Luanda - JLO tem dois anos. Apenas dois. E não são dois anos de governação, mas dois anos de reflexão profunda – sobre o passado que ajudou a construir, o presente que lhe escapa por entre os dedos, e o futuro que o assombra como uma tempestade anunciada. Dois anos para decidir: quer sair do poder protegido ou perseguido?
Fonte: Club-k.net
A História, quando tem boa memória, é implacável. Em 2013, o cientista político Ricardo Soares de Oliveira escreveu em “Angola: Magnífica e Miserável” que qualquer sucessor de José Eduardo dos Santos acabaria por culpá-lo por todos os males do país. Dito e feito. João Lourenço empunhou a espada da moralização como quem ergue um troféu – e varreu o clã dos Santos com uma fúria selectiva. Isabel, Zenu, Tchizé… e até o cadáver de JES foi perseguido, num dos actos mais grotescos de um poder que confundiu justiça com vingança.
Mas o tempo, esse mestre de ironias, agora devolve a factura. João Lourenço vê-se diante da mesma encruzilhada: ou sai em paz, com garantias mínimas de dignidade e protecção, ou será transformado em bode expiatório da tragédia nacional, tal como fez com seu antecessor.
Desde que assumiu a presidência, a vida dos angolanos só conheceu um sentido: para baixo. A inflação morde, o desemprego devora, o transporte público colapsa, a educação míngua, a juventude emigra, a infância prostitui-se, e a esperança tornou-se uma palavra exilada. Tudo isso sob o receituário neoliberal prescrito pelo FMI, que João Lourenço aceitou com a docilidade de um bom aluno colonial: IVA, cortes nas subvenções, aumentos sucessivos dos preços dos combustíveis e da cesta básica – um comboio suicida rumo à recessão moral e social.
E enquanto o povo se afundava, o presidente voava. Foram mais de 40 países visitados, perto de um bilhão de dólares gastos, numa obsessão diplomática que nunca devolveu pão nem liberdade. Apenas fotos, palmadinhas nas costas e contratos duvidosos.
Agora, o relógio constitucional corre. João Lourenço não pode legalmente concorrer a um terceiro mandato. E pela primeira vez, um presidente angolano confronta-se com um problema que nem Agostinho Neto, nem José Eduardo dos Santos enfrentaram em vida: a solidão interna do poder.
Dentro do próprio MPLA, os abutres já circulam. Manuel Homem e Adão de Almeida disputam as luzes da ribalta, mas é Higino Carneiro, general como ele, que representa o pesadelo real – conhecedor dos bastidores, com contas por ajustar, e olhos postos no trono. O MPLA, cansado de um líder impopular, não hesitará em atirá-lo às feras para renovar a sua máscara.
E aí surge o dilema: quem protegerá João Lourenço quando o palácio deixar de ser sua fortaleza?
A resposta pode parecer absurda, mas é lógica: Adalberto Costa Júnior. Sim, o homem que ele tentou destruir politicamente, o líder da UNITA que resiste e cresce, o opositor que o regime teme, mas que tem dado provas de maturidade institucional. Seria ele o único com estatura e interesse em garantir uma transição sem humilhação, à semelhança do que aconteceu na Zâmbia com Hakainde Hichilema ou no Senegal com Bassirou Diomaye Faye. Edgar Lungu e Macky Sall perseguiram seus maiores adversários , mas no fim, cederam. Vivos e relactivamente protegidos.
A pergunta que se impõe, então, não é constitucional nem ideológica – é psicológica:
João Lourenço será capaz de engolir o próprio orgulho?
Será capaz de estender a mão àquele que tentou derrubar, em nome de sua própria sobrevivência?
Ou preferirá confiar nos sorrisos de Manuel Homem, nas promessas de Adão de Almeida, nos cálculos de Higino Carneiro – os mesmos que hoje lhe aplaudem e amanhã lhe apontarão o dedo?
Há líderes que saem do poder e passam a ser figuras de referência. Outros saem e viram réus. João Lourenço ainda pode escolher qual dos dois destinos terá. Mas para isso, precisa entender uma licção que nem o Fernando Garcia Miala e Franscisco Furtado lhe ensinaram: o verdadeiro poder está em saber quando recuar com dignidade.
E o tempo para essa decisão começou ontem.
Por Hitler Samussuku