Luanda - A longa e sinuosa história do nosso país, semeou no seu caminho vidas que hão de fazer falta à Pátria e transpassar os corações das famílas, produzindo dor e um vazio que se reproduzirá por gerações.

Fonte: UNITA

Integra do texto do elogio funebre 

Essas vidas tornar-se-ão em orgulho da Pátria e honra dessas famílias, ao entendermos que elas foram entregues por imperativo de causas e ideais, no centro das quais estiveram a busca da liberdade, da dignidade e do bem-estar de todos os angolanos.

Arlindo Chenda Isaac Pena é um dos filhos da Pátria Angolana, que muito cedo se ofereceu de corpo e alma ao nosso País, consentindo inúmeros sacrifícios, até à sua morte.

Filho de Isaac Pires Pena e de Judith Chinakusoki Pena, nasceu a 27 de Novembro de 1955 na aldeia de Kalikoke, comuna de Chivaulo, Município do Andulo, Província do Bié.

Fez os seus estudos primários na Escola de Samaria e depois na escola de Boa Esperança, terminando na Missão de Chilesso.


Prosseguiu os seus estudos fazendo o Primeiro Ciclo Geral, com opção ao curso de electricidade, na Escola Comercial e Industrial de Silva Porto, agora Kuito-Bié.

Ainda em Silva Porto, Arlindo,como era chamado nas lides académicas, matriculou-se no então Liceu Silva Cunha, no ano lectivo 1972-1973, no 6o ano dos Licéus, tendo optado

pela Alínea F (Letras), habilitando-o a seguir o ensino universitário ou um curso profissionalizante.

Era um aluno muito tranquilo, sobretudo no momento das provas, quando muitos se agitavam para dele tirar dúvidas. Na alínea F era obrigatória a opção por uma língua estrangeira. Ele optou pelo inglês, de que era exímio conhecedor.

No ano lectivo 1973-1974, Arlindo era finalista do 7o Ano dos Liceus. Ele mais dois colegas cujos nomes coincidentemente iniciavam com a letra “A”, receberam a designação de “OS Três As”, como manifestação de algum racismo, própria daquela época, para se referir aos três negros, fazendo analogia ao óleo alimentar de péssima qualidade, que era produzido em Angola pela AlgodoeiraAgrícola de Angola - AAA (3 As).

Essa designação pejorativa não incomodava o Arlindo, pois ele a rir dizia: “quero vos ver um dia, quando os turras chegarem”.

Nesse período vivia com os irmãos, sob vigilância da PIDE- DGS, por causa da sua afinidade com o Dr. Jonas Malheiro Savimbi, que combatia de armas na mão pela independência de Angola.

Na verdade a partir de 1968, foi manifestando ideias de revolta contra o regime colonial português,lançando palavras indirectas no convívio com colegas e amigos, que cedo descobriram que Arlindo possuía conhecimentos suficientes sobre a existência da UNITA no leste de Angola.

Nessa altura em conversas, os demais apenas ouviam rumores sobre os “turras” que perturbavam ou ameaçavam a estabilidade.


Arlindo demostrava atitudes de coragem em todas as actividades da mocidade portuguesa, de que era membro e participava e reagia às conversas com gargalhadas.

Mais do que isso, repartia o seu tempo entre Silva Porto (actual Kuito Bié) e Nova Lisboa (actual cidade do Huambo), participando em excursões e actividades culturais ou recreativas, envolvendo a juventude estudantil nas várias missões evangélicas, nomeadamente a do Chilesso, Dondi, Chissamba, Kamundongo, Elende, Bunjei e Bailundo.

Na altura, os jovens da Igreja Evangélica Congregacional do Bié, com o falecido Pastor Mateus Maliti, estavam enquadrados numa organização Juvenil chamada JICA – Juventude da Igreja de Cristo, que levava a cabo campanhas de evangelização nos bairros periféricos da cidade. Arlindo integrava o corpo directivo desse núcleo juvenil.

Praticava futebol, teatro e tocava viola. Fazia dessas excursões, uma rica oportunidade para mobilizar a juventude a revoltar-se contra a colonização portuguesa.

