Luanda - O antigo extremo direito do 1º de Agosto e da selecção de futebol Ndunguidi Daniel (ND) fala, em entrevista à Angop, sobre o nível de desenvolvimento da modalidade ao longo dos 40 anos de Independência Nacional, alcançada em 11 de Novembro de 1975, e aponta as infra-estruturas como o principal ganho.

Fonte: Angop
Qual é o estado do futebol 40 anos após a independência nacional?
O futebol evoluiu muito ao longo dos 40 anos de independência no aspecto das infra-estruturas, condições de trabalho e não há comparação possível com o tempo anterior. Hoje, os atletas têm condições excelentes para a prática do futebol, uns já são bem remunerados – praticamente são profissionais, enquanto antes o futebol era amador – não havia nada de remuneração. Actualmente os atletas têm condições para praticar o futebol e no futuro não terão problemas sociais.

Está a dizer que os atletas do seu tempo passam por problemas sociais?
Sim, boa parte. Porque no meu tempo jogávamos mais por amor à camisola, por amor à pátria.

Falou em infra-estruturas, quer pormenorizar?
Hoje, fruto do CAN2010, temos quatro estádios excelentes. Os clubes estão a construir centros de treinamento para os seus atletas. O 1º de Agosto tem uma academia e existe ainda a Academia de Futebol de Angola (AFA).

Então o futebol evoluiu nestes 40 anos de independência?
Acho que neste aspecto evoluiu muito. Deu um salto qualitativo. Agora em termos de futebol é que continuamos a não ter ainda aquela qualidade desejável.

Porque?
Está à vista de todo mundo - o futebol angolano não tem craques (estrelas). O futebol espanhol e inglês são atractivos porquê? Porque existem estrelas. O futebol hoje é um espectáculo e quem proporciona o espectáculo são os atletas.

Os estádios em Angola têm estado vazios por falta de estrelas?
Isto está à vista de todo mundo.

O que falta para o surgimento de estrelas no futebol nacional?
Temos que formar uma nova geração, dar outra qualidade aos nossos jogadores e estabelecer o biótipo de atletas que queremos para o futuro. Temos que definir qual é o futebol que nós queremos para o nosso país. O futebol de Angola não é peixe nem é carne. Não está definido. Eu vejo o futebol do Congo, da RD Congo, do Ghana, da Nigéria e sabe-se logo. Antes, o nosso futebol tinha uma definição. Era um futebol técnico, um futebol espectáculo.

Até que ponto a vinda de treinadores, naquela altura, de países como a Bulgária, ex-Checoslováquia, ex-Jugoslávia e depois o Brasil influenciou no biótipo do futebol angolano a que se refere?
Por exemplo, no 1º de Agosto, a nossa escola era a jugoslava. O futebol no 1º de Agosto foi sempre caracterizado, até aos anos 90, pela escola jugoslava, por técnicos jugoslavos, onde a força é aliada à técnica e tivemos frutos. No Petro era o futebol brasileiro.

Quando se fala em biótipo trata-se já de uma questão de política desportiva do país?
Exactamente. O país tem de definir políticas desportivas não só para o futebol, mas para o desporto em geral. Há países que são conhecidos no mundo por causa do desporto, como o Brasil actualmente por causa do Neimar, a Argentina por causa do Messi. Os maiores embaixadores, os maiores diplomatas no mundo são os desportistas. Eles é que fazem a maior propaganda dos respectivos países, mesmo não sendo diplomatas de carreira. Angola tem que embalar neste século XXI.

Permita-me que retroceda para o início da entrevista, onde falou da evolução das infra-estruturas, fundamentalmente após o CAN2010 que Angola albergou. Como encara a gestão destes imóveis?
Aí já é outro departamento. Acho que estes estádios deviam ser entregues a gestores profissionais ou a empresas privadas, porque o Estado angolano tem outras preocupações.

Fale mais sobre as escolas de futebol em Angola...
Temos que inundar o país com escolas de futebol. Actualmente só temos três escolas com boas condições: a do 1º de Agosto, da AFA e a do Petro Atlético de Luanda, num país com 18 províncias. A Alemanha, que é um país territorialmente inferior a Angola, tem 25 centros de treinamento especiais só para o futebol jovem. Por isso, deram espectáculo no recente mundial, disputado no Brasil.

