Brasil - Tem-se que antes dos gregos, em outros lugares e povos já se havia experimentado práticas democráticas; mas historicamente aponta-se a Grécia como o berço da democracia. Foram os gregos que acunharam esse termo, que deriva de demokratia: demos, povo e kratos, poder, ou seja, definido como o poder do povo. Contudo, há notáveis diferenças entre as ideias antiga e contemporânea de democracia. Basta dizer, a título de exemplo, que, na antiguidade, o povo era formado por poucas pessoas e o sufrágio não era universal.


Fonte: Club-k.net


Deste modo, é preciso se ter em conta de que mais do que um princípio inscrito na Carta Magna, (art. 2º, 1 da CRA) a democracia constitui o fundamento e o valor essencial das sociedades ocidentais, definindo sua estética, o modo como elas existem e operam. Essa assertiva é tão verdadeira que o artigo XXI da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, e o artigo 25 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 1966, elevaram-na ao status de direitos humanos.


Nós angolanos, e de um modo geral os povos africanos, mesmo que não se queria aceitar, estamos imbricados com a forma ocidental de pensar e ver o mundo. Isso é fruto de laços históricos muito fortes que nos unem; assim, até o nosso sistema constitucional ou democrático, embora jovem, é fruto também dessa influência. Por isso, sou cético quanto à criação de um sistema eleitoral e democrático apenas nosso, tal como o que foi criado de modo tão teratológico pela nossa atual Carta Política, diga-se de passagem, um sistema novo, que no mundo inteiro só existe em Angola. Não creio, portanto, que a atual constituição abriu o país para democracia, antes pelo contrário, aniquilou-se aquilo para e pelo qual lutamos.

 

Porém, é preciso ressaltar que a despeito da previsão formal de diplomas normativos, a democracia não é algo fixo, pois se encontra em permanente construção; para muitos pensadores políticos, cuida-se de ideal a ser alcançado, é, portanto, um vir a ser. Como ideal, a busca constante de sua concretização exige a efetiva participação de todos os integrantes da comunhão social, no nosso caso específico, exige a participação de todos angolanos, sem exceção de qualquer natureza, nos limites da lei.

Trata-se de uma dos mais preciosos valores da atualidade; logo, não é uma criação do nosso direito muito menos da nossa constituição como às vezes alguns líderes angolanos, principalmente os do MPLA pensam. Aliás, às vezes o próprio MPLA entra em contradição, pois, já ouvimos o seu presidente em discurso dizer que a democracia era uma coisa estranha à nós; ora se é estranho à nós, como pode alguns membros do MPLA se “vangloriarem” do nosso mísero sistema democrático ao ponto de o considerarem como criação do nosso direito o atribuindo “exclusivamente” ao JES e ao seu Partido?

É claro que isso é uma inverdade até porque a democracia é um valor universal construído historicamente. É, portanto, fruto do anseio da alma humana de um modo geral que com o tempo confluiu para a realização de certas ideias que tornaram-se consenso nas comunidades modernas, passando a moldar-lhe o perfil, integrando, pois, seu acervo cultural; sua história.

Daí em diante, transformam-se em referências importantes para a tomada de decisões, e mesmo para a substância daquele modelo de vida social. Impõem-se naturalmente, de maneira a moldar a estrutura e o pensamento político da sociedade, participando de sua própria identidade, de seu modo de ser.

Assim ocorre com a democracia. As inúmeras batalhas travadas em torno do alargamento da liberdade, para a conquista e a manutenção do poder político, a luta por maior participação popular no governo e, pois, no exercício desse mesmo poder, os conflitos em prol de sua delimitação, a peleja pela afirmação de direitos humanos e fundamentais, pela efetivação de direitos sociais, a evolução das instituições – tudo somado contribui para que alguns valores se erguessem e se firmassem indelevelmente como verdades históricas. São esses valores que hoje a sociedade angolana reconhece e clama para si de modo efetivo; temos esse direito; lutamos para isso!

Muito desses valores são enfeixados na ideia ampla e vaga de democracia. Apesar disso, a enorme extensão atribuída a essa palavra fez com que perdesse um pouco de sua clareza, tornando-se algo fluida, com sentido vago, por vezes indeterminado; aliás, dentro do nosso contexto, percebe-se que ninguém melhor do que o MPLA para fazê-la perder o significado, por isso Angola ainda é e continua a ser um país governado de forma autoritarista.

