Luanda - DISCURSO DO PRESIDENTE DA UNITA NA ABERTURA DO  PRIMEIRO ENCONTRO NACIONAL DOS AGENTES ELEITORAIS


Dignos Juízes do Poder Judicial
Senhores Deputados à Assembleia Nacional
Senhores Membros da Administração Eleitoral
Ilustres Dirigentes dos Partidos Políticos
Senhores representantes dos governos estrangeiros
Minhas senhoras e meus senhores:


É com muito prazer que saúdo este Primeiro Encontro Nacional dos Agentes Eleitorais. Devo confessar que de início aceitei este convite com alguma relutância porque não estava certo do significado do termo “agente eleitoral”. Quem são, afinal de contas, os agentes eleitorais?

 

Recorri então à legislação vigente e encontrei a Resolução número 10/05, da Assembleia Nacional, que aprova o Código de Conduta Eleitoral. Ela transformou a minha relutância incial em grande expectativa, porque define claramente quem são os agentes eleitorais.   


“São agentes eleitorais” – define a lei – “partidos políticos ou coligações de partidos, os candidatos, militantes e simpatizantes de partidos políticos, a Comissão Nacional Eleitoral, os membros da Assembleias de Voto, as forças da ordem pública, os eleitores, os observadores, os órgãos de comunicação social, os delegados de lista às Assembleias de Voto, as entidades religiosas, as autoridades tradicionais e os agentes da sociedade Civil” (Número 2 do artigo 1º do Código de Conduta Eleitoral).

 

Num país que realizou apenas duas eleições em 36 anos de história e em que as eleições estão intimamente ligadas à paz política e social, qualquer diálogo entre os agentes eleitorais, institucional ou informal, é um contributo valioso para se reduzirem suspeições, aumentar a transparência e se construir a confiança e a paz.

 

Saúdo, por isso os organizadores do evento, os magistrados, a sociedade civil, os observadores e todos quantos quiseram dignificar este encontro com a sua presença, independentemente das posições institucionais que ocupam.


De facto, todos somos agentes eleitorais. E como tal, temos direitos e deveres. E um desses deveres é a defesa  da paz. “Defender a paz” numa democracia só tem um significado: significa cumprir a lei, em particular a Constituição, que é a nossa lei mãe. Violar a Constituição é ofender a paz. Cumprir e fazer cumprir a Constituição é defender a paz!

 

Estou plenamente convencido que todos os agentes eleitorais, sejam eles jornalistas, eleitores, magistrados, governantes, comissários e comitentes, de todos os partidos e os que não têm partido político, todos estão decididos a defender a paz.


Minhas senhoras e meus senhores:

 

A nova Constituição da República consagrou duas alterações fundamentais no sistema político angolano: alterou o modo de eleição do Presidente da República e alterou também o modelo de administração eleitoral. O Presidente da República passa a ser eleito como Deputado do círculo nacional único no quadro das eleições legislativas; o modelo de administração eleitoral deixou de ser o misto ou governamental e passou a ser o modelo independente.


A julgar pela Resolução sobre princípios eleitorais aprovada recentemente pela Assembleia Nacional, o Executivo aceita conformar-se ao novo modo de eleição do Presidente da República, mas não se quer conformar ao novo modelo de administração eleitoral consagrado pela nova Constituição.

 

A caracterização dos perfis de administração eleitoral é um assunto bem estabelecido no direito eleitoral internacional. Foi feita com base em estudos especializados da prática seguida por mais de duas centenas de países democráticos.  Um desses estudos foi realizado e publicado em 2007 pelo International Institute for Democracy and Eleitoral Assistance – IDEA; e um outro, de Lopez-Pintor (2000), foi realizado sob os auspícios do PNUD.


Com base nesses estudos, o direito eleitoral comparado produziu dois principais critérios para classificar as administrações eleitorais: 1) a posição institucional do órgão; e 2) o vínculo institucional dos membros.


A posição institucional da administração eleitoral diz respeito ao estatuto jurídico, seu posicionamento em relação às outras instituições do Estado. Um órgão da Administração Eleitoral será governamental quando órgãos da administração pública, portanto do governo, administram ou controlam o processo eleitoral, como sucede, por exemplo, na Alemanha, na Áustria, nos Estados Unidos, na Itália e na Suécia. Será misto quando o processo eleitoral é administrado por órgãos do governo e órgãos independentes do governo, como acontecia entre nós, até a promulgação da constituição aprovada em 2010. A Administração eleitoral será independente, quando nenhum órgão do governo participa na administração do processo eleitoral, como sucede por exemplo no Brasil, Austrália, Canadá, Israel, África do Sul e em todos os países latino-americanos com a excepção da Argentina.

