Luanda - No despacho n.º 635/17, de 15 de setembro do ano passado, assinado pelo anterior inspector - geral do Estado, lê-se o seguinte: “São arquivados todos os processos da actividade inspectiva desenvolvida pela Inspeção Geral da Administração do Estado de 1 de Janeiro de 2013 a 30 de Agosto de 2017”.

Fonte: Club-k.net

Este documento determina assim que se engavetem os últimos quatro anos de actvidade inspectiva da Inspeção-Geral do Estado. É surpreendente que o mesmo tenha sido produzido, mas de facto foi. Há, no entanto, uma solução simples: revogar imediatamente o despacho.

Está assente na consciência jurídica e moral pública dos angolanos que muitos gestores públicos confundiam o acesso aos cargos com a oportunidade de se tornarem ilicitamente milionários. Conseguiram ficar cheios de dinheiro, porém, afundaram o País e remeteram o povo ao indigno padrão de vida cuja consequência se pode resumir na máxima: povo miserável em terra rica.

Registe-se a irónica coincidência. Este Despacho foi proferido pelo anterior inspector -geral do Estado, Joaquim Mande, nos últimos dias do Executivo anterior. A partir daqui, há duas interpretações possíveis:

Primeiro, houve urgência no sentido de se arquivarem todos os processos que tramitavam na referida instituição antes da mudança de governo que, entretanto, aconteceu.

Segundo, o despacho não foi alicerçado em quaisquer fundamentos jurídicos que justificassem o cancelamento do legítimo interesse público em aferir se o dinheiro de todos nós foi destinado para o bem comum ou surripiado para satisfação do sonho doentio de muitos destes angolanos em terem contas bancárias mais chorudas do que as de Cristiano Ronaldo ou Beyoncé.

As mudanças entretanto decorridas trazem-nos ao momento presente – o momento em que combater a corrupção, nepotismo, impunidade, e em que recuperar o dinheiro público que está em contas privadas é o único caminho para a salvação do País.

A publicação deste Despacho indignou a sociedade angolana. Nessa altura, manifestámos publicamente a sua inconstitucionalidade. O documento está eivado de vícios graves e, por isso, justificam a sua expurgação do ordenamento jurídico. Consequentemente, deverão ser reabertos todos os processos arquivados.

Mais: acreditamos que com a revogação deste Despacho não faltarão indícios de corrupção que justificarão a intervenção da Procuradoria Geral da República, para abrir a competente e exigida investigação criminal.

É fácil perceber a ilegalidade e a ilegitimidade do despacho do anterior titular máximo da I.G.A.E, cuja função é a de auxiliar o Presidente da República na fiscalização da gestão dos recursos financeiros e do património público.


Porém, neste despacho, viciado, a I.G.A.E optou por um sentido contrário à razão da sua existência: inspeccionar os gestores públicos.


O combate aos inimigos públicos – corrupção, impunidade, clientelismo, nepotismo - que impedem que os angolanos tenham um nível de vida digno que merece deve ser generalizado. Nesta missão, não interessa o nome do “jogador”, o clube ou o campeonato em que milite. Quem delapidou o erário deve ser alvo de investigação, de julgamento justo, e, se for o caso, condenado e coagido juridicamente a devolver o dinheiro dos angolanos.

Temos novamente a oportunidade de consertar o país, e devemos aproveitá-la. Trilhando este caminho, no futuro Angola terá razões para se orgulhar do momento em que se devolveu a dignidade roubada aos angolanos.

É natural que a desilusão, o choque, a vergonha e a raiva tenham emergido em alguns espíritos na sequência destes avanços da Justiça. Mas nada e nem ninguém pode ser mais prioritário que salvar o angolano da miséria.

Por último, o Direito não permite a validade de um despacho que ordena aos “fiscais” dos gestores públicos que não os fiscalizarem, engavetado quase cinco anos de investigação e auditória.

Se o lema é combater a delapidação dos recursos financeiros e património público e a consequente recuperação dos bens usurpados, então haja coerência e revogue-se o tal Despacho que impede que se averigúe como foi gerido o património público numa época fulcral de Angola.

A revogação deste Despacho fortalecerá a transparência, o combate ao peculato e a corrupção, cujos frutos pútridos são visíveis no rosto desesperado, maltratado e muito sofrido do angolano.

*José Luís Domingos “Zé Luís”, advogado