Luanda - Os Activos do Estado definem-se como sendo todos os direitos e bens móveis (equipamentos) e imóveis (activos imobiliários), incluindo os recursos financeiros (activos financeiros), que se enquadram no conceito de propriedade do Estado.

Fonte: Club-k.net

O que São Activos do Estado?

O Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE) enquanto Órgão Especializado do Ministério das Finanças do Executivo da República de Angola, tem como missão, a regulação e monitorização do Sector Empresarial Público, a execução da política e programa de privatizações e reestruturações, a gestão e controlo das participações financeiras do Estado, o acompanhamento e supervisão da gestão dos activos financeiros e dos Fundos Públicos, bem como a Gestão dos empréstimos concedidos pelo Estado.

Dentro do IGAPE existe o Departamento de Gestão de Activos com a responsabilidade de gestão e acompanhamento das participações do Estado nas Empresas de Domínio Público, controlo das Participações Minoritárias do Estado, monitorização e controlo dos Activos Financeiros do Estado, dos Fundos Públicos e a gestão dos Empréstimos concedidos pelo Estado.

A seguir enumeramos o enquadramento legal do Redimensionamento do Sector Empresarial Público (SEP). No âmbito dos processos em curso, são considerados os seguintes diplomas:



• Lei nº 10/19, de 14 de Maio - Lei de Bases das Privatizações
• Decreto Presidencial nº 250/19, de 5 de Agosto – Aprova o Programa de Privatizações para o período 2019 -2022, designado PROPRIV
• Lei nº 9/16, de 16 de Junho - Lei dos Contratos Públicos
• Lei nº 11/13 Lei nº 11/13, de 3 Setembro - Lei de Bases do Sector Empresarial Público

Em que Consiste Uma Privatização?

Do ponto de vista conceptual, uma privatização consiste num processo, através do qual o controle e a propriedade de uma empresa, de serviço público ou um activo estatal, são transferidos da esfera jurídica do sector público para a esfera jurídica do sector privado. O processo de transferencia pode ocorrer por meio da venda total ou parcial das acções ou das quotas de uma empresa estatal, da concessão de serviços públicos à iniciativa privada, ou ainda da transferência de propriedade de activos estatais para investidores privados.

Vamos analisar as consequências do anúncio do Presidente da República, João Lourenço, em Maio de 2022, segundo o qual estaria para breve a “Reprivatização” da emissora estatal TV Zimbo. O assunto voltou a ribalta nos últimos dias.

Pelo foco especifico do nosso artigo, consideramos despicienda a necessidade, na presente abordagem, de desfiar o historial da TV Zimbo e a narração dos eventos que culminaram com a passagem da sua titularidade dos antigos proprietários para o Estado Angolano, no âmbito do processo de recuperação de Activos.

Portanto, consideramos como cumpridos, por parte do executivo, todos requisitos legais para a concretização do processo em causa, com base na legislação angolana em vigor e atrás enumerada.

Partimos do princípio que nos ensina o velho brocardo latino:” Nemo plus iuris”, ou seja, ”ninguém vende aquilo que ele próprio não possui”, conforme diz o nosso povo. A aludida expressão em latim, representa um dos conceitos fundamentais do direito civil e das relações jurídicas, ao realçar a importância da legitimidade e da capacidade das partes para transferir a titularidade de direitos ou de assumir obrigações. Para o nosso propósito neste artigo, consideramos não ter qualquer relevância, o uso do termo “reprivatização” ou “privatização”.

Uma Decisão Incontornável

A decisão do executivo angolano em reprivatizar a televisão estatal “Zimbo” pode ser vista como um passo significativo rumo à diversificação e à democratização do cenário mediático no país. A privatização de meios de comunicação social estatais e a implantação de novos investimentos privados no sector, pode contribuir, de forma significativa, para a promoção da liberdade de imprensa e de expressão, da pluralidade de vozes e da independência editorial, elementos essenciais para o fortalecimento da democracia participativa que estamos a construir.