Quando se dá o 25 de Abril e começam a soprar os ventos da Independência, Arlindo diz abertamente que era sobrinho de Jonas Malheiro Savimbi. Isso foi motivo de chacota e desprezo, pois os colegas acharam que ele estava a puxar demasiado pelos galões, ao achar-se muito próximo de uma figura tão sonante e histárica.

Mas ele ria-se e dizia que sim. Era filho da irmã dela. Essa chacota cedo se transfomou em temor e respeito, até dos professores que eram a fina classe da colonização racista e opressora.

Com a entrada dos movimentos de libertação nas cidades, ingressa na UNITA em 1974 e empenha-se nas actividades de mobilização, levadas a cabo pela JURA (Juventude Unida Revolucionária de Angola), de que era um dos maiores activistas e mais tarde o Presidente.

Fruto do seu dinamismo, na companhia de Altino Bango Sapalalo “Bock, Baltazar Gil, Tito Chingunji, Teodoro Sikuete, Ribeiro Saunje, foram mobilizados pelo falecido Engo Elias Salupeto Pena, para frequentarem um curso de formação militar em Londres em Abril de 1975, curso interrompido com a eclosão da guerra civil e da retirada da UNITA em Luanda.

Apelidado por “Ben Ben”, em homenagem ao líder Revolucionário Argelino Amehd Ben Bella, integra a resistência popular generalizada organizada pela UNITA em 1976, assumindo várias funções como Político e Comandante, de entre as quais a de Chefe das Operações das FALA.

Neste mesmo ano, em pleno início da guerrilha, na companhia de Valdemar Pires Chindondo, Alberto Chendovava, Felizberto Njele, Sakato de Mecre, Ezequiel Saul, Joaquim Kahombo, Alexandre Chanja, Olívio, Baptista Vindes, Dário Samessele, Constância Kulanda, Anita Chimbili, Aires Candeia, Kalakata, Mário Vasco Kanhali Vatuva, David Kokelo e outros, fundam a Região Militar 45 na Base de Chinhama, algures na margem esquerda do Rio Kutato.

Em 1977,já capitão, o Comandante Ben Ben, também conhecido naquela altura por Camandante FAYOL, a partir de Abril de 1977, dirige uma operação de travessia da Fronteira da Namíbia (antigo Sudoeste Africa),de cerca de 60 cadetes de entre os quais contavam-se Artur Santos Vinama, Alípio Candeias, Garcês Chipeio, Carlos Calita, Dias de Vasconcelos, Araujo chimbanda, Valeriano Trigo, Leonel Epalanga, Arão Ngolo e outros, enviados pela Direcção da UNITA para quatro (4) cursos. Vinte (20) cadetes sob seu Comando, frequentam, o curso de artilharia; Vinte (20) sob Comando do então capitão Ilídio Paulo Sachiambo, frequentam o curso de oficiais; dez(10), sob o comando do então Tenente Peregrino Isidro Wambu Chindondo, fequentam o curos de Inteligência Militar e Dez (10), sob o comando do então Tenente Pinto Rebelo Chikoty, frequentam o curso de Engenharia e Sapadores.

Partiriam da Região Militar no63 (Sudoeste do Chitembo, pela rota da Região Militar no17 (Chissombo, Luatuta, Savate Cahira), com todos os riscos possíveis, porquanto, além do perigo das ex-FAPLA, os dois Pelotões de cadetes também podiam ser atacados pela SWAPO.

Com a sua grande experiência, o Comandante Ben Ben conseguiu conduzir incólume os pelotões até à Base de Bwabwata, no estreito de Caprivi, onde, sob coordenação do Brigadeiro Oeischig e do Comandante De La Ray (todos Sul Africanos), decorreu esta formação, que teve a duração de quatro meses.

No fim dos treinos dessa Unidades, portadoras de armas na altura modernas, como morteiros 60mm, lança granadas 40mm, rádios de comunicação Racal, Explosivos de alta qualidade, armadilhas Booby-Trap foram enviados para diversas frentes militares e tornaram-se num pilar operacional determinante.

Em 1979, na companhia do já falecido Gen Diógenes Malaquias “Implacável”, Gen Makienze, Coronel na Reforma Mavela, Falecidos Capitão Kassuata, Major Branco, Capitão Modesto e outros, num total de 33 Companheiros, fequentaram a Academia Militar de Marrocos, para o Curso de Comandantes.

