Lisboa - Quem o diz é o Ministério Público na acusação de corrupção que envolve o vice-presidente de Angola e um procurador português, acusado igualmente por violação do segredo de justiça por passar dados e documento de investigações, sob sigilo, ao advogado de Manuel Vicente.

Fonte: Publico

Advogado  vazou  dados de inquérito em segredo a João Maria  

Paulo Blanco, advogado do vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, passaria informações sobre inquéritos que visavam o ex-presidente da Sonangol e estavam em segredo de justiça ao Procurador-Geral da República de Angola, José Maria de Sousa. Isso mesmo é referido no despacho que acusa de corrupção Manuel Vicente, então presidente da Sonangol, e um procurador português, Orlando Figueira, a quem o governante angolano terá pago mais de 763 mil euros para arquivar dois inquéritos que o envolviam, no início de 2012.


A urgência de Manuel Vicente fechar aquelas investigações está associada, segundo o Ministério Público, ao facto de o então presidente da perolífera angolana ter a expectativa de ser nomeado ministro, o que veio a acontecer no final de Janeiro de 2012, duas semanas depois de arquivada a primeira investigação.

 

O Ministério Público, que também acusou o procurador Orlando Figueira e o advogado Paulo Blanco de um crime de violação de segredo de justiça, refere expressamente dois emails e uma carta enviados por Paulo Blanco ao PGR de Angola. O advogado acabou por representar mais tarde o próprio José Maria de Sousa num processo relacionado com suspeitas de branqueamento de capitais que visavam o magistrado angolano, entretanto encerrado.

 

Um dos dois processos arquivados por Orlando Figueira estava relacionado com uma investigação por suspeitas de branqueamento de capitais que visava Manuel Vicente, um caso aberto na sequência da compra de um apartamento no empreendimento Estoril Sol Residence, em Abril de 2011, por 3,8 milhões de euros. O inquérito tivera origem numa comunicação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), que detectara que o fundo de investimento que vendeu os apartamentos não tinha cumprido as comunicações obrigatórias ao nível da prevenção de branqueamento de capitais apesar de alguns dos compradores dos imóveis de luxo serem altos dirigentes angolanos, consideradas pessoas politicamente expostas ao abrigo daquela legislação.

 

Segundo a acusação, em Outubro de 2011, depois do procurador Orlando Figueira ter informado o advogado da existência daquela investigação, “Paulo Blanco enviou uma mensagem de correio electrónico para o Procurador-Geral da República de Angola, José Maria de Sousa, dando-lhe conta que após a reunião com o arguido Orlando Figueira no DCIAP [Departamento Central de Investigação e Acção Penal] lhe fora garantido por este que os documentos comprovativos de rendimentos profissionais e/ou prémios de gestão de cidadãos angolanos visados no âmbito desse inquérito não ficariam acessíveis a qualquer consulta pública”, lê-se na acusação.

 

Isto porque Paulo Blanco – também acusado de corrupção, branqueamento e falsificação de documento – viria a juntar ao processo várias declarações de rendimentos de Manuel Vicente, entre as quais uma da Sonangol e outra do BCP, para comprovar a origem lícita do dinheiro. Foi com base nestes documentos que o procurador Orlando Figueira separou as suspeitas relativas a Manuel Vicente num processo autónomo e, uns dias mais tarde, em Janeiro de 2012, arquivou o caso.

 

Nessa altura, aconteceu tudo que Blanco descrevera ao PGR de Angola, uns meses antes. Após um requerimento de Paulo Blanco a pedir a restituição dos originais das declarações de rendimentos, Orlando Figueira aceita retirá-los do processo, onde nem sequer ficam cópia dos mesmos. Curiosamente cópias dessas declarações foram encontrados em casa do procurador Orlando Figueira, quando o mesmo foi alvo de buscas em Fevereiro do ano passado.

 

Numa nova mensagem enviada ao PGR angolano, no dia seguinte ao email referido antes, Paulo Blanco comunica-lhe que “não constava do processo qualquer esclarecimento à CMVM”, que denunciara o caso.

 

A acusação refere ainda uma carta enviada por Blanco ao PGR de Angola a 22 de Setembro de 2011, dando-lhe conta que, uns dias antes, o PÚBLICO noticiara a existência de um inquérito que investigava a aquisição de 24% do Banco Espírito Santos Angola por parte da Portmill, uma sociedade que, segundo o Ministério Público, era usada por Manuel Vicente para negócios privados. Blanco dizia a José Maria de Sousa que nessa altura esta sociedade já poderia intervir no processo, uma vez que, até ali “estava de alguma forma constrangida de agir no processo pendente no DCIAP”, sob pena de indiciar o uso de informação decorrente da quebra do segredo de justiça.

 

Na mesma carta, Blanco comunicava ao PGR angolano que nesse dia o jornalista Rafael Marques – que tinha feito, com Alfredo Parreira, a participação criminal que dá origem ao inquérito à Portmill e a outras empresas alegadamente usadas por dirigentes angolanos para camuflar negócios- ia ser inquirido como testemunha nas instalações da Polícia Judiciária e que iria a posteriori tentar tomar conhecimento do teor do depoimento prestado. A acusação diz que Orlando Figueira pediu a 27 de Dezembro de 2011, em plenas férias judiciais, o processo à PJ a fim de ser “fotocopiado” e que na posse das cópias deu conhecimento do seu conteúdo a Paulo Blanco.

 

Contactado pelo PÚBLICO, apenas o advogado de Manuel Vicente, Rui Patrício, quis comentar as imputações feitas: “A acusação quanto ao meu constituinte não tem qualquer fundamento factual ou jurídico”. O PUBLICO tentou contactar a PGR de Angola, sem sucesso, tendo Paulo Blanco e o seu advogado remetido qualquer comentário para um comunicado divulgado esta quinta-feira. Também o defensor do procurador Orlando Figueira, Paulo Sá e Cunha, optou por não prestar declarações.

 

A 12 de Janeiro de 2012 quando arquiva o inquérito que visava Manuel Vicente, então presidente da Sonangol, o procurador Orlando Figueira determina que fosse “destruído/apagado” do Apenso 1 do inquérito mãe, que tinha estado na origem daquele processo, “as referências a Manuel Vicente”.

 

No cumprimento daquela ordem, diz a acusação, “foram recortados” por um funcionário do Departamento Central de Investigação e Acção Penal em seis folhas “as menções ao nome do arguido Manuel Vicente e foi manuscrita” uma explicação, que remetia para o despacho de arquivamento dado por Orlando Figueira no inquérito filho. Contrariamente ao que aconteceu com o processo que visava Manuel Vicente, o inquérito mãe só foi arquivado em Janeiro de 2015, três anos mais tarde.