Luanda – Devo admitir que não é um exercício fácil emitir alguma opinião sobre a presidência da República de Angola, que até então durante os seus 40 anos de Nação conheceu apenas dois ocupantes. É ainda mais complexo quando a perspectiva é conjunturar a saída do cargo, independentemente da forma do acto que dê origem a essa saída.

Fonte: Club-k.net
Para mim, o grau de complexidade é maior porque tenho conhecido um único presidente de Angola em toda a minha existência ou dito de outro modo, nasci, cresci e aprendi a ser homem durante, ainda vigente, presidência do camarada presidente Eng.º José Eduardo dos Santos.

Embora não seja uma questão “ex novo”, parece-me que as alternativas para que tal não aconteça são agora muito mais reduzidas no âmbito da constituição da República de Angola de 2010 (CRA), salvo alguma revisão da mesma, daí o maior interesse que essa questão desperta e o seu justificado domínio nos diferentes círculos de debate da nossa sociedade e além dela.

Segundo a CRA no artigo 113º o mandato do Presidente da República tem a duração de cinco anos e pode estender-se à dez anos para os casos de reeleição do presidente. Ora, nessa perspectiva, o actual Presidente da República de Angola tem de forma legítima o direito de candidatar-se as próximas eleições, previstas para o ano de 2017 e estender o seu mandato até ao ano de 2022.

Entretanto, a questão que se levanta é saber se com a recente aprovação da sua recandidatura à presidente do seu partido pelo Comité Central, perfilando-se naturalmente a encabeçar a lista às eleições de 2017 e face ao anúncio sobre a sua retirada da vida politica activa para o ano de 2018, que fundamento jurídico-constitucional será usado para justificar a sua saída da vida politica activa enquanto Presidente da República naquele ano?

Quais os fundamentos para indicação de um candidato à Presidente da República, quando o candidato anuncia o abandono da vida política para o decurso do mandato para o qual pode vir a ser eleito?

A CRA é taxativa nas causas que levam a auto-demissão política do Presidente da República no número 1 do seu artigo 128º que reza o seguinte: “Verificando-se perturbação grave ou crise insanável na relação institucional com a Assembleia Nacional, o Presidente da República pode auto-demetir-se, mediante mensagem dirigida à Assembleia Nacional, com conhecimento ao Tribunal Constitucional”, este cenário improvável, levaria a dissolução da Assembleia Nacional e a realização de eleições antecipadas no prazo de 90 dias.

Ao passo que o artigo 129º da CRA elenca as causas que levam a destituição do Presidente da República, por exemplo a incapacidade física e mental para continuar a exercer o cargo. Também parece-me um cenário pouco provável, embora dê origem a uma vacatura.

Por outro lado, o artigo 116º da CRA admite a renúncia ao mandato em mensagem dirigida à Assembleia Nacional, com o conhecimento ao Tribunal Constitucional. Este último anuncia-se como o cenário mais provável, no caso de reeleição do actual Presidente da República nas eleições de 2017, criando uma vacatura que nos termos dos artigos 130º e 132º numero 1, permite a substituição do Presidente pelo Vice-Presidente para cumprir o mandato até ao fim, com plenitude de poderes.

Em minha opinião, a renúncia ou a destituição ao serem levantadas para fundamentar a saída ora anunciada poderá consubstanciar-se num autêntico desrespeito aos eleitores que serão convocados às urnas para eleger um presidente para exercer o cargo por um período efectivo de cinco anos e não para uma dúzia de meses, passando posteriormente o “testemunho” ao seu Vice.

Caso se venha a verificar um desses dois últimos cenários, estaríamos perante uma manobra “fraudulenta” e diante de uma realidade fora de um Estado Democrático e de Direito porque estaríamos perante a violação de um dos seus fundamentos que é a participação do povo na eleição do Presidente da República.

Sendo que o Vice-presidente só pode ascender “legitimamente” à Presidente da República nos casos previstos pela CRA e não por meio de cenários previamente criados para forjar a sua ascensão, pois não me parece ser esse o espírito do legislador constituinte, porque assim como as causas que levam a destituição são tidas como de carácter superveniente, facilmente compreende-se que a renúncia não deve ser “forjada”.

O povo irá as urnas para eleger os candidatos, quer a Presidente da República quanto a deputados, conforme a indicação na lista apresentada pelos partidos, conferindo-os poderes para o cumprimento pleno dos seus mandatos de cinco anos.

Outrossim, um eventual adiamento das eleições gerais e a extensão do actual mandato do Presidente da República e dos Deputados a Assembleia Nacional para o ano de 2018, representaria uma violação ao preceito constitucional no artigo 112º da CRA que impõe a convocação das eleições até 90 dias antes do termo do mandato, de cinco anos, do Presidente da República e dos Deputados à Assembleia Nacional em funções e a realização das eleições até 30 dias antes do fim do mandato dos mesmos, que para a actual legislatura deve ocorrer até Agosto de 2017.

Entendo que esse processo de transição é uma questão interna dos partidos e não deve ocorrer a nível da Presidência da República nos moldes que se vai apregoando nos diferentes círculos da nossa sociedade e “tenuemente” acolhida por muitos.

Valerá a pena votar num candidato que renuncia previamente o cargo que se propõe a ser eleito? Não me proponho a apresentar uma solução mais a levantar questões que suscitem debates para a prossecução do interesse colectivo, a construção e o respeito de um Estado democrático de direito que tem como fundamento o primado da constituição e da lei.

*Jurista