A partir de 1980, o General Ben Ben foi um dos principais Comandantes nas batalhas ao Longo do CFB, na libertação de 1/3(um terço) do país que passou a designar-se Território Livre de Angola, na Libertação do Saliente do kazombo ou ainda com o Comandante Jorge Muachilunda “Tembi Tembi”.


Em 1982 comanda a batalha do Lupiri, um contra-ataque a uma operação simulada pelas FAPLA para a captura de Mavinga. Nesta operação Ben Ben perde um dos seus melhores companheiros, o Comandante Monteiro, aquele que, pela sua postura de fidelidade, coragem e secretismo, se tornou no «Exemplo a Seguir» por todos os combatentes das FALA.

Em 1983 foi nomeado Comandante da Frente Estamos a Voltar, tendo o Gen Alberto Kanjongo Pongolola “Mbunji” como seu Comandante táctico. Nessa qualidade, em Abril de 1983 coordena o levantamento da Vila estratégica do Munhango.

Notabilizando-se em várias outras batalhas em que participou,respeitou sempre a vida humana até dos seus inimigos, na condição de prisioneiros de guerra. Isto mesmo foi testemunhado por Fred Bridgland, por ocasião da Batalha pela Posse da Localidade de Cangonga em 1983.

Em 1984, com vista a inviabilizar o movimento logístico para a Região Leste através do CFB – Caminho de Ferro de Benguela, o então Coronel Ben Ben desempenha um papel crucial no comando das operações para o control das posições de Kangumbe, Nova Sintra e Mupende.

Em 1985, com o General António Sebastião Dembo, abrem a Frente Norte.

Tornou-se lendário a partir de 1985 quando, na qualidade de Comandante da Região Norte, ante a eminência da queda da vila de Mavinga, para a captura da Jamba, “Ben Ben” e uma composição de guerrilheiros, marcharam a pé de Malanje para montarem uma operação de socorro às tropas que defendiam essa estratégica Vila.

 

A viagem durou duas semanas, mas permitiu surpreender as forças atacantes, abortando a missão das FAPLA de capturar essa Vila e consequentemente assaltar a Jamba.

 

Promovido ao grau de General em 1986 “Ben Ben” participou também em vários processos negociais, com destaque ao primeiro encontro de oficiais militares num dos bairros do Luena, tendo como interlocutor o General e actual deputado Higino Lopes Carneiro, pelas FAPLA.

Arlindo Chenda atingiu o Grau mais Alto na hieraquia das FALA aos 34 anos de idade, quando foi promovido à patente Militar de General de Exército e nomeado Chefe do Estado Maior General das FALA em 1988.

Em 1989, na qualidade de Chefe do Estado Maior General das FALA, comanda directamente a batalha de contra-ofensiva em Mavinga, denominada “Último Assalto”.

Bem Bem foi o cérebro da grande batalha do Luena em 1991, que deu Fim ao Processo Negocial para os Acordos de Bicesse.

Abrigo dos Acordos de Bicesse, participou na fusão entre as FAPLA e FALA, dela resultando a formação das Forças Armadas Angolanas – FAA, em 1991.

Sobreviveu de forma espantosa aos confrontos de 31 de Outubro a 3 Novembro de 1992, em Luanda, como consequência da contestação da UNITA aos resultados das primeiras eleições Legislativas e Presidenciais.

Recebido pelos Generais Abílio Kamalata Numa e Galiano Bula Matadi no Bengo, juntou-se à Direcção da UNITA no Huambo e em Setembro de 1993, fez parte de uma delegação da UNITA que iria entrevistar-se com o Presidente Português Mário Soares, para esclarecer os mal entendidos entre a UNITA e Portugal.

Neste mesmo ano e como militar disciplinado, não obstante os acontecimentos de Luanda, onde perdeu o seu irmão mais velho, Engo Agrónomo Elias Salupeto Pena, recebeu ordens do Alto Comandante e partiu para o cumprimento, aceitando regressar a Luanda.

Porém voltou a sentir-se inseguro na capital, a partir do dia em que, num atentado contra a sua pessoa, um dos seus guarda-costas foi atingido a tiro. Voltou a instalar-se no Huambo.

