África continente cheio de tribalismo

Gosto começar muitos dos meus artigos deixando claro o seguinte : eu não sou membro do MPLA nem da UNITA e nunca o serei. Isto posso afirmar. Digo isso porque no nosso país a tendência é de considerar todo cidadão que critica as posições do MPLA, de ser da oposição ou frequemente da UNITA. E quem critica a UNITA ou demais partidos, dizem logo que é do MPLA. Isto está errado, erradíssimo mesmo! Embora cada pessoa tenha o direito de pertencer ao partido de sua escolha.

Em toda esta confusão, neste marasmo as minhas perguntas são as seguintes : será que em Angola não há, ou melhor, não deve haver cidadãos neutros? E o simples facto de serem neutros quer dizer que não podem criticar o que está errado? Ou o simples facto de criticarem o que é errado significa que não são neutros?

Existem sim e devem continuar a existir cidadãos neutros ou apartidários que se interessam apenas no bem-estar do nosso país e do dos seus habitantes. Por isso aplaudem o que é bom e desaprovam o que não o é. Para termos uma democracia saudável é aconselhável que os adeptos de cada partido político critiquem o que há de errado nos seus partidos e abandonem o fanatismo cego!

Como prometi, nesta segunda parte irei evocar os aspectos políticos da divisão latente no nosso país. O leitor que não leu a primeira parte deste artigo poderá não entender bem o conteúdo do meu discurso. O novo site do Club-k não contém os arquivos do antigo, por isso não vai ser possível poder lê-lo. Pelo que peço as minhas desculpas.

Há alguns meses tivemos a prova do que relatei na primeira parte deste artigo. O compatriota Bernardo Santos publicou uma matéria sobre a etnia angolana "Bakongo" ou "Kikongo" (segundo se escreve na língua Kikongo ou Português) com o título "Bakongo : uma integridade exemplar".

Embora que faltou-lhe um pouco de tacto (jeito) na maneira de relatar alguns factos , em geral, o compatriota, enalteceu as qualidades duma parte da população angolana, o que deveria ser um motivo de orgulho para todos nós angolanos. Mas não foi exactamente o caso. Os comentários não se fizeram esperar e foram numerosos. Até acho que foi a matéria mais comentada neste espaço naquele dia! O que entristeceu-me bastante foi o conteúdo de alguns comentários que deixavam muito a desejar. Mais uma vez os compatriotas de diferentes tribos revelaram o nível de ódio, de preconceitos que têm nutrido uns dos outros (pelo simples facto de não pertencerem a mesma etnia). O que é completamente absurdo.

Como sempre, o senhor Nelo de Carvalho distinguiu-se ao perder o seu tempo escrevendo, em resposta ao artigo do amigo Bernardo Santos, um artigo que em nada contribui para a reconciliação dos angolanos.

Os Bakongos ou Kikongos são Angolanos, e quando se fala o bem deles ao mesmo tempo se fala o bem de Angola, porque fazem parte da população angolana. Todas etnias têm qualidades e defeitos. Desta vez o amigo meteu em relevo as qualidades dos Kikongos. Talvez pela próxima vez irá fazê-lo para os Kimbundos, os Ovimbundos e tantas outras etnias que contém o país. O compatriota não disse que os Kikongos são perfeitos. Apenas sublinhou alguns aspectos positivos desta etnia.

Devemos sempre imitar o que há de positivo e bom e abandonar o que não o é, quer na nossa própria cultura quer na dos outros. Se o Nelo e outros comentaristas não gostaram o que o compatriota escreveu é certamente porque têm algo contra esta etnia. Porque uma pessoa que ama o seu irmão nunca fica contrariada quando alguém lhe dá os parabéns.

Como prova do que estou dizendo, transcrevo aqui um dos comentários ao artigo em questão, exactamente como o comentarista o escreveu:

"...Como querias que os tugas dormissem com as bakongo, se elas sao todas sujas e feias? As mulheres kimbundu sao das mais bonitas que este país possui.

Ainda digo que se este país hoje assim está é devido a malandrice e má fé dos bakongos e sulanos.

Os primeiros porque nos venderam aos colonos. Os segundos porque andaram a fazer guerra contra o povo angolano desde 1975."

E o comentarista assinou "Estudante universitário".

A baixeza do comentário nem dá a coragem de responder ao seu autor. Por isso não o farei. Digo-lhe apenas de rever o seu curso de história, já que pretende ser estudante universitário! Esta é apenas um dos numerosos comentários tribalistas que se pode ler em diferentes sites angolanos.

