mundiais que revelaram, entre outros aspectos, a necessidade de diversificação das economias africanas em relação à exportação de um pequeno número de produtos de base.

 

No início da década, os Chefes de Estado e de Governo dos Estados Membros da União Africana (UA), reunidos em Durban, África do Sul, na Conferência inaugural da Assembleia da União Africana, reafirmaram os compromissos comuns que sustentaram a criação da Nova Parceria Para o Desenvolvimento da África (NEPAD) e aprovaram uma Declaração Sobre Democracia e Governação Política, Económica e Social.


Na Declaração Sobre Democracia e Governação Política, Económica e Social, os Chefes de Estado e de Governo realçaram que a pobreza só pode ser oficialmente debatida pela via da democracia, boa governação, paz e segurança; pela via do desenvolvimento de recursos humanos e físicos; pela via da igualdade entre o homem e a mulher; pela abertura ao comércio internacional e ao investimento; pela disponibilidade orçamental de fundos adequados para o sector social; e através de novas parcerias entre os governos, o sector privado, e a sociedade civil. Concluíram que o ponto de partida para se acabar com a pobreza em África é pôr termo às mudanças anticonstitucionais do Governo, garantir o respeito pelos direitos do homem, pelo Estado de direito e pelos princípios que caracterizam a boa governação. Por isso, a trabalhar com determinação renovada na aplicação da igualdade de oportunidades para todos; no direito inalienável do indivíduo de participar nos processos políticos e democráticos livres e credíveis, na eleição periódica dos dirigentes para um determinado mandato; e na adesão à separação de poderes, incluindo a protecção da independência dos tribunais e dos parlamentos efectivos.


Além dessas medidas políticas, os Chefes de Estado e de Governo da União Africana, aprovaram outras medidas e normas fundamentais de transparência e de gestão financeiras para promover a eficácia do mercado, regulamentar os títulos e os seguros; controlar as despesas fúteis, aperfeiçoar os sistemas de pagamento; combater o branqueamento de capital; controlar os Bancos; promover a transparência na gestão dos orçamentos e da dívida pública.
Achamos, pois, que qualquer balanço sobre  o desempenho de qualquer país membro da União Africana, na década que agora termina, deve ser avaliado com base nesses compromissos assumidos enquanto membro desta comunidade.  Assim sendo, a nossa pergunta que é também a nossa reflexão,  é a seguinte:


Onde estamos nós, os angolanos, no que diz respeito a esses compromissos, nomeadamente para com a democracia e a boa governação política?

 

Deixarei esta pergunta no ar para que cada um possa fazer a sua reflexão e avaliação, embora aproveite a oportunidade para recordar que, na realidade, não nos cansamos de dizer, na década que agora termina, que a este respeito, Angola operou um golpe de Estado em três fases: primeiro, em 2005, depois em 2008 e finalmente em 2010. De facto, em 2005 o poder judicial declarou nulo o princípio republicano no respeitante ao longo mandato do Presidente da República; em 2008, uma eleição deliberadamente mal organizada, consagrou uma Constituição autoritária que em 2010 permitiu que a Assembleia Nacional desse  mais um mandato ao Presidente da República sem eleição e sem prazo. A Assembleia Nacional, usurpou assim o poder do povo e determinou por acto legislativo que o Presidente da República exercesse o poder do povo sem ser eleito pelo povo, ao arrepio da democracia e à margem da lei. Quer dizer, não tendo havido a eleição presidencial em 2009, e ainda assim, aprovando-se, em 2010, uma Constituição que consagra um novo sistema de governo que elimina a eleição presidencial e autoriza no seu artigo 241˚ o Presidente em funções a permanecer no cargo até o novo presidente eleito tomar posse sem estabelecer uma data fixa para o efeito, mas deixar a marcação desta data ao critério do mesmo Presidente que em 2009 não cumpriu o compromisso de realizar as eleições, Angola operou o tipo de golpe que a União Africana condena.

