Luanda - O 'rapper' e ativista luso-angolano Luaty Beirão afirmou hoje que as detenções, há precisamente dois anos, no âmbito do processo conhecido em Angola como "15+2", foram o "ponto de partida" da contestação "exponencial" ao regime angolano.

Fonte: Lusa

Luaty Beirão, um dos 17 ativistas condenados pelo tribunal de Luanda a penas de prisão efetiva e que foi libertado há cerca de um ano, recordava à Lusa o dia 20 de junho de 2015, quando foram feitas, em Luanda, as primeiras detenções no âmbito deste processo, que atraiu a atenção internacional sobre Angola.

 

"Faz dois anos hoje que saí para ir discutir o sexto capítulo de um livro e as formas que o que nele era sugerido poderia ser aplicado à nossa realidade e voltei para casa algemado, acompanhado de uma dezena de polícias, pela última vez em seis meses", recorda.

 

Com dois anos de distância e há praticamente 12 meses em liberdade, depois de ter começado a cumprir pena de cadeia, o ativista garante que voltaria a fazer tudo da mesma forma "sem alterar uma vírgula".


"Tenho dificuldades em estabelecer a dimensão do que mudou no país, mas acho que mudou muita coisa, que se sente. Coisas que podem não ter a ver só com isso [o processo], mas que têm aí um ponto de partida: Há um aumento exponencial do descontentamento, sobretudo nas redes sociais, algumas são pessoas que estão dentro do sistema e do regime", observou Luaty Beirão, em declarações à Lusa.

 

Os 17 ativistas foram condenados a penas efetivas de cadeia a 28 de março de 2016, depois de seis meses de prisão preventiva e mais de quatro meses em prisão domiciliária. No caso de Luaty Beirão, no mesmo dia começou a cumprir a pena de cinco anos e meio de prisão, interrompida, tal como os restantes colegas, após decisão favorável do Tribunal Supremo ao recurso interposto pela defesa, em junho.

 

A detenção destes jovens - sobretudo estudantes, professores e outros licenciados -, que se reuniam em Luanda para discutir política e alternativas para o país, os meses de prisão preventiva, a condenação por atos preparatórios para uma rebelião e associação criminosa a penas entre os dois e os oito anos e meio de prisão, colocaram a defesa dos direitos humanos em Angola nos holofotes internacionais.

 

"Há hoje uma sensação maior de liberdade na forma de abordar as figuras de Estado que se predispõem nas redes sociais", observa igualmente Luaty Beirão, ao fazer a retrospetiva dos dois anos sobre o início do processo.

 

Ainda assim, admite que nas redes sociais são agora cometidos alguns exageros em relação a figuras políticas e públicas ligadas ao Governo angolano: "As pessoas estiveram caladas muito tempo, estiveram a ferver por dentro e agora estão a descomprimir. Concordar, não concordo, mas é um indício que as pessoas estão mesmo fartas e já não estão capazes de tolerar um retrocesso na forma de repressão ou na falta de liberdade de expressão".

 

No ativismo desde 2011 e que neste processo chegou a fazer uma greve de fome de 36 dias na prisão, entre setembro e outubro de 2015, Luaty Beirão lamenta que a contestação que diz estar a crescer "não se traduza em mobilizações para manifestações de corpo presente".

 

"Não tenho aquela pretensão de dizer que o nosso grupo e a nossa detenção e a nossa prisão provocou tudo isto. Mas seria falsa modéstia não assumir que terá jogado um papel no meio de todas estas variáveis, contribuindo para o estado de maturação da consciência dos direitos e da erosão do medo. Fazer com que cesse o medo de ser um cidadão pleno é o nosso objetivo desde o início", apontou Luaty.

 

Condenados em março de 2016 e libertados três meses depois por decisão do tribunal, os 17 jovens ativistas foram abrangidos pela amnistia aprovada há um ano, pelo parlamento, para todos os crimes, excetuando os de sangue.

 

Contudo, estes ativistas continuam a recusar a amnistia concedida, por esta não permitir levar o processo - e os recursos da condenação em tribunal -, até ao fim. Ou seja, provar a inocência ou, como dizem, que o Tribunal comprove a culpa.