Luanda - Na véspera das eleições que poderão mudar a história de Angola, o rapper MCK diz não compreender como a insatisfação da população não se converte em mudança. E critica o processo eleitoral do país.
Fonte: DW
Não ter medo de criticar o Governo já é uma marca registada do rapper angolano MCK. O músico cresceu num bairro pobre de Luanda e costumava vender roupas nas ruas. A vida no bairro onde passou a sua infância certamente influenciou as suas letras.
MCK tornou-se adulto, estudou filosofia e hoje as suas músicas expressam o desejo de democracia para Angola. Continua a não ter medo de dizer o que pensa, apesar das muitas perseguições. Já foi alvo de uma busca e apreensão em seu apartamento, da proibição de deixar o país (em 2015) e teve fãs seus espancados.
Na véspera das eleições gerais desta quarta-feira (23.08), que poderão mudar a história de Angola, o rapper falou à DW África sobre que futuro espera para o país. Um lugar onde, há mais de quatro décadas, o mesmo partido, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), continua no poder. MCK critica as práticas eleitorais que considera "viciadas", mas diz que está a crescer, no seio da juventude angolana, um firme desejo de mudança.
DW África: Já em 2012 se sentia uma grande vontade da juventude de ver resolvidos os seus problemas. No entanto, voltou a vencer o mesmo partido. Será assim também este ano?
MCK: Se considerarmos a expetativa da juventude que representa o maior grupo demográfico angolano - que são os jovens e as mulheres - nota-se, claramente, um desencanto. Um "cortar de relação” entre os jovens e a atual governação. Só que, infelizmente, os processos eleitorais em Angola e em África, de um modo geral, ainda não obedecem à transparência, a lisura e os procedimentos da justiça. A minha expetativa, e acho que também é a da maioria dos angolanos por força da insatisfação, da crise e dos vários escândalos de corrupção, é de um desejo muito firme de mudança.
DW África: Há alguma melhoria em relação ao processo eleitoral, em comparação com as eleições de 2012?
MCK: O processo eleitoral é muito viciado, infelizmente. Existem muitas irregularidades. Há o problema, por exemplo, do credenciamento dos delegados de lista dos outros partidos. Além de todos os casos que estamos a assistir de intolerância política. Os partidos da oposição sofrem. Não existe respaldo em termos de divulgação dos meios públicos. Enfim, existe um conjunto de práticas da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) que são, conforme denúncias, já muito partidarizadas.
DW África: Que dizer sobre o sentido crítico da juventude angolana?
MCK: Ano após ano, o sentido crítico cresce. Nos últimos cinco anos, os jovens foram muito beneficiados pelas redes sociais, que é um meio de denúncia livre. A imprensa pública não denuncia a corrupção, os escândalos da má governação, os saques ao erário público. Mas, por um lado, as redes sociais dinamizaram o sentido crítico dos jovens. Por outro lado, as pessoas estão mais intelectualizadas. Há mais jovens a frequentar as universidades e o nível de consciência para reivindicar aumentou.
DW África: E as elites angolanas, as pessoas que dependem do regime, da família dos Santos, os próprios membros da família, estarão com medo de perder o poder?
MCK: Nota-se, claramente. Eles usam três ferramentas fundamentais: impõem o medo através da repressão. Compram "cérebros” com dinheiro. Percebe-se claramente a forma como partidarizam todas as instituições públicas. É uma declaração clara de medo, de quem tem receios sérios de perder o poder.
DW África: E a oposição estará preparada para assumir o poder?
MCK: Eu conheço rostos muito sérios, tanto na oposição política como na sociedade civil. O partido da oposição que vier a ganhar as eleições vai governar para os angolanos e não para seus militantes. Contará com todas as forças ativas do país. Não há receios, temos de pensar Angola como um país com mais de 25 milhões de habitantes e que tem muitos cérebros vivos e ativos para oferecer o melhor ao seu país.
DW África: Como é que vai ser "o filme" quando forem anunciados os resultados?
MCK: Se cada um de nós, angolanos, formos "fiscais” do nosso próprio voto, eu acredito vivamente numa mudança. Mas, se eventualmente dependemos daquilo que só o "malabarismo”, o roubo, a arquitetura e a engenheira da fraude que está a ser montada, obviamente serão resultados evidentes. Entretanto, existem muitos ventos que ajudam a pensar na mudança ou no equilíbrio parlamentar. Foram feitas várias sondagens. O MPLA está em desvantagem. Se passeares aqui, por Luanda, vês que há muita insatisfação. Então, não é possível compreender como essa insatisfação não é convertida em alteração do quadro. É impossível compreender.