Portanto, gostaria alertar a todos Angolanos, gente boa, patriota, pacifista, gente apegada aos valores morais e de irmandade de não se deixarem apanhar na armadilha de alguns politiqueiros que temos na nossa praça! Porque na origem da divisão do povo angolano está a política. Que se diga a verdade, são os políticos da antiga geração que dividiram os angolanos e que continuam a fazê-lo! São razões políticas que fizeram que as etnias angolanas se detestem umas contra as outras.

Mesmo se algumas pessoas afirmam que os Angolanos não andam divididos, que está tudo bem; isto é pura mentira! A divisão em Angola é silenciosa e se traduz nos factos, gestos, atitudes, nas políticas levadas pelo governo, nas assimetrias entre as regiões de Angola etc. Ela não está escrita e nem se grita nos tectos, mas existe sim e aplica-se!

Devemos ter muita cautela. Porque esta divisão é uma bomba que poderá explodir em qualquer momento. Até porque já conhecemos em Angola o que se passou há meses no Quénia. Continuando com tais atitudes e discursos tribalistas e divisionistas, nada nos indica que o sucedido em 1993 não venha a acontecer uma vez mais neste periodo de eleições. O que não queremos mais para o nosso país. Uma pessoa inteligente aprende com os erros dos outros. Não espera cometer os mesmos erros para aprender a lição. Aprendamos com o que se passou no Ruanda em 1994 e no Quénia no ano em curso!

Atenção irmãos angolanos! Todas estas divisões só beneficiam os políticos desonestos que se enriquecem enquanto nós pacatos cidadãos morremos por eles. Durante a "sexta-feira sangrenta" armas foram dadas ao povo para atacar a UNITA e com ela uma parte de angolanos do norte e do sul do país. Quantos governantes morreram naquele dia? Na minha memória não me lembro de nenhum governante morto durante este fatídico dia! Estou a falar de governantes e não de políticos. Porque políticos, sim, alguns morreram neste dia por pertencerem ao mau Partido! Distribuiram armas para o povo morrer e eles mesmos ficaram vivos. Até quando vamos continuar a morrer para os interesses deles? Despertémo-nos!

Muitos dos filhos e familiares dos políticos ricos do nosso país vivem e estudam no estrangeiro, nas prestigiadas escolas e universidades enquanto que coitadinhos de inocentes do povo angolano estão a pagar caríssimo para que estes senhores permaneçam no poder.

Os discursos odientos proferidos, nestes últimos tempos, pelos ministros da defesa e da educação, pelo Secretário geral do MPLA e por tantos outros dirigentes deste mesmo partido são provas de que algumas pessoas não querem a reconciliação de Angola. Com pronunciamentos cheios de ódio que estes senhores fizeram, os processos de paz e da reconciliação nacional estão em perigo.

Os interesses de Angola e dos angolanos devem sempre estar acima de todos outros interesses. Sejam eles partidários ou individuais.

Todos sabem que uma das armas utilizadas durante a guerra (e não só) pelas partes beligerantes é a propaganda. Isto a fim de obter a simpatia da opinião nacional e internacional.

A propaganda é uma acção sistemática exercida sobre a opinião para fazer aceitar certas ideias ou doutrinas, nomeadamente no domínio político e/ou social.

A maior parte de tempo a propaganda é uma invenção, uma mentira, uma calúnia duma das partes em conflito, destinada a desacreditar o adversário ou o inimigo!

Em Angola temos um Partido político, um dos dois maiores, que é muito excelente em matérias de propaganda política. Nestes tempos de eleições está sempre a inventar coisas que até, se continuar assim, poderão contribuir a sua derrota nas eleições de setembro próximo. Os mais avisados já descobriram de quem se trata.

Foi (e ainda é) exactamente o caso em Angola durante a guerra civil que assolou o país. A propaganda foi (e ainda é) muito forte!

Cada parte em conflito cometia atrocidades, horrores que em seguida imputava a outra parte. Matava e destruia casas e pontes e em seguida acusava a outra de estar na origem do sucedido. Nenhuma das partes envolvidas no conflito armado passado é "santa"! Mesmo se certas pessoas persistem em fazer-nos crer que uma parte só cometeu atrocidades. Isto é mentira e significa que só as balas desta parte beligerante é que matavam! As da outra parte não matavam. Todas elas cometeram erros e exacções!

