Luanda - Na terça-feira 28, o ministro das Relações Exteriores, George Rebelo Chikoty no cargo faz pouco mais de três semanas – teve à sua volta grande parte dos funcionários do seu sector, para os cumprimentos de fim-de-ano, uma rotina por esta altura do calendário. Como era também esperado, disse palavras durante o acto.


* Luis Fernando
Fonte: O Pais



images/stories/Diaspora/diplomatas%20novo2.jpgPoderiam tais palavras perder-se no emaranhado difícil de escrutinar em que se transformam as declarações que os responsáveis pelos diferentes departamentos ministeriais produzem neste tempo de balanços, por serem muitas e não pelo seu conteúdo ou peso específico, mas quem faz leituras políticas percebeu logo que George Chicoty esteve muito longe de cingir-se a um circunstancial momento de abraços e sorrisos de final de ano. O novo timoneiro do MIREX tratou de anunciar um novo tempo naquele sensível pelouro e fê-lo com a autoridade de quem o conhece, a fundo.



Vão soprar, na verdade, ares renovados por aqueles recantos da alta política, de tal modo que 2011 pode mesmo vir a ficar marcado como o grande marco da viragem desde que o Ministério das Relações Exteriores existe formalmente, há trinta e cinco anos.



Quem ouviu George Chicoty e lhe percebeu a contundência dos termos, mas acima de tudo a simplicidade dos exemplos de mau trabalho trazidos ao conhecimento e à reflexão de todos, deixou de ter dúvidas: há muita incompetência a rondar, qual fantasma teimoso, os gabinetes da casa, seus corredores e, pior que isso, os aerópagos internacionais onde Angola deveria projectar de si mesma uma melhor imagem de capacidade e profissionalismo.


Contas encerradas...




Um dos exemplos trazidos à liça pelo ministro é este: as contas bancárias encerradas da missão diplomática em Washington porque não se teve competência para compreender a tempo o que realmente se estava a passar, um embaraço que, segundo disse, tinha muitas opções de solução antes de ter chegado à situação a que se chegou. “A situação transmitiu a impressão de que Angola era o único país visado, quando de facto a realidade era outra”, observou.



...e descompassos repetidos




Outro exemplo de mau desempenho: o facto de até agora não se ter devidamente formulado as posições do país sobre o Relatório das Nações Unidas no qual se abordam alegadas violações dos direitos humanos e



do direito humanitário por parte de tropas angolanas contra cidadãos da RD Congo, publicadas este ano pela Comissão dos Direitos Humanos desta organização.



Um terceiro tropeço da diplomacia angolana: o país assumiu a realização de uma conferência sobre Direitos Humanos e dos Povos junto da Comissão sedeada em Banjul (Gambia) mas o facto é que Angola nem sequer se preparou para tal compromisso.


Arrumar para ser eficaz




George Rebelo Chicoti, o titular das Relações Exteriores, disse muito no acto de terça-feira mas não disse tudo. De resto, não era para dizer. Tratou apenas de destapar o véu de modo parcial, porque a verdadeira revolução parece estar anunciada para Janeiro de 2011 e boa parte do resto do ano.




Fontes de O PAÍS merecedoras de todo o crédito fizeram saber que estão previstos pelo menos três grandes factos: um Conselho Consultivo Alargado na segunda quinzena de Janeiro, a nomeação de embaixadores de carreira que vão chefiar missões no estrangeiro pela primeira vez e a rotação da grande maioria dos actuais embaixadores, que vão trocar os seus postos por outros.




As alterações de ordem filosófica no Ministério das Relações Exteriores, de acordo com explicações detalhadas por nós obtidas, serão muitas e abrangentes, devendo praticamente definir um novo desenho da entidade. Fundir-se-ão direcções, outras perderão autonomia e outras ainda ficarão como que desactivadas, reconhecida que está a sua não essencialidade. O resultado vai ser um número menor de direcções.




Designadamente, a Direcção de Cooperação Bilateral será extinta devendo os seus “fragmentos” ser disseminados pelas direcções geopolíticas, que respondem por distribuição continental, para permitir uma maior coesão e acompanhamento; sairá do organigrama também a Direcção de Cooperação Multilateral, que se fundirá com a Direcção de Organizações Internacionais (DORINT); por último, o Gabinete de Apoio à CPLP deixará de existir como direcção autónoma para ser integrado, como departamento, na Direcção Europa.




“Fica na Europa tendo em atenção o critério sede. A CPLP tem a sede em Portugal”, pormenorizou a fonte de O PAÍS.


