Luanda - A TV Zimbo tem vindo a promover debates e entrevistas que muito nos orgulham porquanto demonstra que os tempos mudaram profundamente no que a liberdade de expressão diz respeito. Na linha de promover o contraditório sobre questões que muito interessam aos angolanos que pouco domínio têm sobre questões técnico-jurídicas, a referida TV promoveu, uma vez mais, ontem, dia 3 de Dezembro, um debate que trouxe a colação questões pertinentes acerca da CNE e das Autarquias locais que importa aqui comentar. Das questões colocadas destacam-se as seguintes: O concurso público para a CNE, requisitos dos candidatos, mandato dos comissários e os presidentes das Comissões Provinciais e Municipais, autarquias locais.
Fonte: Club-k.net
QUESTÕES PERTINENTES SOBRE O DEBATE ACERCA DA CNE E DAS AUTARQUIAS LOCAIS
Sobre o concurso para CNE, os juristas convidados ao debate levantavam questões pertinentes como é o caso da morosidade da decisão sobre as providências cautelares intentadas por um dos concorrentes, o que tem vindo a ser considerado como causa justificativa da não discussão e deliberação do relatório do júri por parte do Plenário do Conselho Superior da Magistratura Judicial. Foi interessante saber-se que as providências intentadas deram entrada no Tribunal Supremo há mais de 7 meses, e até aqui não se vislumbram sinais da sua apreciação e decisão, o que não só contraria a natureza urgente de que se revestem estes processos como também põe em causa o cumprimento das regras processuais em vigor, bem como o princípio da certeza e segurança jurídicas, tão caros para um Estado Democrático e de Direito.
Quanto aos requisitos de admissibilidade e os critérios de avaliação e graduação dos concorrentes (tempo de magistratura, experiência na condução de processos eleitorais, formação académica, mérito profissional e outras actividades/experiências), consagrados no regulamento do concurso, os convidados ao debate dedicaram bastante atenção sobre as violações à Constituição, a legislação eleitoral e conexa, designadamente a Lei nº 36/11, de 21 de Dezembro- Lei Orgânica Sobre as Eleições Gerais e a Lei 12/12, de 13 de Abril- Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento da Comissão Nacional Eleitoral. Neste sentido, consideraram o nº 3 do artigo 151º da Lei 36/11, de 21 de Dezembro, combinado com o nº1 do artigo 8º da Lei nº 12/12 de 13 de Abril, segundo os quais “o mandato dos membros da Comissão Nacional Eleitoral é de 5 anos, renovável por igual período de tempo”, não terá sido respeitado, pelo júri do concurso, ao terem admitido candidatos que estão há mais de 14 anos na CNE, como é o caso de Manuel Pereira da Silva (que exerce ininterruptamente a função de Presidente da Comissão Provincial Eleitoral de Luanda desde 7 de outubro de 2005 até a presente data) e por outro lado, de outros que estão à metade do segundo mandato para perfazer 10 anos, que é o caso do Sebastião Bessa (que exerce, ininterruptamente, o mandato de Presidente da Comissão Provincial do Cunene desde 2012 até a presente data).
Assim, em relação ao primeiro candidato, destacaram, além do tempo excedido, 14 anos, quando a lei prevê apenas 10 anos, a ilegalidade em que se encontra atualmente à frente da Comissão Provincial Eleitoral de Luanda, isto é, mais de 4 anos. O facto de o referido candidato ter-se apresentado ao concurso e ter sido admitido pelo júri, foi considerado pelos convidados não só como um acto ilegal como também uma tentativa de transformar a CNE numa instância onde se pode fazer carreira, o que é grave, e muito mais ainda, quando se trata de um juiz de Direito, que tanta falta faz na magistratura judicial, num país como o nosso.
Da interpretação literal que os convidados e participantes ao debate fizeram do artigos acima referidos (mandatos dos membros da CNE) concluíram que, a CNE é uma entidade una e indivisível e a referida disposição se refere apenas a um mandato de 5 anos, “renovável” por igual período (no singular) e não infinitamente “Renováveis” como certa corrente, erradamente, defende, com o fundamento de que as Comissões Provinciais são órgãos distintos da CNE. Essa corrente esquece-se ou faz tábua rasa, o que dispõe o nº 1 do artigo 11º da Lei 12/12 de 13 de Abril, que estatui uma estrutura orgânico-funcional hierarquizada, considerando como órgãos da Comissão Nacional Eleitoral: “a) o Plenário da Comissão Nacional Eleitoral; as Comissões provinciais eleitorais; as Comissões Municipais Eleitorais”. Daqui depreende-se que a lei não trata de forma diferenciada uns e outros, constituindo, os diferentes órgãos, um único corpo e, por conseguinte, sujeito à mesma disciplina legal de 10 anos.