 

A esse respeito, olhando para o que se passa na Costa do Marfim, importa realçar aqui algumas similaridades entre Angola e aquele país: o adiamento sucessivo das eleições; a insistência em não publicar os cadernos eleitorais; a manipulação da comunicação social; as campanhas de intimidação e de intolerância para com os adversários políticos; e a interferência do Chefe de Estado nas competências da Comissão Nacional Eleitoral. A única diferença é que Angola manipulou o processo pré-eleitoral para vencer por antecipação e preparou a comunidade internacional para a sua manipulação. A Costa do Marfim manipulou os resultados pós eleitorais e não foi capaz de incluir a comunidade internacional na sua manipulação.

 

Aproveito mesmo abrir aqui um parêntesis para deixar a nossa opinião sobre o que deveria ser a melhor forma de Angola ajudar os nossos irmãos da Costa do Marfim. De facto, considerando as boas relações que o Governo de Angola mantém com o Presidente cessante desse país irmão, o melhor contributo que Angola deveria dar, é convidar Laurent Gbabo para vir a Angola e dar-lhe garantia da sua hospedagem por tempo necessário á instalação do presidente eleito e à normalização da situação que se vive nesse País.

Quanto ao compromisso de Angola para com a boa governação económica e social, a vida da maioria dos angolanos não melhorou. Angola ocupa o septuagésimo lugar entre 76 países pobres ou em vias de desenvolvimento, segundo uma lista classificada pelo Banco Mundial sobre a boa governação. Nessa lista, países a quem Angola dá dinheiro apresentam melhor governação que o doador: Cabo Verde, está em segundo lugar, Moçambique em 36º, São Tomé e Príncipe em 60º e Guiné-Bissau em 68º lugar.

 

Quanto ao crescimento económico de que tanto se fala,  algo está socialmente errado por detrás dos números que ilustram o crescimento económico de Angola. Durante a década que ora terminamos, apesar da receita fiscal ter subido de nove para mais de 35 bilhões de dólares, a despesa pública com a educação não passou dos 4,4%. Apesar de as trocas comerciais terem crescido 14 vezes de 2000 a 2008, alcançando a cifra de US$25,3 bilhões em 2008, os angolanos terminam a década mais pobres do que estavam no ano 2000! Algo está errado quando há crescimento do Produto Interno Bruto e ao mesmo tempo há crescimento do nível de desemprego dos nacionais e dos níveis de pobreza das famílias.

 

Quanto à corrupção, todos sabemos que uma das maiores ameaças ao desenvolvimento de Angola, é sem dúvida a corrupção, porque enfraquece sistemas fundamentais, distorce mercados, coíbe o crescimento do sector privado e convida as pessoas a aplicarem as suas qualificações e energias em actividades não produtivas. No fim, o país acaba por pagar o preço, que se traduz em rendimentos mais baixos, preços mais altos, menor investimento e oscilações económicas mais voláteis.


Estima-se que cerca de 30% da despesa pública global são os custos associados à corrupção. Isto corresponde a cerca de $10 bilhões de dólares americanos! Este é um fardo enorme para os mais de dez milhões de angolanos que vivem na pobreza extrema.

 

Prezados companheiros:

 

Falando apenas deste ano, a nível nacional,  o acontecimento mais relevante foi, sem sombra de dúvidas, a aprovação, sem o nosso voto, da nova Constituição. Já o dissemos repetidas vezes: para nós, esta constituição, foi um retrocesso para o processo democrático angolano. A implantação da política do medo, as perseguições aos jornalistas, a censura à imprensa, o esbulho das terras dos cidadãos e as demolições das suas casas, os assassinatos políticos, a intolerância política, a falta de transparência, a corrupção, o regresso aos métodos do partido único, enfim, tudo isso é apenas manifestações do espírito que orientou o processo que levou a adopção duma Constituição como a que agora temos.

