Lisboa - Agora que foi autorizada pelas autoridades de Angola a identificação por Portugal dos locais onde estão sepultados os restos mortais dos soldados portugueses que tombaram durante a guerra colonial, a Liga dos Combatentes, sob a tutela do Ministério da Defesa Nacional (MDN), pode replicar em Angola a operação que já lançou e terminou em Moçambique e na Guiné-Bissau entre 2005 e 2016, no âmbito de um programa intitulado Conservação das Memórias.

Fonte: Publico

O Arquivo Geral do Exército português tem registo de 187 cidades, vilas, aldeias ou cubatas em Angola onde estiveram destacados combatentes das tropas coloniais portuguesas. E tem também registo dos nomes dos que morreram em combate em cada um desses lugares, com fotografias das campas onde estão gravados os nomes dos falecidos.

 

É a esses locais inóspitos, junto a aldeias ou “a arbustos que entretanto se transformaram em embondeiros”, como diz o vice-presidente da Liga dos Combatente, o major-general Fernando Aguda, que a operação (agora autorizada) quer chegar. O trabalho no terreno permitirá identificar os restos mortais nesses pequenos cemitérios improvisados junto às unidades militares portuguesas em Angola. No país, estão sepultados 586 militares nascidos e recrutados em Portugal, e 817 recrutados localmente.


Na edição de sábado, o Expresso noticiou que, na semana passada, chegou ao Palácio de Belém a garantia do Governo de Angola de desbloquear o processo de transladação dos corpos de ex-combatentes – um assunto que foi abordado entre os dois Presidentes durante a recente visita de Marcelo Rebelo de Sousa a Angola.


A autorização é para a deslocação e identificação dos locais bem como para o transporte dos restos mortais dos portugueses, mas no interior de Angola e não para Portugal, esclarece ao PÚBLICO o vice-presidente da Liga dos Combatentes, à qual chegou uma carta do ministro angolano dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria com a mesma informação. A autorização para virem para Portugal, essa, sempre existiu, desde que as famílias assumam as despesas. Aconteceu em cerca de 16 casos, de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique.


“Trata-se da transladação dentro do território angolano e não para Portugal. A palavra é a mesma”, insiste o major-general Fernando Aguda. “O que foi agora autorizado foi a deslocação formal e cooperante entre Estados para se fazer um levantamento.”


O objectivo é deslocar os restos mortais que se encontram em lugares distantes e inóspitos para ossários construídos de raiz e mantidos pela Liga dos Combatentes, onde possam ser guardados. “Há uma ideia [dos locais], mas ainda não vimos o terreno e ainda não quantificámos o custo. Mas será no norte e no centro do país.”

 

O mesmo aconteceu em Moçambique e na Guiné-Bissau, com 117 militares nos dois países. Uma cerimónia anual no Dia dos Mortos é realizada em homenagem aos soldados na presença de representantes das embaixadas nestes dois países.

Mais de 100 levantados

“Em Moçambique levantámos 73 corpos e na Guiné-Bissau foram 44 corpos que levámos para ossários devidamente acondicionados e em urnas identificadas. Além desses, há os que estão sepultados nos cemitérios municipais, 83 campas. Arranjamos e pintamos as campas, mas não os tiraremos de lá”, continua o general Fernando Aguda.


Estas operações inscrevem-se num programa financiado pelo Ministério da Defesa Nacional, e que permite à Liga dos Combatentes executá-los (com algum dinheiro que tem também), explica.


Para as famílias que possam trazer os corpos para Portugal, o transporte a partir das capitais de Moçambique e Angola está assegurado graciosamente pela TAP, no âmbito de um acordo com a Liga dos Combatentes. Porém o transporte até aos aeroportos nas capitais tem de ser assegurado pelas famílias. Nalguns casos, diz o general, esse procedimento, entregue a uma agência funerária, representa uma despesa de alguns milhares de euros. “Muitas pessoas querem, mas não podem fazê-lo”.

Sepultados em Portugal

Até 1968, os soldados portugueses mortos nas guerras em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique vinham para Portugal onde se realizavam os funerais. A partir desse ano, a política mudou. “Fruto do impacto brutal psicológico nas aldeias e zonas do país que mais homens mobilizaram, começou a ser pernicioso do ponto de vista da imagem daquilo que estava a acontecer”, diz o major-general Fernando Aguda.


Em Moçambique e na Guiné-Bissau, onde localizou e transportou restos mortais para cemitérios e ossários mantidos pela Liga dos Combatentes, não encontrou nenhuma campa com data anterior a 1968. “Presume-se que, até esse ano, a política foi uma e, dali para a frente, foi outra. A Liga dos Combatentes já pretendeu identificar a determinação governamental que não viabilizou a transferência para Portugal, e não se encontra. Deve ter sido uma ordem verbal.”