Assim sendo, duma maneira ou duma outra a propaganda política atingiu e intoxicou todos nós. Propaganda esta que na verdade é apenas um montão de mentiras. Por isso precisamos todos de sermos desintoxicados. É preciso fazer-se um trabalho muito árduo de desintoxicação das mentes no nosso país. E creio que este debate democrático que estamos tendo, sobretudo nos meios de comunicação social privados, vai ajudar bastante no processo de desintoxicação das mentes dos angolanos. Embora que os meios de comunicação públicos continuam a intoxicação!

Gostaria explicar donde vieram os preconceitos e hostilidades contra os nossos irmãos bakongos angolanos (porque além de Angola também há Bakongos no Sul da República do Congo-Brazzaville e no Oeste da República Democrática do Congo "ex Zaire") que são tratados de "zairenses" (nisto também devemos ser desintoxicados) embora sejam angolanos, isto para quem conhece a história da África e a maneira como foram traçadas as actuais fronteiras dos países africanos pelos colonos.

Como todos sabem, os Bakongos ou Kikongos, são originários das províncias mais ao norte de Angola. Nomeadamente as províncias de Cabinda, Zaire e Uíge (o antigo Reino do Kongo). E estas províncias fazem fronteira com a actual República (dita) Democrática do Congo, RDC (ex Zaire). Foi o criador que quis que as coisas fossem assim. Ninguém pediu que elas fossem assim. Quem conhece a história de Angola e sobretudo a da colonização sabe o tratamento desumano que o colonialista português reservou aos nossos antepassados. É assim que muitos Kikongos refugiaram-se na vizinha RDC, já que é o país mais próximo das suas terras. Como também tantos outros angolanos refugiaram-se nas outras Repúblicas mais próximas, como é o caso da Zambia, da Namíbia, do Zimbabwe etc.

 

A guerra civil desencadeada pouco antes e intensificada logo após a independência de Angola também obrigou mais angolanos a emigrarem nos países acima citados mas também no resto do mundo. Todos estes refugiados angolanos ficaram muitos anos nestes países e tiveram filhos e netos.

Mas de todos estes refugiados somente os Kikongos são molestados quando regressam a sua pátria mãe. O facto de alguns compatriotas originários desta parcela do território se exprimirem mal em português também contribui na agravação da exclusão da qual são vítimas. São tratados de diversos nomes, e enfim, diz-se que não são angolanos. Afinal de contas qual é o critério da angolanidade? Será que o angolano é quem fala melhor o português? Se este é o critério então neste caso todos portugueses e estrangeiros que falam bem o português são angolanos!

O antigo Primeiro ministro francês, Dominique de Villepin, e a antiga candidata às eleições presidenciais francesas, Ségolène Royal e tantos outros, nasceram em África. O primeiro no Marrocos e a segunda em Senegal. Mas nunca foram marginalizados por isso na França!

Porque é que de todos angolanos da diáspora somente os Kikongos são molestados? Nunca vi nem ouvi um angolano regressado da Zambia ou da Namibia ou mesmo de países ocidentais a ser tratado de originário do país donde se tinha refugiado. Mas quando se trata dos angolanos regressados da RDC (ex Zaïre) são logo chamados de "Zairense come pessoa" e tantos outros nomes! Mas porquê?

Uma das respostas pode vir da guerra civil que Angola conheceu. Nos anos 70, durante o consulado do Presidente Agostinho Neto, o governo do então que já estava em guerra contra a UNITA ajudada pelo ditador Mobutu Sese Seko, para ter a simpatia do resto da população e desacreditar o regime do Mobutu, meteu a sua máquina de propaganda em marcha. É assim que o governo apresentou na televisão um cadáver humano no congelador dizendo que os Zairenses comem pessoas. Desde então, todos angolanos que falavam lingala eram tratados de "Zairense come pessoa", acho que todos já ouviram este slogan. Ser Zairense ou falar lingala na altura era sinónimo de, para o governo do então e para os seus sucessores, apoiante da UNITA. Já que muitos dos Kikongos falam lingala, a partir deste periodo até hoje os Kikongos são chamados de "Zairenses comem pessoas" pelos angolanos menos avisados ou simplesmente doutrinados pela propaganda do MPLA. Os mais virulentos são os que estudaram nas escolas da "República comunista do MPLA" e que não têm espírito crítico desenvolvido. Digo bem, os que não têm espírito crítico desenvolvido. Em outras palavras podemos dizer os fanáticos cegos. Porque eu também estudei em Angola, mas tenho uma outra maneira de raciocinar que não é retrógada, tribalista e ainda menos divisionista ou racista!