Ao permitir a entrada de investidores privados no sector de televisão, abre-se a possibilidade de ampliar a diversidade de conteúdos, de fomentar a concorrência saudável, bem como oferecer aos cidadãos uma gama mais ampla de opções informativas, educacionais e culturais. Além disso, a privatização pode estimular investimentos e inovações tecnológicas, contribuindo para o desenvolvimento do atractivo sector audio-visual no país.

Contudo, nos parece importante ressaltar que o processo de privatização, seja conduzido com a transparência desejada e que sejam estabelecidos mecanismos que garantam a preservação dos princípios democráticos e do interesse público na futura programação televisiva. É fundamental assegurar que a diversidade de opiniões e a representatividade das diferentes visões políticas e sociais sejam respeitadas no cenário que se abre com a privatização da TV Zimbo.

A transição de um modelo de monopólio estatal, para um modelo pluralista no sector televisivo pode representar um avanço significativo para a consolidação da democracia participativa em Angola, desde que seja acompanhada pela adopção de políticas que promovam a liberdade de expressão, o acesso equitativo à informação e a responsabilidade social por parte dos novos actores do mercado audio-visual. Esperamos, por isso, que essa mudança contribua positivamente para o fortalecimento do ambiente democrático no país.

As Prováveis Razões de Uma Pré-Qualificação

Alguns profissionais da comunicação social, como o veterano jornalista Reginaldo Silva, demonstram preocupação por ter sido anunciado uma pré-qualificação dos candidatos a participar do referido processo de privatização. Isso significa que o Executivo do presidente João Lourenço, estabelecerá critérios e requisitos claros para selecionar os potenciais investidores ou empresas interessadas em adquirir a emissora de TV Zimbo. Em nosso entender, essa etapa tem o objectivo de identificar os candidatos que atendam a determinados padrões de capacidade financeira, experiência no sector audio-visual, idoneidade e outros critérios relevantes estabelecidos pelo executivo.

Ao realizar-se a pré-qualificação, busca-se assegurar que os potenciais compradores tenham a “expertise” necessária para conseguir operar uma emissora de televisão de forma eficiente e sustentável. Deve também ser garantido que eles estejam em conformidade com as leis e as regulamentações em vigor no sector. Dessa forma, a pré-qualificação selecionará os candidatos que tenham a capacidade técnica, financeira e ética para assumir a responsabilidade de gerir um veículo de comunicação de alcance e impacto social relevante.

No quesito da “Pré-qualificão” nos parecem legítimas as preocupações de Reginaldo Silva. É importante que o processo de pré-qualificação seja conduzido de maneira transparente e imparcial, com a garantia de igualdade de oportunidades para os potenciais interessados e da promoção da participação de actores diversos no mercado audio-visual.

Ao estabelecer critérios claros e objectivos para a selecção dos participantes, através de uma etapa de pré-qualificação, entendemos que o executivo busque assegurar que a privatização da televisão estatal ocorra de acordo com princípios de legalidade, da transparência e do desiderato do interesse público. O processo contribuirá, inegavelmente, para atrair investidores comprometidos com a promoção da diversidade informativa, cultural e editorial, bem como o fortalecimento da liberdade de imprensa e da democracia participativa em Angola.

A Imperiosa Necessidade de Transparência

No quadro da escala de valores que adopta, o IGAPE aponta a transparência como uma das boas práticas universalmente aceites. Garante o IGAPE em seu portal que tais práticas “passam pela franca disponibilidade de informação de carácter público, apoiada numa estratégia de uma comunicação proactiva e de reporte constante, com a mais ampla acessibilidade ao nível dos canais e diálogo com todos os stakeholders, sujeitando-se voluntariamente ao escrutínio. Implica igualmente, que haja interna e externamente uma actuação coerente, leal e sem opacidade, seguindo regras e procedimentos prévia e claramente estabelecidos”.

A verdade seja dita que, se for realizado fora das boas práticas de transparência, o processo corre o risco de ficar viciado e de procurar responder a outros interesses, que não os do serviço público de televisão.

