Luanda - A trajectória democrática de Angola é marcada por uma história complexa de colonização, guerra civil e transformação política. Desde a independência de Angola em 1975 até os dias actuais, o País enfrentou diversos obstáculos na construção de um sistema democrático efectivo. Este artigo analisa o estado actual da democracia angolana e os principais desafios para seu fortalecimento nos próximos anos.
Fonte: Club-k.net
CONTEXTO HISTÓRICO
Angola conquistou sua independência em 11 de novembro de 1975, após uma longa guerra de libertação. No entanto, o país mergulhou imediatamente em uma guerra civil que durou quase três décadas, terminando apenas em 2002 com a morte de Jonas Savimbi, líder da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola). Durante esse período, o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) manteve-se no poder sob a liderança de José Eduardo dos Santos, que governou o país por 38 anos (1979-2017).
As primeiras eleições multipartidárias ocorreram em 1992, seguidas por eleições em 2008, 2012, 2017 e 2022. A transição de José Eduardo dos Santos para João Lourenço em 2017 marcou uma nova fase na política angolana, com promessas de combate à corrupção e abertura econômica. As eleições de 2022 confirmaram a continuidade do MPLA no poder, embora com uma margem menor de votos.
ESTADO ATUAL DA DEMOCRACIA
A democracia angolana apresenta características de um sistema híbrido, com elementos democráticos formais, mas com desafios significativos em termos de pluralismo político efetivo. O país realiza eleições periódicas, possui uma constituição que garante direitos fundamentais e conta com um sistema multipartidário. No entanto, persistem questões estruturais que limitam o pleno desenvolvimento democrático:
1. Concentração de poder: O sistema político angolano continua a apresentar forte concentração de poder no Executivo e no partido governante, o MPLA, que mantém o controle do Estado desde a independência.
2. Liberdade de imprensa: Organizações internacionais apontam restrições à liberdade de imprensa e expressão, com meios de comunicação majoritariamente controlados pelo Estado ou por pessoas ligadas ao governo.
3. Participação cidadã: Apesar do crescimento da sociedade civil, a participação efetiva dos cidadãos nos processos decisórios ainda é limitada.
4. Divisão de poderes: A independência do Judiciário e o equilíbrio entre os poderes continuam sendo desafios importantes para o fortalecimento institucional.
DESAFIOS FUTUROS
1. Diversificação Econômica
A economia angolana permanece altamente dependente do petróleo, que representa cerca de 90% das exportações e mais de 60% das receitas governamentais. Esta dependência torna o país vulnerável às flutuações do mercado internacional e dificulta o desenvolvimento de uma base econômica diversificada que possa sustentar o crescimento inclusivo necessário para a estabilidade democrática.
A diversificação econômica não é apenas um imperativo econômico, mas também político. Uma economia mais diversificada pode contribuir para a emergência de uma classe média independente e de um setor privado autônomo, elementos fundamentais para o equilíbrio de poder em uma sociedade democrática.
2. Fortalecimento Institucional
As instituições democráticas em Angola precisam de maior autonomia e capacidade para cumprir suas funções. Isso inclui um Judiciário independente, um Legislativo efectivo e órgãos de controle capazes de fiscalizar as ações do Executivo. A politização das instituições continua sendo um obstáculo significativo para o desenvolvimento democrático.
O fortalecimento institucional passa também pela descentralização administrativa e política, com a implementação efetiva das autarquias locais previstas na Constituição, mas ainda não realizadas plenamente.
3. Combate à Corrupção e Transparência
A corrupção sistêmica representa um dos maiores desafios para a democracia angolana. Apesar dos esforços recentes de combate à corrupção, incluindo processos contra figuras anteriormente intocáveis do regime, a percepção pública é de que ainda há um longo caminho a percorrer para estabelecer uma cultura de integridade e transparência na administração pública.
A transparência na gestão dos recursos públicos, especialmente das receitas petrolíferas, e a prestação de contas são elementos essenciais para construir a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas.
4. Inclusão Social e Redução das Desigualdades
Angola apresenta índices alarmantes de desigualdade social, com uma pequena elite controlando grande parte da riqueza nacional, enquanto a maioria da população vive em condições precárias. A redução dessas desigualdades é fundamental para a consolidação democrática, uma vez que a exclusão social alimenta tensões e descontentamento.
Investimentos em educação de qualidade, saúde pública, habitação e infraestrutura básica são necessários para promover a inclusão social e criar as condições para uma cidadania ativa e consciente.
5. Renovação Política e Participação Juvenil
A população angolana é predominantemente jovem, com mais de 60% dos habitantes tendo menos de 25 anos. Esta nova geração, nascida após o fim da guerra civil e mais conectada globalmente, demanda maior participação política e renovação das lideranças.
A incorporação efetiva da juventude nos processos decisórios e a renovação das elites políticas são desafios importantes para a vitalidade democrática no futuro próximo. As novas gerações trazem perspectivas diferentes sobre governança, transparência e participação cidadã.
PERSPECTIVAS E OPORTUNIDADES
Apesar dos desafios, existem oportunidades significativas para o avanço democrático em Angola. O crescimento das organizações da sociedade civil, a maior conectividade digital que facilita a circulação de informações e o debate público, e a pressão internacional por boa governança são fatores que podem contribuir positivamente.
A transição para uma economia mais verde e sustentável também representa uma oportunidade para repensar o modelo de desenvolvimento e promover práticas mais inclusivas e transparentes.
CONCLUSÃO
O caminho para a consolidação democrática em Angola é complexo e exigirá um compromisso contínuo com reformas estruturais. Os desafios são significativos, mas a resiliência demonstrada pela sociedade angolana ao superar décadas de conflito sugere uma capacidade de transformação que não deve ser subestimada.
O futuro da democracia angolana dependerá da capacidade do país de equilibrar a estabilidade política com a abertura para mudanças necessárias, promovendo
inclusão, transparência e participação efetiva dos cidadãos nos processos decisórios que afectam suas vidas. A verdadeira democracia em Angola só será alcançada quando as instituições servirem aos interesses da maioria da população e não apenas de grupos privilegiados.
Por Simao Timóteo. Pesquisador do Direito Financeiro da Universidade de Sunderland, Reino Unido