Luanda - A presidente do Tribunal Constitucional (TC), Laurinda Cardoso, afirmou, terça-feira, em Maputo (Moçambique), que um dos grandes problemas da jurisdição constitucional, em Angola, é a execução pelos tribunais comuns das decisões proferidas em sede do recurso extraordinário de inconstitucionalidade.

Fonte: Angop

A magistrada falava durante a sessão de trabalho da VI Conferência das Jurisdições Constitucionais dos Países de Língua Portuguesa, que Moçambique acolheu, de 15 a 16 deste mês.

Lembrou a relevância e a prevalência das decisões do Tribunal Constitucional em relação aos outros poderes, nomeadamente, o legislativo, o executivo e o judicial.

Afirmou que, em relação às decisões dos tribunais da jurisdição comum, a grande maioria das decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional resultam de processos de fiscalização concreta, ou seja, o recurso extraordinário de inconstitucionalidade (REI), após esgotamento da cadeia recursória da jurisdição comum.

“Ironicamente é, exactamente, em relação aos órgãos judiciais, e em particular à jurisdição suprema comum, que as decisões do Tribunal Constitucional encontram maiores constrangimentos (resistência) em termos de execução”, lamentou.

A título de exemplo, prosseguiu, existem dezenas de decisões do Tribunal Constitucional que os demais tribunais, com realce para o Tribunal Supremo, têm dificuldades em executar.

Reiterou que a protecção dos direitos fundamentais e a garantia do princípio da supremacia da Constituição no sistema jurídico angolano é uma função de todos os tribunais, no quadro da chamada fiscalização difusa da constitucionalidade.

Acrescentou que, de igual modo, a protecção judicial, no âmbito dos direitos fundamentais e dos valores da Constituição, é também uma função dos tribunais da jurisdição comum.

Por isso, realçou, existindo dúvidas, conflitos de interpretação e/ou aplicação incorrecta, a jurisdição constitucional, sempre que demandada, exerce a sua judicação, devendo ter a primazia material decisória que a constituição lhe confere.

Laurinda Cardoso sublinhou que o Tribunal Constitucional, em vários dos seus acórdãos, deixa claro que não é uma instância de “super-revisão” jurídica nem factual, mas também não pode abster-se completamente do controlo de tais sentenças e ignorar o facto de que as regras podem ter sido ignoradas.

Esclareceu que não cabe ao TC determinar se as decisões estão correctas nos termos do Direito Comum, já que não aprecia a matéria de facto.

"O Tribunal apenas controla se a sentença judicial viola um princípio ou direito constitucional específico", afirmou.

Exemplificou que o Tribunal Constitucional não apreciaria os fundamentos de razão das partes envolvidas, mas apenas se o objecto de um arresto determinado por um tribunal da jurisdição comum foi interpretado, ultrapassando os limites estabelecidos pela Constituição.

Em particular, quando tal interpretação é incompatível com o sentido e o alcance dos direitos, garantias e liberdades fundamentais consagrados na Constituição, cabe-lhe a competência para decidir em última instância.

Neste sentido, vincou a juíza, deve o tribunal da jurisdição comum (sendo irrelevante o seu grau hierárquico) considerar formal e materialmente a decisão do Tribunal Constitucional, expurgando a inconstitucionalidade determinada.

Para concluir, Laurinda Cardoso afirmou que a vitalidade funcional de um Estado de Direito é observável à vista desarmada, não quando os poderes se exercem expansivamente de forma concorrencial, mas quando eles, "justa e constitucionalmente, se autolimitam, para se conformarem existencialmente numa admissão de interdependência recíproca".

Aparente conflito

Para melhor compreensão da questão e dos aparentes conflitos, a presidente do Tribunal Constitucional fez uma breve retrospectiva sobre a jurisdição constitucional em Angola.

Disse que foi com a Lei Constitucional de 1991/92 que o Tribunal Constitucional passou a ter consagração na Constituição.

Porém, a sua real institucionalização foi protelada por uma década e meia, sendo que, as suas competências eram exercidas até então pelo Tribunal Supremo (órgão máximo da Jurisdição Comum), mantendo-se assim por um longo período um status meramente transitório previsto por aquela Lei Constitucional.

O Tribunal Supremo exercia competências constitucionais, dentre estas, apreciar em recurso, as decisões dos demais tribunais que aplicassem ou se recusassem aplicar normas cuja constitucionalidade tivesse sido suscitada.

O recurso supracitado não dispunha de um nome técnico-jurídico próprio, até ao ano de 2008, altura em que foi institucionalizado o Tribunal Constitucional com a aprovação e publicação das Leis n.º 02/08 e n.º 03/08, ambas de 17 de Junho -, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional e Lei Orgânica do Processo Constitucional, respectivamente.

Com a aprovação destes dois importantes diplomas, o Tribunal Constitucional, em matéria de recurso, passou a apreciar dois tipos: o Recurso Ordinário de Inconstitucionalidade (ROI) e o Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade (REI), que são mecanismos jurídicos de fiscalização concreta da constitucionalidade.

Sem descurar as várias metamorfoses que marcaram a história constitucional angolana, frisou que “o grande salto” evolutivo do constitucionalismo verificou-se com a aprovação da Constituição da República de Angola, isto é, em 2010.

Assim sendo, disseu que a Constituição reforçou os fundamentos do Estado Angolano, ancorados nos princípios do Estado democrático e de Direito, no respeito pela dignidade da pessoa humana e na vontade do povo, tendo como objectivo fundamental a construção duma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social.

Reforçou, também, as garantias e limitou as competências dos órgãos que compõe o Sistema jurisdicional angolano, com realce para o Tribunal Constitucional.

Este, enquanto órgão competente na administração da justiça em matérias de natureza jurídico constitucionais, as suas decisões são de cumprimento obrigatório para todas as entidades públicas ou privadas e prevalecem sobre as dos restantes tribunais e de quaisquer autoridades, incluindo o Tribunal Supremo.

Com efeito, concluiu, na eficácia e execução das decisões, a Constituição é peremptória, elevando a uma declaração de constitucionalidade com natureza executiva ou seja, com força obrigatória geral e produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e determina a repristinação da norma revogada.