Os do sul também conheceram a mesma sorte. Os Kikongos são conotados com a RDC por falarem lingala e terem, segundo o que se diz, simpatia para com a UNITA. Os do sul por serem da etnia do inimigo : UNITA.

Assim, o governo incutiu o espírito de divisão e tribalismo nas mentes dos angolanos. O mesmo governo que é suposto promover a unidade de toda nação angolana de Cabinda ao Cunene.

Será que um governo semelhante está a governar ou a desgovernar o país? Se o pai da família começar a opôr os filhos uns contra os outros o que será desta família? Ela conhecerá a paz? É claro que não. Foi e ainda é o caso em Angola.

Para quê serve a palavra de ordem : "De Cabinda ao Cunene um só povo, uma só nação"?

A tristemente famosa "Sexta-feira sangrenta" é uma bela ilustração das consequências que uma política de divisão pode ter em qualquer país do mundo. Os acontecimentos do Ruanda é uma outra ilustração das consequências desastrosas que a política de divisão e de tribalismo pode ter. Repito mais uma vez, uma pessoa inteligente aprende com os erros dos outros. Tiremos lições com o que aconteceu no Ruanda em 1994 e em Angola em 1992-93. A política de tribalismo e de divisão só pode agradar aos que não amam Angola e querem vê-la de novo mergulhada num conflito armado.

Sabemos que todos aqueles que faziam fortunas na época da guerra não queriam o retorno da paz. Porque com a guerra eram cada vez mais ricos e imputavam todos males do país ao senhor Savimbi. Nós patriotas angolanos dizemos : basta!

Queremos a união de Angola e dos angolanos. Todo político belicista que quer o retorno da guerra, seja ele do MPLA, da UNITA ou de qualquer outra formação política não queremos e lhe denunciaremos vigorosamente. Angola é o bem mais precioso que temos.

Agora é hora de perdoarmos o passado e avançarmos todos juntos. Do passado só devemos tirar as lições nécessárias para podermos construir um futuro melhor para todos angolanos. A violência atrae a violência, e o ódio também atrae o ódio. A reconciliação nacional deve ser un facto e não simplesmente un slogan. A verdadeira reconciliação vem do coração e não das palavras. O governo actual deve mudar de discurso e deixar de dizer que "a UNITA está a colher o que semeou". E não deve também utilizar este discurso durante a campanha eleitoral e em seguida falar da reconciliação nacional. Pois este discurso não é de unidade e reconciliação nacionais.

Cada vez que acontecem actos de violência política, um governo responsável passaria nos meios de comunicação social e apelaria à calma. Como fez o Presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, recentemente. Mas o nosso Presidente, no meu conhecimento, nunca passou na televisão para pedir a população de abandonar a violência. Isto está muito errado e condenável.

Neste artigo não estou a sair em defesa dos Bakongos mas sim a denunciar o que se fez e se faz de errado na nossa terra Angola. Evoquei o caso bakongo porque é o exemplo típico da divisão fomentada pelos políticos, pelo governo.

Além disso, exorto a todas etnias angolanas a abandonarem todas atitudes tribalistas e o facto de cada uma delas crer que é a etnia mais inteligente que Angola possui. Em todas etnias angolanas tem boas e más coisas. Em todas elas tem gente inteligente e menos inteligentes. O facto de sermos todos angolanos é o que mais importa.

Para concluir direi, amemo-nos uns aos outros. A África é um continente cheio de tribalismo. Mas o tempo chegou de mudarmos de mentalidade. A mudança que estamos cantando actualmente todos em coro deve ser também a das mentalidades. A nova geração de políticos, e não só, deve ter uma mentalidade renovada e evitar os erros cometidos pela antiga geração de políticos corruptos e belicistas (contra o seu próprio povo).

Abandonemos o ódio, o tribalismo, o racismo, a violência, as divisões...porque tudo isso só contribuirá na destruição da nossa Nação e com ela o nosso futuro. Um país unido, justo e onde reina a paz é mais forte do que o dividido.

Não se esqueçam que mais unida e justa Angola for, mais forte ela será!

Mais uma vez amemo-nos uns aos outros porque afinal de contas somos todos seres humanos, irmãos e membros da mesma família : a família humana!