Além das escolas citadas, existem outras como a Norberto de Castro, Joka Sport...
De facto, omiti estas, mas continuam sendo poucas num universo de 18 províncias. Considero muito poucas. O Estado tem que investir no desporto se quiser que a sua bandeira seja elevada ao mais alto nível. Os investimentos no desporto são muito fracos.

Apenas para deixar bem claro. No seu ponto de vista, o futebol evoluiu muito ao longo dos 40 anos de independência apenas em termos de infra-estruturas?
Sim, em termos de infra-estruturas a evolução está à vista de todo o mundo. Mas agora no futebol praticado, aí já não houve evolução. Sem medo de errar, o nosso futebol não tem qualidade nenhuma. Temos de ter a coragem de dizer isso e investirmos na formação, porque o nosso futebol decresceu, fundamentalmente depois da última geração de jogadores como Akwá e Mantorras.
Primeiro formar o jovem como homem na sociedade, depois como futebolista e em seguida fazer a gestão dos investimentos que forem feitos. O futebol hoje é táctico e o futebolista deve ter capacidade intelectual para assimilar as orientações do treinador. Angola tem 24 milhões de habitantes, não é difícil pegar em 60 jovens com 10 anos e acompanhá-los até 2022. Os maiores países no mundo em termos de futebol fazem isso. A Alemanha para ganhar agora o mundial do Brasil2014 começou a preparar a equipa depois do de 2006. Muitos destes atletas agora campeões do mundo eram sub-14 e sub-15.

O desporto escolar seria um caminho?
Exactamente. Eu venho do desporto escolar, tal como a maioria dos craques deste país.

Actualmente existe desporto escolar, como tal, em Angola?
Que eu saiba não existe.

Esta questão do desporto escolar passa muito pela valorização do professor de educação física?
Exactamente. A disciplina de educação física deve ser mais valorizada. Eu sou do tempo em que se podia reprovar se não tivesse boa nota em Educação Física. A disciplina é importante para desenvolver as capacidades motoras do estudante.

Qual é a importância dos centros de treinamento?
Isto é fundamental, porque há jovens que ainda praticam futebol em campos pelados nos campeonatos juvenis e juniores. Acho que, assim como se proibiu nos seniores jogar em campos pelados, se devia exigir o mesmo aos escalões de formação.

E sobre os talentos?
O talento natural existe. Agora é importante saber como estão a ser formados, como está a ser transmitido aos jovens o ABC do futebol para que eles possam desenvolver as qualidades natas.

Não depende também da formação e valorização do próprio treinador? Os melhores estão no futebol de alto rendimento, não é assim?
E de quem é a culpa? Dos dirigentes. Agora, no nosso Girabola2015, dos 16 treinadores 11 são estrangeiros, o que é uma vergonha. Existem equipas que contratam treinadores estrangeiros para não descerem de divisão. Agora eu pergunto como fica o treinador nacional? Há um preconceito em relação ao nacional. Mas, na verdade, o treinador estrangeiro de qualidade não vem para Angola e nem para África. Existem 11 treinadores estrangeiros no Girabola, mas a qualidade da competição não melhorou.
Dizem que sou muito crítico, mas devemos fazer críticas construtivas para melhorarmos.Portugal também tinha esta política, mas hoje o campeonato português tem 18 clubes e só um treinador é estrangeiro, o espanhol do FC do Porto. E a ele é exigido que seja campeão.

Em relação à remuneração, não estando ainda em vigor a lei do profissionalismo desportivo... Como se pode definir o desporto em Angola: é profissional ou não?
Existe um profissionalismo encapotado. Por lei, não está ainda nada definido. Mas o profissionalismo existe. Hoje no Girabola já há salários de 20 mil dólares/mês para o caso de clubes grandes. Nada comparado a clubes europeus. Mas há clubes no país que pagam bem.

Os angolanos que evoluem no estrangeiro trazem mais-valia à selecção nacional?
Eu sou de opinião que o jogador angolano que evolui no estrangeiro deve ser convocado para o 11 inicial, porque se for para ser suplente que se coloque o que joga no Girabola.