Como resultado dessa imprecisão semântica, os regimes ditatoriais (Angola é uma ditadura travestida de democracia; a única diferença é que não o somos formalmente) sempre se disseram democráticos! Mesmo nos dias de hoje, à semelhança do Estado angolano, há Estados cuja democracia não passa de fachada. São democráticos apenas no papel e no discurso; formalmente, pois, na realidade, como é o nosso caso, mal conseguem disfarças odiosas práticas totalitárias, com o patrulhamento ideológico, controle velado da comunicação social, perseguição e até morte de opositores, inexistência de sistema jurídico-social sério em que os direitos humanos sejam afirmados e efetivamente protegidos. É infelizmente o que acontece em Angola.

Tudo isso acontece, apenas para que o povo permaneça submisso, dócil à dominação, ensejando que as correntes políticas detentoras do poder nele se perpetuem. Busca-se suprir a falta de talento ou competência para gerir o Estado de forma igualitária e em atenção ao bem comum com a força convincente do dinheiro do petróleo, que pertence a todos angolano, ou do uso do arbítrio; da coação mental irresistível.

A ideia de democracia, aí, é meramente formal e quimérica. Em Angola, JES e o MPLA compram tudo. Chegamos ao cúmulo do absurdo no mês de maio, quando o JES nas vestes de Comandante em chefe graduou o Presidente do Tribunal Supremo a General do exército em época de eleições infringindo subjetivamente o medo; – depois diz que somos um país democrático. Que democracia é essa que temos no país se até mesmo nas hostes de seu partido não há democracia? (vejam as manobras que ele infringiu para ele e o seu amigo fossem colocados como cabeças de lista nas eleições de 31 de Agosto; isso é, a nosso ver, um golpe constitucional que começou com a instauração à seu mando do poder constituinte originário culminando com a aprovação a atual Carta Magna).

A aludida imprecisão semântica, no mundo inteiro, também motivou o surgimento de diferentes concepções de democracia, a exemplo da liberal, cristã, marxista, social, neoliberal, representativa.

Seguindo as lições de Ferreira Filho (1) longe de prosperar em qualquer solo, a experiência de um autêntico regime democrático exige a presença de alguns pressupostos.

Há mister haver um certo grau de desenvolvimento social, de sorte que o povo tenha atingido nível razoável de independência e amadurecimento, para que as principais decisões posam ser tomadas com liberdade e consciência. Além disso, esse amadurecimento social requer progresso econômico, pois “não pode existir onde a economia somente forneça o indispensável para a sobrevivência com o máximo esforço individual. Só pode ele ter lugar onde a economia se desenvolveu a ponto de dar ao povo o lazer de se instruir, a ponto de deixarem os homens de se preocupar apenas com o pão de todos os dias”.

Para além de contraditória, essa tese é considerada por José Afonso da Silva (2) demasiado “elitista”. É que a experiência democrática supõe que sejam atingidos ditos pressupostos, o que ocorreria necessariamente dentro de um regime não democrático; supõe ainda que as elites conduzam o povo a uma situação:

“que justamente se opõe aos interesses delas e as elimina”; há, enfim, a “singularidade de aprender a fazer democracia em um laboratório não democrático”. Ressalta o eminente constitucionalista que a tese inverte o problema, transformando em pressupostos da democracia “situações que se devem ter como parte de seus objetivos: educação, nível de cultura, desenvolvimento, que envolva a melhoria de vida, aperfeiçoamento pessoal, enfim, tudo se amalgama com os direitos sociais, cuja realização cumpre ser garantida pelo regime democrático”. – assertiva da qual partilhamos.

E arremata:

“A democracia não precisa de pressupostos especiais. Basta a existência de uma sociedade. Se seu governo emana do povo, é democrática; se não, não é.”

Nessa mesma linha de pensamento, assinala Friedrich Müller (3) que a ideia fundamental de democracia reside na “determinação normativa do tipo de convívio de um povo pelo mesmo povo”. Frisa o eminente jurista que a democracia avançada vai muito além da estrutura de meros textos; significa antes “um nível de exigências. Aquém do que qual não se pode verificar – e isso tendo consideração a maneira pela qual as pessoas devem ser genericamente tratadas nesse sistema de poder-violência organizados (denominado “Estado”): não como subpessoas (Unter-Menschen), não como súditos (Untertanen), também não como no caso de grupos isolados de pessoas, mas como membros do Soberano, do “povo” que legitima no sentido mais profundo a totalidade desse Estado”.