Quadros na ordem do dia




http://www.opais.net/resources/images/2009pais/edicao_112/embaixadoresmirex.pngO Conselho Consultivo Alargado onde todas aquelas mudanças deverão ser formalizadas vai ficar marcado, também, pelo peso que recairá sobre a eterna e polémica questão dos quadros, num ministério onde a apetência pela vida distinta no conforto dos gabinetes lá fora chega, por vezes, a fazer “esquecer” o dever primeiro da própria missão: servir.




O PAÍS soube da sua fonte que a promoção na carreira vai estar na primeira linha do debate e que, nesse particular, não é pouco o que há para corrigir.



As Relações Exteriores debatemse hoje com o problemático afunilamento da ascensão dos quadros que, quando chegam ao patamar em que devem ser nomeados chefes de missões no estrangeiro porque atingiram por tempo de trabalho e competência o estatuto de embaixadores, estagnam porque acabam ultrapassados por nomeações de figuras não ligadas à carreira diplomática, quase sempre ex-ministros ou generais. O sinal de que tal tendência começa, finalmente, a ser travada, é a nomeação iminente de nove (9) quadros de carreira, na gigantesca movimentação diplomática que está na calha do Presidente da República (ver quadro).



A verdade crítica deste travar do processo de progressão dos funcionários do Ministério das Relações Exteriores está reflectida no facto de existirem mais de setenta (70) elementos com a categoria de “ministro-conselheiro”, o que, em tese, os habilita a serem nomeados embaixadores. Mas o que existe é, tão só, uma enorme lista de espera, porque não há tantas embaixadas assim a precisarem de novos chefes de missão. “Hoje temos mais ministros conselheiros do que segundos e terceiros secretários no nosso quadro de pessoal. Temos mesmo de reorganizar a pirâmide da promoção”, fez notar a fonte.
Vida nas embaixadas.



Em Janeiro, quando se reunirem os directores do ministério, os embaixadores no exterior, os ministros conselheiros e conselheiros (os quadros que têm assento no Conselho Consultivo



Alargado), outro tema que constará da vasta agenda é a integração dos chamados “adidos especiais” na vida das embaixadas, a saber: adido cultural, adido de imprensa e representante comercial.




De acordo com a fonte que falou com O PAÍS, o que se verifica hoje é que, regra geral, a ligação institucional que aqueles mantêm com os seus ministérios de tutela – que, de resto, os enviam ao cumprimento da missão no estrangeiro – acaba, muitas vezes, por conduzir a posturas inapropriadas, pois os “adidos em causa acham que não devem qualquer subordinação ao chefe da missão, o embaixador”.




“Tem de haver um comando único”, disse, com vigor, a fonte. Sabe-se que as ideias que as Relações Exteriores defendem são a favor da existência de um orçamento único nas embaixadas, contra a actual dispersão que acaba por dar força a uma “tendência de isolamento” dos chamados adidos especiais. “Tenho dinheiro, recebo ordens do meu ministro em Luanda, não me subordino ao embaixador. Tem sido esta a maneira de lidar com a situação”, explicou o funcionário sénior do MIREX.




Outro tema que estará sobre a mesa relaciona-se com a idade de reforma dos diplomatas. Se não surgirem correntes divergentes vencedoras, o que se quer é que os diplomatas angolanos se jubilem cinco anos mais tarde do resto do funcionalismo público. “É assim que acontece quase sempre nos outros países”, fez saber a fonte que o jornal abordou.
Tempo de missão'



A partir da reunião de Janeiro, o Ministério das Relações Exteriores vai consagrar o princípio da definição de um tempo para as missões fora do país. Quatro (4) anos é o que se quer, para todos os funcionários sem excepção. “Este tem sido um problema sério. Há gente exonerada no estrangeiro mas que não aceita regressar, o que emperra todo o processo de rotação anual”, lamentou a fonte.




Deste lado, sabe-se que, no futuro, só serão admitidos para a carreira diplomática quadros no mínimo licenciados (áreas de relações internacionais e afins, como direito e economia, entre outras), cidadãos angolanos com idades entre os 25 e os 35 anos, mediante concurso público e em função do número de vagas que o Ministério da Administração Pública e Segurança Social (MAPESS) vier a determinar.



Dia do diplomata




No quadro das reformas que se projectam para o Ministério das Relações Exteriores, está na forja a ideia de se instituir um dia consagrado ao trabalhador diplomático.



O debate acontecerá já durante o anunciado Conselho Consultivo Alargado (segunda quinzena do mês que amanhã tem início, Janeiro) e, ao que se sabe, não parece existir grandes obstáculos a que se venha a adoptar o 12 de Novembro como o Dia do Diplomata em Angola.



A data corresponde à criação, em 1975, do ministério, que teve como seu primeiro titular o actual Chefe de Estado, José Eduardo dos Santos.