Fale mais sobre os investimentos que devem ser canalizados para o futebol...
Os investimentos devem ser contínuos. Um clube como Bayern de Munique investe anualmente quatrocentos e 80 milhões de euros. O nosso futebol é de brincadeira em relação a países como Espanha, Inglaterra, França e mesmo Portugal. Mas eu não vou patrocinar um clube que não me garante retorno financeiro - o futebol angolano não é atractivo.

Qual é para si a equipa ideal ao longo dos 40 anos de independência?
Isto é simples. Não vou agradar a todos, mas seria: Ângelo Silva (Guarda-redes), Manico (lateral direito), Lourenço e Garcia (centrais) e Mascarenhas (lateral esquerdo); Sarmento, Lufemba e Eduardo Machado (meio campo), Abel, Jesus e N’suka (ataque).

Há alguma razão para ficar de fora do 11 ideal?
Trata-se do meu “onze”. Nesta minha condição de treinador, não posso colocar todos, mas reconheço terem ficado de fora outros jogadores também de muito valor.

Quem seria para si o futebolista de todos os tempos?
Dinis. Para mim, foi o maior. É o nosso Pelé.

E o desportista de todos os tempos?
Também é o Dinis.

O Ministério da Juventude e Desportos e a Federação Angolana de Futebol anunciaram para este ano a realização de uma conferência nacional de futebol. Qual é a sua opinião?
Não vai dar em nada. É desnecessária. Já houve vários encontros de futebol em Angola, mas depois fica tudo em papel e na gaveta. Tem que se partir para a acção e acção é o futebol jovem. De quem é a AFA? Então se o kota (patrono da AFA) deu o exemplo, dizendo o caminho, as pessoas estão a dormir! Não é necessário encontro. Deve-se apostar no futebol jovem, na formação.

Foi estrela do futebol angolano. Entretanto, não chegou ao profissionalismo...
Não cheguei ao profissionalismo porque na altura não era permitido. Em 1979 devia ingressar no Sporting de Portugal, mas não foi possível por lei.

O Sport Lisboa e Benfica também já esteve na corrida?
Também, em 1990, com 33 anos. Eles gostaram do meu futebol.

Sente-se realizado?
(Silêncio)

Em face do silêncio, o que ganhou com o futebol?
Concretamente nada. Ganhei prestígio e fama. Financeiramente, não ganhei absolutamente nada.

Noto que fala com nostalgia. Sente que não é reconhecido por tudo que deu ao futebol nacional?
Pelo Estado angolano não me sinto reconhecido. Apenas pelo meu clube, o 1º de Agosto, onde sou actualmente conselheiro para o futebol e embaixador.

Reclama por este reconhecimento?
É claro. Fui embaixador do desporto angolano como todos os outros e em tempos de guerra. Penso que o Estado angolano deve-me este reconhecimento.

É treinador de futebol, inclusive ganhou um título nacional em 1998 e levou a equipa à final das Afrotaças. Já não exerce, porquê?
Como treinador activo, já não por opção. Eu tenho ideias próprias e noto que não há espaço para mim.

Por tudo que representa para o futebol angolano, se fosse presidente da Federação Angolana de Futebol (FAF) onde começaria a trabalhar?
Já batemos nesta tecla. Na formação.

PERFIL

Nome: Ndunguidi Daniel Gonçalves
Naturalidade: Buco Zau (Cabinda)
Data de Nascimento: 13 de Outubro de 1956
Comida Preferida: Funje de milho (molho variado)
Bebidas: Vinho
Ocupação nos tempos livres: Navegar na internet sobre temas variados como política, desporto e entretenimento.
Cantor preferido: Augusto Chacaya, uma das referências da banda Jovens do Prenda.
Troféus conquistados como atleta: Campeonato nacional em 1979, 1980 e 1981.
Troféus como treinador: Bi-campeão nacional (1998 e 1999) e três vezes vencedor da Supertaça (1998, 1999 e 2000)
Internacionalizações: Oitenta, num percurso entre 1976 até finais da década de 1980.