Em Angola, nem um nem outro aspecto é perceptível ainda. A manipulação do povo é apenas um mero caminho que o MPLA encontrou e utiliza para atingir os seus próprios fins; a dominação e a perpetuação no poder! O lema do MPLA para as eleições gerais de 31 de Agosto é: “mudar sempre; mudar para melhor”. Como isso é possível se a lista dos seus candidatos são os mesmos? O que é que nos garante que não constituiremos a ser amordaçados como temos vindo a ser até aqui? Ora, não se pode falar em democracia para o país inteiro, quando dentro de um pequeno grupo ela não existe!

Destarte, conquanto vaga, angariou fama a fórmula apresentada pelo célebre presidente norte-americano Abraham Lincoln (considerado um dos idealizadores do regime democrático contemporâneo), para quem a democracia é the goverment os the peolple, by the people, for the people, for the people. Cumpre ressaltar o by the people, já que o povo é o artífice permanente da democracia. Esta não resiste à indiferença do povo, pois é a participação popular que a mantém viva. Vê-se claramente quando se faz uma análise objetiva da nossa realidade que o MPLA ainda não entendeu isso!

É preciso entender, então, que as ideias de liberdade e igualdade substancial, necessariamente, participam da essência da democracia. A liberdade denota o amadurecimento de um povo, que passa a ser artífice de seu destino e, consequentemente, responsável por seus atos. Já não existe um ser divino a quem se possa ligar o direito de exercer a autoridade estatal, de sorte a legitimá-la. É o próprio povo, soberano, que se governa. De outro lado, a igualdade significa que a todos é dado participar do governo, sem que se imponham diferenças artificiais e injustificáveis como a origem social, cor, o grau de instrução, a fortuna ou nível intelectual, muito menos por questões de conveniências políticas de exclui alguns em detrimento de outros (e.g., nós angolanos que estamos no estrangeiro não poderemos votar só porque o MPLA assim decidiu).

O respeito à dignidade da pessoal humana encontra-se na base de qualquer regime que se pretenda democrático. Há que se elevar a consciência ética. Impõem-se, notadamente às classes dirigentes (naturais formadoras de opinião), o agir ético e responsável. Com efeito, é necessário que se forme na comunidade um autêntico espírito de honestidade, e solidariedade e de cooperação de modo que o bem comum seja priorizado; mas isso é possível no atual sistema se o MPLA e JES só vivem na mentira?

A democracia autêntica requer o estabelecimento de debate público permanente acerca dos problemas relevantes para a vida social. Para tanto, deve haver acesso livre e geral a fontes de informações. O debate vigoroso, pautado pela dialética, contribui para que as pessoas formem suas consciências políticas, evitando serem induzidas por doutrinas malsãs, enganadas por veículos de comunicação usurários, ludibriados pelas pirotecnias do marketing político-eleitoral, em que a verdade nem sempre comparece. Assim, é preciso que o povo goze de amplas liberdades públicas, como o direito de reunião, de associação, de manifestação, de crença, de liberdade de opinião e de imprensa., entretanto, em Angola a censura na mídia pública é descarada mesmo quando está à vista de tudo e todos, ainda se nega. Basta ver agora as mudanças, por conveniências eleitoralistas, que o MPLA vai fazer no executivo exonerando e nomeando novos diretores das RNA e TPA para utilizá-la nas eleições!

É por isso que eu digo que em Angola não temos democracia, pois o regime político em apreço não se realiza sem que esteja implantado um sistema eleitoral confiável, dotado de técnicas seguras e instrumentos eficazes, aptos a captar com imparcialidade a vontade popular, de maneira a conferir segurança e legitimidade às eleições, aos mandatos e, pois, ao exercício da autoridade estatal.

Hodiernamente, predomina a concepção segundo a qual todo poder emana do povo, que o exerce por meio dos seus representantes eleitos, ou, em certos casos, diretamente. Isso exige liberdade, igualdade e efetiva participação popular. Pressupõe também a existência de partidos, porquanto se vive sob o signo da democracia partidária, também chamada de partidocracia.

