Benguela - A economia angolana caracterizou-se ao longo dos anos pelo domínio de um produto primário ou outro, pelo que, passaram-se a reconhecer ciclos económicos: o ciclo do café, o ciclo do diamante, e o ciclo de petróleo, que domina até aos nossos dias. Contrariamente aos ciclos anteriores em que houve mais ou menos uma sã convivência entre o produto dominante do ciclo e os demais produtos, no ciclo do petróleo, dá-se uma liquidação de outros produtos, essencialmente por opção política de inicio (Marxismo Leninismo), que reservou exclusivamente para o domínio público actividades chaves como a banca, educação e saúde, contrariamente a opinião corrente, que atribui a degradação do sector produtivo, maior peso à guerra civil, que assolou o país nos primórdios anos do ciclo do petróleo e da independência nacional.
Fonte: Club-k.net
Hoje creio ser mais ou menos consensual que o domínio exclusivo do petróleo expõe demasiadamente a economia às flutuações externas resultantes das variações do preço do petróleo no mercado internacional, por isso, a transformação da estrutura económica, proporcionando uma base mais diversificada de produtos, passou a ser a orientação estratégica do Governo. Entretanto, a percepção que tenho desta visão estratégica de diversificação da economia, está, de certa forma, desfocada, presa ao aumento de produtos, sejam eles de exportação de produtos primários sem transformação, ou de outra índole, onde se misturam as protecções aduaneiras e a promoção de exportações de matérias-primas. Pois pensa-se que, por um lado, deve-se proteger os produtos da cesta básica, por outro, substituir as importações e promover as exportações. O que é um pouco confuso!
No passado não muito distante, certamente numa conjuntura diferente a dos nossos dias, com uma base de produção agrícola e industrial mais diversificada, estabeleceu-se um limite do valor acrescentado nacional (VAB). Em que os produtos comercializados em Angola tinham que ter uma incorporação de factores de produção locais, numa primeira fase estabelecido em mais ou menos 30% meados dos anos 1960, evoluindo para níveis de mais de 60% na década de 1970. A fixação do limite fez com que surgissem indústrias de montagem de eletrodomésticos (rádios e aparelhagens de áudio, refrigeradores, montagem de viaturas, etc.). Lembro-me que nesta altura as carrinhas e camiões de transporte de mercadorias, eram importados alguns em chassis e sem carroçaria. A carroçaria era feita em madeira ou chapa em Angola.
No presente momento as grandes superfícies, retalhistas de bens industriais e alimentares que operam em Angola, vendem produtos alimentares empacotados em Portugal, África do Sul e Brasil. Porque é que o arroz, o açúcar, as farinhas, o óleo alimentar há de ser importado embalado? Qual é a complexidade da tecnologia associada ao embalamento? O processo de embalamento de produtos está incluído no processo de transformação do produto, pois este só está acabado, quando estiver em condições de ser exposto na prateleira, do grossista ou do retalhista. O processo de embalamento representa cerca de 25 a 30% do custo de transformação de produtos. Comprar açúcar ou arroz a granel, empacota-lo em Angola, custa menos que comprar o mesmo arroz embalado em pacotes de 1 ou 2 quilogramas. Mas essencialmente, porque adiciona os factores de produção locais, criando empregos, aumentando o poder de negociação do comprador. Negociar um barco de 25 mil toneladas de açúcar ou de arroz, não é o mesmo que negociar 10 a 20 contentores dos mesmos produtos, que o digam os profissionais de compras.
O jogo tem que ser estabelecido ao nível das tarifas aduaneiras (alfandegárias), em que se tem que agravar as tarifas aduaneiras dos produtos importados sem qualquer agregação do valor nacional, sem excepção, mesmo que se trate de produtos da cesta básica, e progressivamente ir se desagravando na base da percentagem do valor acrescentado nacional. Quanto maior for a percentagem do valor acrescentado nacional maior é o desagravamento aduaneiro. Seria trabalhoso, certamente muito exigente aos Serviços Nacionais de Alfandegas. Porém, creio que seria um factor de fomento e protector da produção nacional. Porque sem proteção, mesmo que escamoteada no condicionante valor acrescentado bruto nacional, a competitividade dos produtores nacionais é um desafio grande a vencer.
