Luanda - Estes dois livros — 1984, de George Orwell, e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley — foram a faísca que incendiou a minha consciência. Foram os abriram os olhos para a armadilha das sociedades fechadas, para a crueldade disfarçada de ordem, para a mentira elevada à política de Estado. Depois de os ler, nunca mais consegui aceitar o autoritarismo como algo normal — nem aqui, nem em parte alguma do mundo.
Fonte: Club-k.net
Hoje, quando observo o nosso país, vejo que o nosso autoritarismo não é apenas orwelliano, de vigilância e repressão. É também huxleyano: uma anestesia coletiva, uma embriaguez de propaganda, festas e migalhas de consumo que mascaram a profunda ausência de liberdade, de justiça, de dignidade.
Vivemos o pior dos dois mundos: o medo e a ilusão, a ameaça e a distração.
Desde 1975, o MPLA, vosso partido, tem governado este país como se lhe pertencesse, como se Angola fosse um bem pessoal herdado pela força e mantido pela manipulação.
Quantas gerações já se perderam entre promessas não cumpridas e esperanças esmagadas? Quantos jovens hoje confundem conformismo com patriotismo porque lhes ensinaram a aceitar o que é intolerável? Até quando continuarão a maquilhar a miséria com slogans de progresso enquanto o país sangra e a juventude que pode emigra? Até quando continuarão a inventar inimigos para justificar a repressão?
Não, não é patriotismo aceitar o atraso, a miséria, a corrupção. Não é patriotismo calar diante da injustiça. Patriotismo verdadeiro é querer um país livre, é querer cidadãos com voz, pensamento crítico, dignidade plena.
Hoje, mais do que nunca, é urgente romper com este ciclo de dominação e ilusão. Urge que o MPLA olhe para si mesmo e tenha a coragem — se ainda a tem — de reconhecer que o seu projeto, se alguma vez teve algum, se desviou, que perdeu a alma revolucionária para se tornar aquilo que um dia prometeu combater: um sistema fechado, opressor, autoindulgente.
Vocês, do MPLA, trariam o sangue dos que acreditaram em vós. Trairam a memória dos milhares de angolanos que morreram nos 32 anos de conflito a sonhar com uma Angola livre, em paz e próspera!
Ainda há tempo para mudar. Mas o tempo não é eterno.
A história, implacável, já começou a escrever o juízo. Que lado dela escolheremos habitar?