A transparência é um elemento fundamental em quaisquer processos de privatização, especialmente agora, quando se trata de um serviço público de grande impacto na vida da sociedade. A garantia de que o processo ocorra de forma transparente e aberta ao escrutínio público é essencial para assegurar que os interesses do serviço público sejam protegidos.

Apenas a transparência contribui para prevenir práticas com intenções corruptas ou favorecimentos indevidos para determinados candidatos. Existem potenciais influências externas que podem igualmente comprometer a integridade do processo. Além disso, ao promover a transparência, o executivo demonstra o seu compromisso com a responsabilidade da prestação de contas perante a nação e o fortalecimento da confiança dos cidadãos nas instituições estatais.

Portanto, é fundamental que o executivo e os órgãos responsáveis pela condução do processo adoptem medidas concretas para garantir a transparência ao longo de todas as etapas da privatização da Zimbo , desde a definição dos critérios de pré-qualificação até a selecção final dos compradores. Isso inclui, obviamente, a divulgação clara dos requisitos e procedimentos, a prestação de informações detalhadas sobre os candidatos pré-qualificados, e a abertura de espaços para questionamentos e avaliações por parte da sociedade civil e demais interessados.

A promoção da transparência não apenas fortalece a legitimidade do processo de privatização, mas também contribui para assegurar que a entidade de televisão privada resultante do anunciado processo de privatização, venha atender aos interesses públicos e promova a diversidade, a pluralidade e a qualidade na oferta do conteúdo televisivo em Angola.

O Que Se Espera da Nova TV Zimbo?

Antes de tudo, esperamos que a sustentabilidade financeira da nova emissora consiga suportar as pressões comerciais do mercado que possam afectar a sua independência editorial e a integridade dos seus profissionais, particularmente dos jornalistas.

Por outro lado, com a transição da estação estatal “Zimbo” para a esfera privada, é natural que venham a surgir expectativas e questionamentos sobre o papel e o impacto de uma televisão privada num contexto político complexo e peculiar como o angolano. A mudança de propriedade e a gestão de uma emissora de televisão pode ter repercussões significativas no cenário envolvente, na liberdade de expressão, na diversidade informativa e na relação entre a“mídia” e o poder político.

No ambiente político específico de Angola na actualidade, o ressurgimento de uma televisão privada vai levantar questões cruciais, quanto a sua independência editorial, a pluralidade de vozes, o respeito pela liberdade de imprensa e a capacidade da nova emissora actuar como um contra-peso crítico e responsável, em relação ao poder político estabelecido. Esperamos que uma televisão privada, sob novas condições jurídicas e editoriais, possa contribuir para a cultura de um debate público mais plural, aberto e inclusivo, oferecendo espaço para diferentes perspectivas, vozes e opiniões.

Portanto, diante de um processo de transição inédita em Angola, é fundamental que se promova um debate amplo e participativo sobre as expectativas em relação à televisão privada e que se acompanhe de perto o desenvolvimento desse novo cenário mediático, com o objetivo de assegurar que a liberdade de imprensa e a qualidade do jornalismo sejam preservadas em benefício da sociedade angolana.

Finalmente dizer que privatização de um serviço público de televisão estatal nao busca a questão financeira, como seu único escopo. Ela envolve, certamente, considerações que vão além do retorno financeiro imediato para o Estado.

No presente processo, o objectivo principal da privatização será, sem dúvidas, o de promover a eficiência na prestação do serviço, estimular a inovação e a concorrência no sector e garantir a sustentabilidade de longo prazo da emissora de televisão privada que resultará da grande marca que foi (ainda é) a TV Zimbo.

Jaime Azulay (Advogado e jornalista)

Consultas:
. C.R.A.
. Lei nº 10/19, de 14 de Maio - Lei de Bases das Privatizações
• Decreto Presidencial nº 250/19, de 5 de Agosto – Aprova o Programa de Privatizações para o período 2019 -2022, designado PROPRIV
• Lei nº 9/16, de 16 de Junho - Lei dos Contratos Públicos
• Lei nº 11/13 Lei nº 11/13, de 3 Setembro - Lei de Bases do Sector Empresarial Público
. Portal igape.minfin.gov.ao