Luanda - A presidente da Comissão Nacional Eleitoral, Susana Inglês, considera que o cerne da controvérsia em torno da independência do órgão administrativo eleitoral, muito questionada pelos partidos na oposição, não está na estrutura em si, nem no substrato pessoal que a suporta, mas na qualidade do trabalho que se efectiva.


Fonte: Opais


A mais alta figura da Comissão Nacional Eleitoral propõe, como solução, o fortalecimento das instituições de administração eleitoral, uma situação que passa, necessariamente, pela sua dignificação nos planos humano, material e financeiro.

 

Susana Inglês falava no encerramento do “workshop sobre o modelo de gestão eleitoral”, organizado por aquele órgão de administração eleitoral, onde foram partilhadas as experiências de países como Moçambique, Zimbabwe, África do Sul, Portugal e Angola.

 

No que se refere aos modelos de organização e gestão eleitorais, defende uma obediência e respeito pelas especificidades culturais de cada povo e país. “O workshop ofereceu a Angola uma sublime oportunidade para avaliar o seu modelo de organização, a sua experiência, os seus pontos fortes e menos fortes, cientes de que é por via da observação que o ser humano corrige os seus erros e aprende a crescer”, considerou.

 

A vinda de especialistas de outros países para abordar o assunto permitiu conhecer e compreender as linhas mestras que presidem os diferentes modelos de organização e gestão eleitoral.

 

Escolha da assembleia de votos requer uma grande planificação

 

Entretanto, na sua dissertação sobre o modelo de gestão eleitoral angolano, o juiz do Tribunal Constitucional, Onofre dos Santos, considera que a escolha da assembleia de voto pelos eleitores é um acto possível que requer uma grande antecedência.


Um quesito tido pelo jurista como fundamental para que essa realidade seja possível, é a existência de um mapa definitivo das assembleias, bem como das mesas, facto que deverá ser acompanhado da criação de guichés que deverão estar disseminados por vários pontos.

 

Concorre ainda para o êxito desta operação, a ser introduzida pela primeira vez em Angola, a promoção de uma ampla campanha de educação cívica, para que as pessoas estejam informadas, porque ainda assim haverá cidadãos que no dia das eleições não saberão a respectiva mesa de voto.

 

Falta confiança política aos órgãos de administração eleitoral

 

A irregular realização do recenseamento da população, bem como da habitação em alguns países dificulta a correcta planificação dos processos eleitorais, facto muito evidente no registo eleitoral, instrumento base para organização da votação, considerou, o moçambicano António Carrasco, quando partilhava a experiencia do seu país.

 

“ Na maioria dos nossos países, não temos ainda a situação demográfica do território devidamente organizada, as populações estão ainda muito dispersas e movimentam-se em função das condições climáticas para a produção agrícola e a pastorícia”,citou António Carrasco. Junta-se a isso, um funcionamento incipiente do sistema de transportes e comunicações, a que se associam a falta de confiança política aos órgãos de administração eleitoral.

 

Os aspectos acima mencionados levam a que as operações logísticas eleitorais sejam difíceis e penosas de trabalhar, reconheceu o prelector que enfatiza que “na gestão da logística eleitoral” é proibido falhar ou errar, visto que “todo o mundo fica de olhos postos nos gestores eleitorais”.

 

“O mesmo não acontece com outra logística, por exemplo, a distribuição do pão. Pode haver falhas na logística da distribuição do pão, mas haverá naturalmente outras ofertas”, disse António Carrasco, que lembrou não ser isto possível durante as eleições, porque elas são únicas e realizam-se num só dia.


Recenseamento eleitoral é um dos mais perfeitos do mundo

 

O representante de Portugal, no evento, Jorge Migueis, considerou que nesse domínio o seu país tem pouco a transmitir para Angola, face à evolução positiva no sistema angolano.

 

De acordo com o prelector português, este facto consolida-se com as revisões em curso na Constituição e ainda no âmbito do pacote eleitoral, que resultam no fortalecimento do “edifício eleitoral” que deve tornarse num acto de ciclo periódico.

 

“Penso que os angolanos têm o processo de recenseamento eleitoral mais perfeito do mundo, tecnologicamente dos mais avançados do mundo”, disse José Migueis, que apelou aos angolanos a terem confiança no processo de recenseamento, bem como naqueles que executam todo este processo, além de que a falta deste pressuposto sujeita diatribes que, na sua visão, podem ser perfeitamente evitáveis.

 

No entanto, apelou para a necessidade da fiscalização dos agentes que executam essa acção por órgãos independentes, bem como pelos próprios partidos políticos, lembrando que na realidade portuguesa não há passo do processo eleitoral que não seja devidamente fiscalizado pelos partidos.


“Além de que os partidos têm confiança na administração eleitoral, e não exercem essa fiscalização, mas podem exercê-la”, frisou.


 

AN teve tempo suficiente para aprovar pacote legislativo eleitoral


O presidente da bancada parlamentar da UNITA, Silvestre Gabriel “Samy”, destaca a experiência acolhida no workshop sobre gestão eleitoral, porém acredita que há um misto de boas e má experiências. “Por exemplo, a experiência do Zimbabwe, em termos teóricos pode ser boa, mas na prática sabemos o que aconteceu naquele país depois das eleições”, lembrou.


Referindo-se ao voto dos angolanos na diáspora, disse acreditar que caso prevaleça o bom senso, recorrendo ao modelo sul-africano, os empecilhos podem ser removidos.


“Hoje estamos apertados pelo tempo. Na verdade, a Assembleia teve muito tempo para discutir o pacote legislativo eleitoral”, disse o deputado que explicou a discussão e consequente aprovação do pacote vir a acontecer numa altura em que praticamente os deputados vão gozar as férias.


Debruçando-se sobre a experiência do modelo de gestão angolana, disse entender que a existência de cadernos eleitorais, ou não, parecem a mesma coisa.


As fragilidades que aponta devem ser necessariamente ultrapassadas.


Um órgão comparticipado fere a legislação


Já para João Baptista Ngandagina, a maioria das experiências acolhidas demonstrou que todas as comissões eleitorais são independentes, com excepção do modelo governamental do Zimbabwe, onde as últimas eleições realizadas pelo Ministério do Interior daquele país acabaram por descambar numa crise pós-eleitoral.

 

Por outro lado, reiterou a proposta de independência do órgão da administração de eleições em Angola, ressaltando que não pode existir a dependência orgânica ao Executivo, tendo em conta que este é composto por jogadores.

 

“Se nesse momento, conforme estamos a ouvir que tem ser um órgão comparticipado. Então estaremos a ferir a Constituição, porque ela não diz comparticipação. Só está órgão de administração independente”, lembrou. De acordo com aquele político do PRS, quando os órgãos são independentes, não podem usar os meios do Estado para fazer as suas campanhas eleitorais, tal como vimos no passado, onde os dirigentes, claramente, fizeram usos dos meios do Estado para as suas campanhas.