 

 O vínculo institucional dos membros pode ser de carreira, partidário, especializado ou combinado. Será de carreira se o membro for admitido por concurso público ou de outro modo e permanecer vinculado à instituição a título permanente, independentemente de pertencer ou não aos partidos representados na Assembleia ou ao Partido que governa. Será partidário se o membro for designado por um Partido político. Será especializado, se o membro for designado em razão das suas competências técnico-científicas; o vínculo será combinado se os membros forem indicados por duas ou mais das razões acima expostas.


O direito eleitoral comparado não considera o adjectivo “independente” no artigo 107º da Constituição como referente ao vínculo institucional dos membros, mas sim à posição institucional dos órgãos da administração eleitoral em relação aos outros órgãos do Estado.
Mas é legítimo perguntar: ‘Devem os membros da Administração eleitoral estar vinculados aos partidos políticos ou devem ser apartidários?’

 

A Constituição não responde a esta pergunta directamente, mas orienta a sua resposta, quando:


 estabelece a unidade nacional, o pluralismo de expressão e organização política e a democracia representativa e participativa como fundamentos da República de Angola (art. 2º);  


 funda um Estado de partidos e manda os partidos políticos contribuir para a defesa da soberania nacional, da democracia e da forma republicana de governo (art. 17º);

 

 confere aos partidos políticos, e só a eles, a faculdade de apresentar candidaturas para Presidente da República e não impede que no exercício da magistratura de Presidente da República o cidadão exerça as mais altas funções de direcção dos Partidos políticos (art. 108º, 110º e 111º);


O vínculo dos membros pode ser partidário ou não. Não tem ligação nem compromete a independência orgánica e funcional do órgão.

 

O facto de a Constituição não impedir que o Presidente da República tenha funções de direcção nos Partidos políticos, permite inferir, em nosso entender, que os demais agentes eleitorais não deveriam ser impedidos por lei de exercer funções nos Partidos políticos.
Os partidos políticos são os cidadãos organizados. São os eleitores, a parte directamente interessada na eleição, “os donos” da eleição. É através deles e só através deles que os eleitores exercem a soberania, votando. Por maioria de razão, cabe-lhes tanto administrar quanto controlar o seu exercício.

 

Assim como os Partidos políticos não devem monopolizar a política, também não devem ser os únicos a integrar a Administração eleitoral. Defendemos, para a composição da Comissão Nacional Eleitoral, o vínculo combinado, ou seja, a nível dos funcionários executivos, devem ser profissionais de carreira; o Director geral das eleições e mais um membro são designados em razão das suas competências técnico-científicas, apuradas por concurso público; três membros vêm da sociedade civil e não têm vínculos com os partidos concorrentes; sete membros têm vínculos com os partidos e um vem da magistratura.


Minhas senhoras e meus senhores:

 

O grande problema que enfrenta hoje a Nação angolana, temos de dizê-lo alto e em bom som, não é a retirada, a renúncia  ou a “sucessão” do Presidente Eduardo dos Santos. É a organização da eleição prevista para 2012. Este é o grande problema. Porquê?


Estamos há menos de um ano da época seca e o órgão que tem a competência constitucional para organizar a eleição parece não ter as coisas tão avançadas como gostaria: não tem comunicações funcionais; não tem a custódia dos principais ficheiros com os dados dos eleitores; não tem um sistema de informação geográfica para garantir a integridade do mapeamento eleitoral; não tem um sistema de informação logística, nem um plano de aquisição da logística eleitoral. Pior ainda, não tem dinheiro, porque segundo percebemos, o Executivo terá cortado ou excluido o orçamento eleitoral proposto pela CNE.

 

Enquanto isso, o Executivo atribuíu fundos eleitorais a si próprio para desenvolver algumas das principais competências da CNE: comprou um sistema de informação geográfica, que lhe permite fazer o mapeamento eleitoral e acoplou essa função ao “registo eleitoral”; comprou a infra-estrutura tecnológica para as eleições, incluindo os aplicativos e equipamentos para a gestão das bases de dados dos eleitores, dos locais de votação e dos procedimentos eleitorais. Isto significa, minhas senhoras e meus senhores, que o Executivo é que está a preparar as eleições, em contravenção à Constituição.