Entretanto, um outro ponto que foi levantado em relação ao concorrente Manuel Pereira da Silva, prende-se com o seu envolvimento no processo judicial que corre termos no Tribunal Supremo, envolvendo o antigo Governador da Província de Luanda e Primeiro Secretário do Comité Provincial do MPLA em Luanda. Tal envolvimento resulta do facto do actual Presidente da Comissão Provincial de Luanda ter recorrido aos favores do então governador Provincial Higino Carneiro, nas eleições de 2017, para que este interviesse financeiramente na supressão de algumas carências que a CPE estava a enfrentar. Sublinharam a estranheza desse procedimento porque a CNE, nos termos do nº 1 do artigo 107º da Constituição, é um órgão de administração eleitoral independente, dotado de autonomia administrativa, financeira e patrimonial.
Portanto, sustentam, que não se percebe como é que o Presidente da CPE de Luanda foi pedir mais apoios ao Governador Provincial? Sendo Ele Juiz e Presidente da CPE como é que foi pedir auxílio ao Governador sem autorização do próprio Presidente da CNE? Outros intervenientes ao debate receiam ainda de que a qualidade de Declarante em que se encontra Manuel Pereira da Silva no referido processo-crime de que vem acusado o Higino Carneiro, pode ser convertida em Arguido, uma vez que Ele bem sabia da origem criminosa, do desvio orçamental, dupla cabimentação (CNE e GPL). E, mesmo assim, não se coibiu de receber o produto dos crimes supra referidos, sabe-se lá o porquê o terá feito.
Por outro lado, ficou também demonstrado pelos intervenientes ao debate, que o segundo candidato (Sebastião Bessa) não devia ser admitido ao concurso porque está a terminar o seu segundo mandato à frente da Comissão Provincial Eleitoral do Cunene. Faltando-lhe dois anos a frente daquela instituição, não faz sentido admiti-lo sob pena de, também Ele, vir a extravasar o limite do mandato legalmente estabelecido. Ou seja, ultrapassaria os 10 anos, atendendo que o mandato do Presidente da CNE é de 5 anos. Logo, estando a metade do seu segundo mandato, a sua admissão ao concurso é ilegal, assim concluíram os intervenientes. Ademais, e assim reza a doutrina, que o mandato das entidades administrativas independentes, como é o caso da CNE (artigo 107º da CRA) é fixo e, por conseguinte, não pode ser interrompido.
Chegados aqui, interrogaram-se os intervenientes, como é o caso do jornalista e advogado Carlos Veiga, o que justificará tanta demora, na decisão das providências cautelares? Terão sido também os marimbondos a manietarem o Tribunal Supremo e os Vogais do Conselho Superior da Magistratura Judicial? Será que os Juízes do Tribunal Supremo e os Vogais do Conselho Superior da Magistratura Judicial, farão “tábua rasa” as regras estabelecidas pela legislação competente quanto aos mandatos, designadamente o nº 3 do artigo 151º da Lei 36/11, de 21 de Dezembro, combinado com o nº1 do artigo 8º da Lei nº 12/12 de 13 de Abril, a favor dos interesses económicos e financeiros de certos grupos claramente identificados? Se for verdade, então a nossa justiça vai de mal a pior e a democracia e a soberania estão em risco.
Aliás, conforme instaram alguns participantes ao debate: a razão para compreender esta obsessão pela Presidência da CNE prende-se, ou pela apetência ao lucro fácil com que alguns sonham, ou ainda, a fuga ao trabalho que a magistratura representa, que se traduz na análise/relato e decisão de processos judiciais, sendo certo que, no final da carreira, irão reivindicar o estatuto de jubilação junto do Conselho Superior da Magistratura Judicial.
No limite, é expetável que tanto os Juízes Conselheiros do Tribunal Supremo quanto os Vogais do Conselho Superior da Magistratura Judicial, cumpram o juramento que um dia fizeram no sentido de respeitar a Constituição e as leis Republicanas do país, isto é, no caso concreto, aquelas entidades deverão ter a coragem de, por dever e obrigação legais, tratarem de expurgar do concurso todos os candidatos manifestamente admitidos à margem das disposições legais, sob pena de provocarem um movimento nacional de contestação (Partidos com ou sem assento parlamentar, as Organizações Não-Governamentais e a Sociedade Civil em geral), contra uma solução que ofenda as regras jurídicas aplicáveis ao presente concurso de provimento ao cargo de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral.
Assim seria olhando para a importância que esta instituição tem enquanto órgão independente que organiza, executa, coordena e conduz os processos eleitorais no nosso país, cujas novas lideranças têm apelado para uma nova postura das instituições e das pessoas perante os desafios pela consolidação do Estado Democrático e de Direito em Angola. Estamos todos atentos.
Bem-haja TV Zimbo.
04.12.2019