Nesse diapasão assinala Ferreira (4), que a democracia consiste no “governo constitucional das maiorias, que, sobre a base da liberdade e igualdade, concede às minorias o direito de representação, fiscalização e crítica parlamentar”.

Note-se, todavia, que na ampla extensão semântica que lhe foi incorporada, a ideia de democracia não se circunscreve aos partidos políticos. Não se presta apenas a indicar a participação popular no governo na qual é assegurada a participação do povo, seja para constituí-lo, seja para indicar os rumos a serem seguidos pela nação. Para, além disso, abarca também os direitos civis, individuais, sociais e econômicos. Assim, a democracia é compreendida nos planos políticos (participação na formação da vontade estatal), social (acesso a benefícios sociais e políticas públicas) e econômico (participação nos frutos da riqueza nacional, com acesso a bens e produtos); além disso, dá ensejo à organização de um sistema protetivo de direitos humanos e fundamentais. Na base desse regime encontra-se uma exigência ética da maior relevância, que é o respeito à dignidade da pessoa humana. Isso implica promover a cidadania em seu sentido mais amplo, assegurando a vida digna, a liberdade, a igualdade, a solidariedade, o devido processo legal, os direitos individuais, sociais, econômicos, coletivos, os direitos políticos, entre outros.

Esse sistema de governo que o MPLA empreende é tão nefasto que, pasmem, tem a coragem de mudar a constituição implementando um sistema de eleição para Presidente da República sem a autorização do titular do poder político; o povo. Pensamos que a adoção desse sistema de eleição, já que não é tradicional, deveria ser antecedido de um grande debate público ou então mediante plebiscito ou referendo; são formas de participação democrática que o MPLA desconhece, a nosso ver!

Além disso, nos atuais regimes democráticos as políticas estatais já não podem pautar-se exclusivamente pelo pensamento antropocêntrico. É preciso ampliar o foco, pois o homem não está sozinho no mundo. Há que se preservar a natureza, a fauna e a flora. Urge frenar o processo de destruição que se encontra em curso. O Rio +20, conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente com o tema “o futuro que nós queremos” que vai decorrer ao longo deste mês de mais no Rio de Janeiro é o exemplo disso.

Há mister que se imponham deveres dos homens para com os demais habitantes do planeta. Deveras, a ecologia tornou-se o tema central do debate contemporâneo. Ante tal quadro, é fácil perceber que o regime democrático deve guiar-se pela dialética, dada a permanente tensão em que se encontram as ideias e os elementos que a compõem.
Definidamente, Angola só é democrática para o MPLA, porque à luz da doutrina constitucional e dos princípios eleitorais hodiernamente partilhados, não somos, nunca fomos uma comunidade democrática!

Conclusão:

Já vimos que não somos e nem nunca fomos um país democrático. Portanto, nas eleições que se avizinham, temos a oportunidade de mudarmos esse jogo a nosso favor; a favor das futuras gerações. Não nos enganemos. Precisamos mostrar para o regime ditatorial que reina em Angola quem é que verdadeiramente detém o poder do país.

Pela primeira vez na história de Angola, percebe-se que o sistema tem consciência disso e não se cansa de realizar várias manobras para sair antecipadamente vitoriosa manipulando, como sempre fez, a opinião pública nacional e internacional através da mídia pública.

É tão descarada a forma como se governa, que ao invés de se preocuparem em prestar contas da forma como são administrados os recursos do país, estão fazendo planos até 2017 e 2025; será que vamos aceitar isso?

Deus abençoe Angola
Deus abençoe a África!

 Nelson Custódio

16/06/12

Notas:

(1) Manuel Gonçalves Ferreira Filho. Aspectos do direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2003. pg. 102-103.
(2) José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. 26. Ed. Ver. E atual. São Paulo: Malheiros, 2006, pg. 128.
(3) Friedrich Müller. Quem é o povo? 2. Ed. Trat. De (alemão) Peter Naumann. Ver. Paulo Bonavides. São Paulo: Max Limonad, 2000, pg. 57, 115.
(4) Manuel Gonçalves Ferreira Filho. Curso de direito Constitucional, 31. Ed. São Paulo: Saraiva. 2005, pg. 37.