 

E mais: o Executivo transformou a comunicação social pública num refém do Partido que o sustenta; viola sistematicamente os direitos e liberdades dos cidadãos e organiza a recolha coerciva dos seus dados eleitorais com fins obscuros . 


Além disso, estão a surgir eleitores com cartões duplos entregues pelos sobas, ou seja, para uma pessoa que só se foi registar uma vez, o sistema sob controlo do Executivo emite dois cartões com dois números diferentes, tal como este exemplo que tenho aqui.

 

Convém referir que, no seu relatório de Junho último, o Senhor Ministro que controla a base de dados do registo eleitoral, admite que a base de dados do registo pode estar desactualizada, porque presume estarem nela entre 600,000 a 800,000 eleitores falecidos. Além disso, afirma o Senhor Ministro, cito, “o quadro actual não permite uma rigorosa elaboração do mapa das assembleias e mesas de voto, nem tão pouco uma organização eficiente dos cadernos eleitorais”.


A solução que propôs é a actualização do registo eleitoral por toda a gente. Esta solução é diferente daquela imposta pela Constituição. A Constituição manda que a CIPE deixe de organizar os processos eleitorais. Ou seja, a base de dados do registo eleitoral deveria ser transferida já para a Administração eleitoral independente para lhe permitir organizar os processos eleitorais, nos termos do artigo 107º da Constituição.

 

Além de se transferir a custódia da Base de Dados do Registo Eleitoral para a CNE, é imperativo que se faça uma auditoria técnica ao Ficheiro, complementada com testes de validação no terreno, com base numa amostra estasticamente relevante, para se garantir a priori a integridade tanto dos softwares, como dos sistemas de segurança e dos conteúdos da informação armazenada. 

 

A preparação de eleições anti-democráticas, por um órgão constitucionalmente incompetente, num ambiente de violação sistémica dos direitos e liberdades dos cidadãos e em contravenção às regras imparciais da democracia, constitui o maior problema de Angola nesse momento.
A questão não é “quem será o sucessor do Presidente Eduardo dos Santos?”, antes, “como será eleito o primeiro presidente da Repúblia com legitimidade democrática para que Angola tenha, enfim, a paz democrática?”

 

A paz democrática depende não da pessoa a eleger, mas da forma como a pessoa for eleita. A paz democrática depende, não dos resultados eleitorais, mas da observância de regras imparciais na organização de uma eleição justa e transparente, pelo órgão constitucionalmente competente. Se assim não fôr, os actos eleitorais são nulos; e quem fôr designado Presidente da República, não terá legitimidade. Estará novamente ameaçada a paz.   Já apresentamos evidências validadas por entidades independentes que atestam que as fraudes de 1992 e de 2008 foram planeadas e executadas por violação dolosa da Constituição e manipulação dolosa da logística tecnológica pelo Executivo. Até agora, o Executivo não desmentiu. Também já afirmamos que os angolanos não aceitarão uma nova fraude que ameace a nossa paz.

 

Todos os agentes eleitorais são chamados a contribuir para a defesa da paz, que resulta do respeito pelos princípios do estado de direito e da supremacia da Constituição.  Os órgãos do Estado só têm competência para fazer aquilo que a Constituição lhes permite. Nenhum órgão do governo deve fazer aquilo que a Constituição atribui a outro órgão. Nisto consiste o princípio da tipicidade constitucional de competências.

 

Os participantes a este encontro são, na sua maioria, agentes eleitorais investidos da responsabilidade de organizar as eleições. Juraram fazê-lo respeitando a Constituição. Se vos ordenarem organizar eleições em contravenção à Constituição, cabe-vos obedecer à Constituição, e não a homens.

 

Tal como só existe um Estado de direito democrático também o Estado democrático só o é se for de direito, isto é, um Estado sujeito a princípios e regras jurídicos. Se ao Tribunal Constitucional incumbe proteger os princípios básicos e constitutivos da República, inscritos na Constituição, da tentativa de sua revogação, ou adulteração, por meio de  maiorias legislativas conjunturais, a todos os agentes eleitorais incumbe a defesa da Constituição enquanto fundamento e alicerce da paz.


E nesta defesa, os  direitos fundamentais do soberano, o povo, têm primazia aos interesses dos detentores temporários do poder, porque o objectivo principal da Constituição é mesmo limitar o poder dos que pretendem exercer o poder violando os direitos fundamentais do titular do poder.
 

Declaro aberto este Primeiro Encontro Nacional dos Agentes Eleitorais.