Lisboa – A reunião realizada pelo líder do MPLA, João Lourenço, no dia 26 de agosto, com os Primeiros-Secretários dos Comitês de Ação do Partido (CAP), é mencionada em círculos do regime como tendo semelhanças com outra reunião realizada por José Eduardo dos Santos há mais de 20 anos, quando percebeu que o então Secretário-Geral do partido, João Lourenço, alimentava pretensões de sucedê-lo.

Fonte: Club-k.net

O mesmo o que JES fez com ele em 2003

Após o fim do conflito armado, José Eduardo dos Santos queria avaliar o ambiente em torno da sua imagem e identificar elementos que ambicionavam a sua posição. Certa vez JES teria afirmado que o candidato nas próximas eleições não se chamaria José Eduardo dos Santos. Em seguida, orientou o então Secretário-Geral João Manuel Gonçalves Lourenço a fazer um levantamento dos potenciais sucessores e a submeter as sugestões à consulta das bases.

 

Seguindo a lógica da hierarquia partidária, João Lourenço, sendo o número dois do partido, colocou o seu nome na primeira posição da lista e a submeteu às bases, sem perceber que se tratava de uma armadilha. José Eduardo dos Santos esperava ouvir discursos que o encorajassem a permanecer na chefia do Estado, mas isso não ocorreu. Lourenço, durante uma visita a Cabo Verde, adiantou que JES era um homem de palavra, ficando assim marcado como alguém que almejava o lugar do líder.


No meio daquele ano, JES convocou uma reunião com os coordenadores das células únicas junto às empresas públicas, precursoras dos CAP, no Cine Karl Marx, em Luanda. Ao contrário da reunião de Lourenço em 26 de agosto, o antigo líder José Eduardo dos Santos deixou as bases à vontade, e elas começaram a criticar e denunciar ministros dos órgãos a que pertenciam. Meses depois, foi realizado um congresso que afastou João Lourenço do cargo de Secretário-Geral do partido, relegando-o à Assembleia Nacional como número dois.


Estudiosos consultados pelo Club-K, afirmam que as lideranças do MPLA reagem negativamente à concorrência ou a sinais de que quadros queiram disputar a presidência do partido. Em 1977, o MPLA previa a realização de um congresso eletivo, no qual se especulava que Nito Alves encabeçaria uma corrente alternativa. Em março daquele ano, o então presidente Agostinho Neto convocou um comício na Cidadela, atacando a corrente de Nito Alves. Em maio, Neto acusou essa corrente de planejar um golpe de Estado, executando-os sem julgamento.

 

Em 1992, José Eduardo dos Santos concorreu às eleições presidenciais investido de seus plenos poderes como Chefe de Estado. Jonas Savimbi, seu principal rival, inicialmente se opôs, mas acabou aceitando, devido a consensos políticos que exigiam um líder com tais poderes.

 

Na época, uma equipe de brasileiros que assessorava o regime sugeriu a JES uma segunda hipótese: suspender a presidência e deixar a transição nas mãos de Lopo do Nascimento, então Secretário-Geral do MPLA, considerado pela equipe brasileira como uma figura consensual. A condição era que Lopo não pudesse ser candidato presidencial. JES rejeitou a proposta, considerando-a um “golpe de estado”. A partir de então, surgiram ciúmes internos pela aceitação que Lopo vinha recebendo.


Ainda incomodado com a popularidade de Lopo, JES realizou o conhecido "congresso da batota" em dezembro de 1998, amplamente organizado por Lopo. O congresso foi marcado pela intervenção de agentes de segurança, que informaram aos militantes o suposto desejo de JES de que Lopo não fosse reconduzido. Na última hora, Mário Alcântara Monteiro, presidente do comitê eleitoral, foi substituído por Desidério Costa. Lopo foi não só removido do cargo de Secretário-Geral, mas também afastado do Comitê Central. JES nomeou, em seu lugar, o então coronel João Lourenço, na época Secretário de Informação do MPLA.


Passados mais de 20 anos, o fantasma do desejo de controlar a sucessão ainda ronda o MPLA. Agora, é João Lourenço quem resiste à ideia de um congresso democrático e com múltiplas candidaturas, hostilizando candidatos potenciais.