 

Quanto à situação económica, o quadro que traçamos acima, demonstra que apesar do discurso oficial fazer a apologia da recuperação económica, a verdade é que a situação se agravou. Do ponto de vista social, é cada vez maior o número dos que não têm sequer água potável. A energia eléctrica continua a ser o privilégio só de alguns que também a têm em soluços! A saúde continua a ser um luxo só para os que podem comprá-la a preços cada vez mais altos. O número dos jovens e das crianças que não conseguem acesso ao ensino continua imutável! O desemprego aumentou entre os nacionais enquanto aumentou o número de trabalhadores estrangeiros, até mesmo os que vêm para cavar as estradas  de enxada, pá e picareta. De resto,  ou se é do partido que governa e se consegue emprego, ou então não se é, e não se consegue o emprego.

 

A atitude e a mentalidade dos angolanos, parece evoluir para a formação de uma sociedade  onde os valores e os princípios que dignificam a pessoa humana já não contam. A ganância, o enriquecimento fácil, a perversão, o desprezo pela vida humana, a falta de solidariedade, consolidam-se e  o amor ao próximo, a dignidade, a honestidade e a auto-estima  parecem ser palavras vãs. Fala-se muito da necessidade do resgate de valores, mas o que se apresenta e vê na Televisão, todos os dias, é  a promoção da degradação destes mesmos valores morais, éticos e culturais.

 

O sentimento hegemónico, o desprezo pelos angolanos e a política de exclusão que levou o País à uma guerra sangrenta de décadas, parece estar em pleno renascimento entre aqueles que se julgam, mais uma vez,  os únicos representantes do Povo Angolano. Enfim, a caminho to terceiro ano do mandato do partido que prometeu mudar Angola para melhor, Angola continua parada nos níveis anteriores.


Olhando para dentro do nosso  partido e apesar do discurso contrário que busca minimizar a UNITA, podemos dizer sem receio de errar que restauramos a confiança e a esperança do Povo sobre o futuro da UNITA; evoluímos na mobilização e dinamização das massas, conquistamos novos quadros e novos membros. No decorrer deste ano, porém,  foi notória a existência de certos sectores, no Partido, que pregam em surdina, no anonimato ou por detrás de círculos externos ao partido, teses sobre a necessidade da refundação da UNITA.  Os partidos políticos são organizações onde o debate de ideias deve ser permanente e dinâmico. Se a intenção é melhorar a imagem do partido por via de novas ideias e novas formas de actuação, não devia haver receio de seus autores se identificarem com as teses que defendem, pelo que esperamos que no Ano Novo haja a coragem necessária para trazer  ao debate, em órgãos do partido, as referidas teses.

 

A UNITA tem a missão histórica de conduzir o processo democrático no nosso País para que ele e os angolanos se libertem definitivamente do medo, da violência, da corrupção, da exclusão e da pobreza. Os angolanos devem e têm de ser o nosso ponto de partida e de chegada em tudo que projectamos e realizamos.


O quadro que descrevemos constitui um desafio ao patriotismo e à cidadania dos angolanos de todos os partidos e uma ameaça séria ao futuro de Angola. Neste sentido, apelo a todos os patriotas angolanos, a todas as forças vivas da nação para reflectirem sobre os perigos que o autoritarismo político, a segregação económica e a exclusão social representam para a unidade e a prosperidade da nação angolana.


Apelo à sociedade política e civil a ponderar sobre a gravidade da situação e aprofundar o diálogo e a concertação nacional visando a defesa da democracia e dos direitos fundamentais dos angolanos.


Democracia, desenvolvimento e boa governação, foram as credenciais para a década que ora terminamos. Coragem, unidade e espírito de missão são as credenciais para os patriotas angolanos, novos e idosos, de todos os partidos, congregarem esforços para libertar a Nação do medo em 2011 e exigir a criação do ambiente democrático necessário para a realização de eleições democráticas em 2012.


Seja qual for a situação, todos tenhamos sempre em conta que a solução para muitos dos problemas que o nosso País vive, é a Democracia. Temos, pois, a histórica missão de difundí-la, consolidá-la e protegê-la.


Desejo a todos um feliz Ano Novo!


Luanda, 27/12/2010