Luanda - Nos últimos seis meses, o sistema ferroviário de Angola entrou no caos, com os passageiros a enfrentarem condições insuportáveis, sobretudo na rota Lobito-Luena. As redes sociais estão inundadas com imagens de comboios sobrelotados, calor sufocante e passageiros a andar sobre o trem por falta de espaço. Apesar do clamor público e de um pedido de desculpas oficial por parte da Caminho de Ferro de Benguela (CFB), empresa responsável pelo transporte de passageiros, nada mudou. Nos bastidores, porém, o Consórcio Ferroviário Atlântico do Lobito (LAR) tem estado a mexer os cordelinhos, mudando o foco do sistema ferroviário e, indirectamente, piorando as condições para os cidadãos angolanos.

Fonte: Club-k.net

A TEIA DA RESPONSABILIDADE
À primeira vista, poder-se-ia pensar que se trata simplesmente de um caso em que o CFB está sobrecarregado pela procura de passageiros e por infra-estruturas precárias. No entanto, a realidade é muito mais complicada. O Consórcio Ferroviário Atlântico do Lobito (LAR), embora não esteja directamente envolvido no transporte de passageiros, tem um controlo significativo sobre a infra-estrutura ferroviária mais ampla, que inclui as vias e instalações utilizadas pelo CFB. A LAR, impulsionada pelo desejo de maximizar o transporte de mercadorias, especialmente minerais para exportação, tem priorizado cada vez mais as suas operações de carga em detrimento das necessidades dos passageiros locais. Os recursos e as infra-estruturas que outrora apoiavam os serviços de passageiros estão agora a ser controlados pelas ambições de transporte de mercadorias da LAR.


Embora a LAR não administre oficialmente os serviços de passageiros, a sua influência na rede ferroviária significa que o CFB ficou com menos comboios e recursos para alocar aos passageiros diários. Os comboios de mercadorias, que geram receitas significativas nos mercados internacionais, dominam agora as vias, deixando os passageiros angolanos com pouco mais do que comboios sobrelotados e com pouca manutenção. No fundo, a estratégia agressiva de transporte de mercadorias da LAR afastou efectivamente o CFB das suas próprias operações de passageiros, obrigando os angolanos a suportar o peso da deterioração do serviço.

FRETE DE PASSAGEIROS
O foco da LAR no transporte de mercadorias, especialmente cobre e outros minerais, para compradores internacionais, particularmente nos EUA e na Europa, criou uma situação em que o transporte de mercadorias tem precedência. Recentemente, a LAR vangloriou-se de transportar cobre da República Democrática do Congo para os EUA, realçando ainda mais a crescente influência do consórcio na infra-estrutura ferroviária da região.


Embora a CFB ainda seja tecnicamente responsável pelos serviços de passageiros, as linhas entre as duas empresas esbateram-se e é evidente que as ambições de transporte de mercadorias da LAR surgiram em detrimento do transporte de passageiros. O resultado? Menos comboios para passageiros, menos investimento na manutenção ou modernização das instalações de passageiros e um sentimento crescente de negligência por parte dos poderes.

AUMENTOS DE TARIFAS E INFLAMAÇÃO PÚBLICA
Como se a deterioração das condições não bastasse, começaram a circular rumores de um aumento das tarifas dos passageiros. Uma publicação oficial do CFB no Facebook, que sugeria o aumento dos preços dos bilhetes, foi rapidamente apagada após uma onda de reação pública. No entanto, o mal já estava feito. A possibilidade de tarifas mais elevadas, aliada às condições já de si terríveis, deixou os angolanos indignados.


É importante notar que a influência da LAR se estende provavelmente para além do transporte de mercadorias. Relatórios recentes sugerem que o aumento dos custos e a pressão dos mercados internacionais levaram várias empresas a abandonar completamente o Corredor do Lobito, e o consórcio pode agora estar a tentar recuperar as perdas, pressionando por tarifas mais elevadas para os passageiros.


Quer directa ou indirectamente, o modelo de transporte de mercadorias com fins lucrativos da LAR parece estar a contribuir para a deterioração da experiência dos passageiros, tornando as viagens diárias ainda mais caras e desconfortáveis para os angolanos.

O QUE SE AGUARDA PARA OS PASSAGEIROS DE ANGOLA?
Com a LAR a reforçar o seu controlo sobre a infra-estrutura ferroviária e o CFB aparentemente marginalizado, o futuro parece sombrio para os passageiros ferroviários de Angola. A aposta no transporte de mercadorias, impulsionada pela procura internacional, significa que o transporte de passageiros continuará provavelmente a ser negligenciado. E com aumentos de tarifas no horizonte, os angolanos ficam a perguntar-se quanto mais terão de pagar por um serviço que continua a deteriorar-se.


No final, embora o CFB possa ser o rosto dos serviços de passageiros, foi o controlo da LAR sobre a infra-estrutura ferroviária que preparou o terreno para esta crise. Enquanto o consórcio priorizar o transporte de mercadorias para satisfazer a procura internacional, os passageiros angolanos continuarão a sofrer, pagando tarifas mais elevadas por condições piores, enquanto a LAR colhe os benefícios de um sistema ferroviário cada vez mais orientado para servir os mercados ocidentais.

João Mário de Azevedo