 Arquivo:   I  Parte

Somos todos membros da mesma família: a família umana (I) - Patriota Liberal

 

Londres, 20/12/07 - Caros leitores e compatriotas angolanos. Decidi escrever este artigo, não é que pense ser escritor ou jornalista, mas simplesmente para dar o meu contributo nesta empreitada de mudança de mentalidades que queremos para o nosso país Angola. Logo, peço a indulgência de todos quanto ao estilo e outras regras da escrita que poderei não respeitar.

A ortografia utilizada é de acordo com as novas regras adotadas pelos países da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) e que entrarão em vigor em Janeiro de 2008.

Tenho consciência de que o assunto que vou tratar aqui é sensível, amplo e complexo para poder ser tratado em algumas linhas. Assim, não tenho a pretensão de ser exaustivo. Quero apenas dar alguns elementos de reflexão.

Tenho acompanhado com muito interesse a evolução da situação multisectorial do nosso país Angola através da Internet mas também dos outros meios de comunicação social angolanos. Sou um fiel leitor do Club-k.net. É neste site que tive a confirmação do que venho observando ao longo dos anos em Angola, mas também na diáspora angolana.

Com efeito, os comentários que os compatriotas angolanos têm feito no Club-k.net assim como em diferentes mídias permitem notar quão divididos somos, nós Angolanos. O que observamos é apenas uma exportação, na diáspora, da situação que se vive quotidianamente em Angola. Porque quem vive ou viveu em Angola sabe muitíssimo bem da realidade das coisas.

É triste ver os preconceitos que os Angolanos têm uns dos outros. Os do norte são tratados de "Zairenses comem pessoas, zangobo, langa langa" e tantos outros nomes. Os do sul e outras zonas de Angola são tratados de "Shungura" (o que não quer dizer nada) e tantos outros nomes também. Quanto aos do centro e sul de Angola, são chamados de "Bailundos", no sentido depreciativo do termo. Sem falarmos de "Malanjinho não paga a renda, olha a cara dele parece quimbumbo assado", etc.

Esta mentalidade encontra-se também nos Angolanos da diáspora. Já ouvi uma Angolana dizer "aos Shungura eu já não posso confiar", fazendo alusão aos acontecimentos de 1993.

Todos estes comportamentos, caros compatriotas, em nada dignificam-nos. Nem contribuem na consolidação da reconciliação nacional que muitos Angolanos almejam para Angola! Em vez de reunir, eles acentuam ainda mais a divisão do povo angolano. Lembrem-se dos motivos do genocídio ruandês.

Angola é um país composto por diversas culturas, línguas, e raças também por razões históricas, etc. Somos condenados a viver juntos e em harmonia. Para que tal aconteça é necessário uma política baseada na inclusão e unidade nacional e não na exclusão e discriminações de todo género. Porque uma das principais causas da guerra civil que assolou Angola nos últimos 27 anos foi a "exclusão".

A política de exclusão só gera tensões e conflitos, porque o ser umano é apegado as liberdades. Ninguém neste mundo pode suportar as injustiças e discriminações eternamente.

Certamente que isto não é um fenómeno tipicamente angolano. Em muitas nações do mundo também existem preconceitos entre as diferentes tribos que compõem as populações destas nações. Mas em Angola a "coisa" está a tomar contornos alarmantes.

Esta divisão não se limita somente no domínio dos simples preconceitos, ela se alastra no do racismo. Alguns comentaristas se autoproclamam "bantu melhorado" (um mulato), outros insultam os Pretos dizendo que "os Pretos se sentem importantes quando casados com mulatas...". Um outro comentarista disse, "ser Preto já é difícil..." etc.

Quanto a alguns Pretos, insultam os mulatos de "mulato canga massa", "café com leite" e tantos outros insultos. Para citar somente estes.

Certas pessoas consideram-se Angolanos genuinos e negam esta qualidade aos outros Angolanos.

O que quero deixar claro aqui é que ninguém é superior ou inferior ao outro pelo simples facto de ter nascido Branco, Preto, Mestiço ou com a pele clara. Sou Preto mas não acho que o Branco e o Mestiço ou outros sejam superiores nem inferiores a mim pelo simples facto de terem o epiderme claro.

Não senhor, ser Preto não é nada "difícil" nem uma maldição! Ser Preto é um motivo de orgulho e de alegria, como o é de ser Branco, Mulato ou outro. O sangue que corre nas veias do Branco, do Mestiço, do Preto e outros é da mesma cor. Ele é vermelho! Isto, porque afinal de contas somos todos umanos e iguais. A nossa diferença se limita na cor da pele. O resto é idêntico. Porque só a pele é diferente? Perguntem ao Criador que é o único a deter o segredo.

