Luanda - Sociólogo angolano Agostinho Paulo considera que é preciso uma mudança urgente nas políticas públicas para travar insatisfação popular. Muitas famílias perderam poder de compra e pedem agora socorro em protestos de rua.

Fonte: DW África

Perante a insatisfação crescente em Angola causada pelo aumento da inflação, a subida do preço da gasolina e dos produtos de primeira necessidade e os graves problemas sociais, o cenário poderá ser de mais convulsões nos próximos tempos? Como contornar os atuais problemas?

Para o sociólogo Agostinho Paulo, não há dúvidas: é preciso uma "política mais tangente" para dar resposta aos problemas que os angolanos enfrentam e travar, assim, a insatisfação popular, que nos últimos dias tem levado muitos angolanos às ruas, em manifestações em várias cidades do país.

No entanto, defende o especialista em entrevista à DW África, é preciso encontrar um "meio-termo" para evitar atos de violência e protestos não pacíficos.

 

DW África: O que se pode esperar nos próximos tempos em Angola? Será que se corre o risco de haver mais convulsões sociais com esta insatisfação popular?

Agostinho Paulo (AP): As convulsões sociais ocorrem quando as políticas públicas não satisfazem as necessidades primárias da comunidade ou da população, porque o Estado deve criar formas e mecanismos de resolver os problemas no sentido de que cada indivíduo - quer estrangeiros, quer nacionais - se sinta satisfeito com a prestação de serviços [públicos]. E cada cidadão, angolano e estrangeiro, deve participar nas políticas públicas através dos impostos.

A situação atual ocorre em função da pressão que o Estado está a fazer, do ponto de vista da gestão, da política, da consciencialização sobre o pagamento de taxas e emolumentos por parte dos cidadãos. Há muito tempo que essa cultura não era tido nem achada por muitos angolanos, vivemos um período em que as taxas quase que não eram cobradas nem pagas. Então, vivemos nesse momento de anomia. O Estado [criou] uma política económica onde cada cidadão deve participar com aquilo que usufrui, dentro das políticas económicas, e como não estamos acostumados, sentimos essa inflexibilidade.

 

DW África: Perante o atual cenário, acha que é realista esperar mudanças do Governo do MPLA neste momento?

AP: Acho que nós devemos ter uma posição, e a posição é essa que se está a tomar. Houve uma subida do preço do combustível, [mas] não se acautelaram outros contingentes do ponto de vista social - estamos a falar das questões políticas, dos preços de mercado, que subiram a uma velocidade vertiginosa. Ainda assim, entendemos que o Estado, dentro das suas políticas de fiscalização, deve continuar a fiscalizar no sentido de pôr cobro a essa situação. Deve criar uma política reguladora, económica, social do ponto de vista de assistência médica, medicamentosa, saúde, alimentação, para que essas situações de convulsão social deixem de ocorrer.

Outra coisa: nós temos muitos mecanismos viáveis para reclamarmos dos nossos direitos, e a violência, o vandalismo, não é uma medida viável. A reclamação deve ser feita de forma digna, coesa.

 

DW África: Mas por vezes também há muita violência da parte da polícia. Acha que também tem havido excessos nesse sentido?

AP: A polícia é um órgão do Estado que visa garantir a ordem, a tranquilidade e a segurança pública. Para falar de violência, efetivamente, teremos primeiro de compreender quais são os princípios que regem a atuação policial, quais foram as medidas utilizadas pela polícia para reprimir determinados comportamentos que visam ou que vêm alterar a ordem pública. Depois de sabermos isso é que vamos avaliar se a força empreendida pelas forças de segurança foi medida ou se houve excessos.

Eu acompanhei a trecho a manifestação que ocorreu em Luanda, no sábado (17.06). Os cidadãos, independentemente de terem manifestado os seus direitos, deviam também respeitar as instituições do Estado. E a polícia, por sua vez, deveria usar os meios à medida, no sentido de não criar danos maiores - estamos a falar de ferimentos graves, estamos a falar de mortes, etc. E, acima de tudo, a polícia deve defender democracia. Porque nós, enquanto cientistas sociais e académicos, não vamos também colaborar com indivíduos que praticam atos que visam alterar a ordem pública.

O que nós precisamos é de encontrar meios-termos. Temos meios suficientes para a conversação. Vamos convocar os órgãos vocacionados, vamos conversar no sentido de encontrar um meio-termo para que não nos sintamos lesados do ponto de vista económico, do ponto de vista social, do ponto de vista físico e psicológico, porque somos angolanos e achamos nós que somos detentores de todos os direitos que a Constituição nos assiste.

 

DW África: Muitos manifestantes dizem que estavam numa marcha pacífica, que a polícia recorreu realmente à violência...

AP: Quando se diz manifestação pacífica, isso é o recomendado por lei. Mas se formos para o YouTube, vemos indivíduos a arremessarem pedras aos carros da polícia. A manifestação pública parte de um princípio de educação, uma palavra de ordem, sem que haja alteração da ordem pública. Aquilo que se vê subentende que talvez seja o resultado da atuação dos polícias, e a população não se sentiu bem, ou [talvez] a atuação da polícia foi em virtude do comportamento desviante da população.

 

DW África: Os manifestantes dizem que vão continuar este processo de luta para que haja mudanças, para que os combustíveis desçam, se possível. Prevê também um ambiente mais hostil, como dizem os manifestantes em Angola? Acha que esta hostilidade vai continuar nas ruas, sempre que houver alguma manifestação nesse sentido?

AP: A manifestação deve existir. Não podemos proibir, deve existir. Em Ciências Políticas, chamamos de "grupo de pressão" àquele grupo que vem pressionar o Estado no sentido de materializar as políticas públicas. Agora, o "grupo de interesse" é aquele que vai pressionar o Estado no sentido de atingir o poder. Nós podemos recomendar à população que se manifestem, mas que cumpram a lei da manifestação. Cumprir a lei da manifestação é dar a conhecer o período, o perímetro que vão percorrer, manifestando-se até atingir os objetivos.

 

DW África: Mas os motivos que levam as pessoas às ruas são válidos?

AP: São válidos, são necessidades. E de quê? Da melhoria do transporte público, saneamento básico, distribuição da renda, ver a questão da vida salarial dos funcionários, uma boa política financeira... Todos nós sentimos isso. Muitas famílias perderam poder de compra. E ao perder o poder de compra, o sofrimento começa a cantar vitória. Para tal, o grito de socorro, através da realização de manifestações, faz com que o Estado possa vergar-se no sentido de olhar o clamor da população e criar uma política mais ativa, uma política mais tangente para dar resposta às vicissitudes que o povo angolano de facto está a passar.