Luanda - Fernando da Piedade Dias dos Santos, mais conhecido como Nandó, poderá muito bem ser o último grande pilar de consenso dentro do MPLA depois da era José Eduardo dos Santos. Não é que seja o mais carismático, o mais erudito ou o mais estratega — não é disso que se trata. Nandó representa uma memória institucional viva, um quadro com autoridade moral e política acumulada ao longo de décadas, respeitado em diferentes alas do partido. Exerceu as mais relevantes funções na era JES: vice-ministro, comandante-geral da Polícia, ministro do Interior, primeiro-ministro, vice-presidente da República e presidente da Assembleia Nacional. Nandó é hoje a figura intermédia entre o Conselho de Honra — órgão de consulta — e a direção do partido. É o homem com força política e legitimidade para dialogar com as diferentes sensibilidades internas.

Fonte: Club-k.net

Num momento em que o MPLA se aproxima de uma encruzilhada, pode caber-lhe a missão de promover o reencontro necessário para garantir a coesão e a estabilidade da força política que governa Angola desde a independência.

A realidade é clara: o partido não pode permitir-se o luxo da fragmentação. A estabilidade interna é, agora mais do que nunca, uma prioridade absoluta. Durante o mandato de João Lourenço, o partido concedeu-lhe praticamente tudo — apoio interno, legitimidade para implementar reformas, capital político e institucional. Mas, à medida que o tempo avança, torna-se cada vez mais evidente que muitas das mudanças prometidas ficaram aquém das expectativas.

O Congresso Extraordinário deveria ter sido um momento de viragem, um sinal de que o partido se preparava seriamente para uma transição estruturada e previsível. No entanto, a liderança optou por um atalho, adiando as reformas internas e evitando decisões difíceis. Nandó, que poderia ter sido uma figura agregadora e moderadora nesse processo, não foi tido nem achado — aliás, tudo indica que terá sido desencorajado a avançar com uma candidatura. Não se sabe se será possível repetir a mesma manobra com outros potenciais candidatos, como Higino Carneiro.

É preciso lembrar que está em causa o futuro — o testemunho, o legado para as próximas gerações. O partido não é propriedade de quem combateu. Os angolanos precisam — e esperam — que haja maturidade política suficiente para se perceber que o mais importante é realizar a vida dos cidadãos.

Constitucionalmente, o mandato de João Lourenço termina em dois anos. O tempo político, contudo, move-se mais rápido do que o calendário oficial. O MPLA precisa de começar a preparar, desde já, a sua renovação — tanto em ideias como em lideranças. Não se trata apenas de quem sucede a quem, mas de como se processa essa sucessão: se de forma ordenada, aberta e participativa, ou por meio de decisões de cúpula que empurram as tensões para o futuro.

A história recente ensina-nos que adiar transições ou reprimi-las não elimina os conflitos — apenas os adormece. A legitimidade constrói-se com inclusão, com debate interno franco e com uma leitura honesta das expectativas dos militantes e da sociedade. O MPLA, como partido histórico, tem a responsabilidade de dar o exemplo e mostrar que sabe renovar-se sem se desestruturar. É que os partidos políticos há muito deixaram de ser propriedade exclusiva dos seus membros e militantes.

A hora de decidir é agora. O país observa, os militantes aguardam — e o tempo não perdoa.