A organização de operações industriais é muito mais desafiante que as operações comerciais, a curva de aprendizagem é bastante longa. As expectativas, nem sempre se efectivam como pensadas inicialmente, pelo que, a absorção gradual dos processos, começando pelos mais simples aos complexos, reduz as perdas de recursos, consequentemente, reduz o risco de insucesso. Diz-se que a roda foi inventada há muito, não precisamos de passar pelas peripécias por onde os outros passaram, sugerindo-se o corte do caminho. Mas, também há o adágio popular que diz que, “de vagar se chaga longe”:
A ideia de diversificação económica aumentando a exportação de matérias-primas é impraticável e indesejável. Há alguns anos atrás Angola exportava cerca de 1.300 mil barris de petróleo bruto dia. O aumento da produção de petróleo bruto proporcionou a exportação em 2015 de 1.752 baris dia, nem por isso, o país diversificou a sua economia. Nos produtos em que o país detém a abundância das matérias-primas, tais como o petróleo, as pedras preciosas e ornamentais, o café, etc., a diversificação deve assentar na transformação integrada de produtos, ou seja, da matéria-prima para ao produto acabado. O produto transformado tem sempre um maior quinhão de vantagem económica, do que a venda de matéria-prima. O que se passa ainda hoje com o petróleo, diamantes, madeira, pedras ornamentais, exportadas em bruto é inaceitável, deve ser invertido. Assim, o limite do valor acrescentado nacional na importação deve ser aplicado também para os produtos de exportação, para que se desincentive a exportação de matérias-primas em bruto, sem transformação.
Angola e a maioria dos países africanos estão viciados em produzir produtos que não consomem e consumir produtos que não produzem, este vício tem que ser deixado para trás de uma vez por todas. Se se fizessem os investimentos necessários na indústria petroquímica, hoje estaríamos a vender aos países vizinhos gasolina, gasóleo e outros produtos refinados de petróleo. O investimento não tinha que ser necessariamente do Estado Angolano, podia ter sido, misto, privado, ou outra forma de associação empresarial. Mas, nunca estaríamos na situação em que nos encontramos hoje, dependente de importação de 2/3 dos produtos refinados de petróleo, sendo o segundo maior exportador de petróleo a sul do Sahara.
As iniciativas tendentes à diversificação de economia são anteriores ao Plano de Desenvolvimento Nacional 2013-2017 (PND). Mas, os resultados continuam muito tímidos. Estamos no terceiro ano da execução do PDN 2018/2022, as evidências não são muito animadoras. Portanto, há motivos mais que suficientes para que as expectativas, quanto ao sucesso do PDN não sejam muito optimistas, essencialmente pelo facto de os factores que emperram o processo de diversificação da economia, tais como as deficientes infraestruturas básicas (estradas, eletricidade, água, etc.), o deficiente ambiente de negócios, a fraca qualificação da mão-de-obra, entre outros, persistem. Por conseguinte, não é pessimismo exacerbado prever um resultado não muito diferente do PND 2013/2017.
O Programa de Estabilização Macroeconómica (PEM) e o comunicado do Conselho de Administração do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre o Facilidade Alargado de Crédito (FAC ou EFF)), não mencionam absolutamente nada, pelo menos, nos termos propostos e apontados neste texto, sobre o estabelecimento de limites obrigatórios mínimos de agregação de factores de produção nacionais ou valor acrescentado bruto nacional (VAN), inicialmente, aplicado à um grupo de produtos, o que a meu ver contribuiria para impulsionar a produção nacional.
*Economista e Professor Universitário