"Todos os seres umanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade".

Assim estipula o artigo 1° da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948. Deus é o Deus da diversidade e sabe porque razão fez alguns Pretos e outros Brancos e Mestiços. As diferenças ou bem a diversidade é uma riqueza para a umanidade e não um desastre ou uma fatalidade!. Se no guarda-roupa as pessoas tivessem apenas calças, ou apenas camisas, como fariam para vestirem?

A Bíblia declara que tudo que Deus criou é bom, e que nada se deve rejeitar. Estou a falar do ponto de vista bíblico porque, para melhor entendermos a utilidade ou o funcionamento dum aparelho novo que não conhecemos, duas possibilidades nos são ofertas. Ou lemos o manual de utilização ou interrogamos o fabricante. Neste caso, o manual de utilização é a Bíblia e o fabricante é Deus. Porque Ele é quem criou-nos e sabe melhor que quem quer que seja sobre a nossa utilidade, Pretos, Brancos e outros, na terra. Se nos meteu todos na terra é porque quero que vivamos juntos.

Quem quiser saber porque razão alguns são Pretos e outros Brancos e Mulatos, deve, ou ler a Bíblia que contém o pensamento de Deus. Ou interrogar-lhe diretamente. Ficar no seu canto e imaginar coisas não é razoável.

Um racista, seja ele Preto, Branco, Mulato ou outro, é um ignorante! É a falta de informação e de conhecimento que faz com que as pessoas tenham medo dos outros. Para certas pessoas, é a falta da revelação. Assinalo que a "revelação" é a divulgação, a descoberta do que éra desconhecido ou secreto, escondido.

Acolhi e vivi durante quatro anos na mesma casa com alguém que éra racista e sei do que estou falando. Antes detestava os Pretos. Depois de ter a revelação e conhecer de perto que o Preto é um ser umano exactamente como ele, deixou de ser racista. Senão não viria viver na minha casa, eu que sou Preto. Hoje ele só quer casar-se com uma mulher de raça negra!

Um Preto para um Branco ou Mulato é um irmão e não um inimigo. E vice-versa.

Primeiramente por ser um ser umano composto dum corpo, duma alma e dum espírito. Segundamente, por ser um compatriota angolano. E enfim, por sermos todos membros da mesma família : " a família umana".

A cor da pele da pessoa não interessa. O que interessa é que Deus meteu-lhe no mundo porque tem um plano para a sua vida. Ela tem uma contribuição a dar a nossa sociedade. E o meu dever como membro da mesma família é amar-lhe. O ódio atrae o ódio. Não queremos viver numa sociedade baseada no ódio do outrem, pela simples razão de ser diferente, de falar diferentemente, etc.

 

A sociedade angolana é politizada em excesso! A tendência até é de ver todos cidadãos pertencerem a partidos políticos. Mal se concebe que um indivíduo seja neutro ou simplesmente patriota. Os políticos dividiram-nos! São as razões políticas que levaram Angola a este elevado nível de divisão, e que conduziram-nos à tristemente famosa "sexta-feira sangrenta".

Na segunda parte deste artigo, que publicarei proximamente, hei de abordar o aspecto político desta divisão.

A mensagem que quero aqui deixar é que a estabilidade socio-política do nosso querido país Angola é muito frágil, devido as guerras e problemas internos que conheceu. Já não precisamos de outras guerras ou problemas. E nem de pessoas cheias de ódio e de más intenções que passam a vida lembrando o passado doloroso que todos nós queremos esquecer e enterrar. Quer queiramos quer não, o passado nunca vai mudar. Porque já passou. Se continuarmos a olhar no passado nunca conseguiremos construir a sociedade fraterna que desejamos. Devemos perdoar-nos mútuamente. O perdão é um poder que liberta. Sem o verdadeiro perdão que vem do coração, a reconciliação nacional em Angola não será possível. Porque a reconciliação não se força. Ela deve vir das profundezas do nosso ser. O povo angolano já sofreu demais e está cansado da guerra e conflitos. Agora quero sossegar !

Então, em nome da unidade nacional, abandonemos o ódio, o racismo, as divisões, as exclusões...e abracemos o espírito de tolerância e do amor ao próximo.

 

I Parte: (Publicado no Club-k em dezembro 2007).

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Fonte : Club-k