Sob Pressão da Comunidade Internacional e no quadro da implementação do Protocolo de Lusaka, a UNITA, nesta nova fase, foi obrigada a enviar os seus Generais para Incorporarem as FAA.

Assim, aos 24 de Setembro de 1996, o General Ben Ben e um grupo de Nove Oficiais Generais, partem do Bailundo para Luanda. Era uma missão difícil, mas tinha de ser cumprida.

Apesar do seu manifesto cepticismo junto de familiares, amigos e até oficiais, Ben Ben tinha de partir por força do exemplo. Ao então Brigadeiro Marcelino Uliengue chegou mesmo de dizer: “Tio estou a partir mas não regressarei vivo!...”

Aos 18 de Dezembro deste mesmo ano, realiza-se em Luanda a cerimónia de nomeações e tomada de posse destes Generais. O General Ben Ben é nessa altura designado ao Cargo de Chefe do Estado Maior General Adjunto das FAA, função que desempenhou com muita dificuldade, dada a situação que se vivia na altura.

Apesar do reinício da guerra civil, foi o General Ben Ben que moralmente e pelo exemplo, assegurou a permanência dos já incorporados efectivos das ex-FALA em várias unidades das FAA.

O seu estado de saúde física começou a complicar-se no dia 18 de Outubro de 1998, apresentando febres e mal-estar geral. Dada a situação de desconfiança que se vivia pelo regressoà guerra, preferiu dirigir-se a uma Clínica Privada algures no Maculusso, gerida pelo então médico e Deputado Henriques Raimundo, onde foi internado neste mesmo dia.

Mas o seu estado de saúde agravou-se tão rapidamente, obrigando à sua evacuação para o Hospital Militar Principal, para cuidados intensivos, com poucas possibilidades de ser visitado por familiares, amigos ou colegas.

Seguiu-se a indispensável evacuação para Pretória. Os médicos que o receberam detectaram uma paralesia renal e complicações pancreáticas, resultantes de uma infectação bacteriológica, com poucas possibilidades de sobrevivência. Isso mesmo foi comunicado à famíla e quatro dias depois (18 de Outubro de 1998) foi declarada a sua morte.

Das divergências surgidas entre o governo de Angola e a UNITA sobre a realização do seu funeral, prevaleceu o pedido da família que preferiu que o corpo ficasse em Pretória.

Arlindo Chenda Isaac Pena foi também um bom chefe de família, carinhoso e exemplar. Apesar das diversas actividades que desempenhava, reservava sempre algum tempo para os filhos e demais familiares.

Deixa viúva, 16 filhos e 29 netos.
Uma das grandes características do General Ben Ben era a humildade. O Arlindo era humilde, amigo sincero dos seus amigos, mas sobretudo muito divertido, muito perspicaz e muito inteligente. Nunca foi visto em nenhuma briga, pelo contrário era sempre o conciliador, o jovem solidário e apaziguador.

Enquanto residente em Luanda, Ben Ben destacou-se pela sua simplicidade ao lidar com os oficiais e soldados. Era o General da compaixão, que partilhava com os seus colegas e subordinados os momentos bons e maus. Surpreendia oficiais e soldados em situações de aflição para prestar a sua solidadariedade.

Quantas vezes não apareceu no óbito de um soldado, sargentos ou oficiais quando menos se contava com sua presença?

Ben Ben era o General cuja liderança contagiava os seus liderados, pela sua forma de ser e estar. Dir-se-ia que certamente era bom demais para durar entre nós.

Enquanto quadro político-militar da UNITA foi distinguido como Comendador da Ordem da Gravata Preta para a África Negra e no quadro da hierarquia das FALA recebeu o título de Comandante (em 19..).

Ben Ben é indescritível: trata-se de um líder do seu tempo, de uma juventude que da transição do colonialismo para a independência, cedo foi forçada a pegar em armas libertadoras.

Uma pessoa que marca gerações, dos contemporâneos aos mais velhos e futuras gerações.

Enquanto Comandante, em diversos teatros operacionais das ex-FALA, como CEMG da FAA, negociador dos acordos de paz, o Comandante e na primeira incorporação nas FAA em 1992 como General de Exército, Arlindo Chenda Isaac Pena Ben Ben transmitiu lições de Coragem, patriotismo, liderança e excepcinal competência.

Foi um dos maiores cabos de Guerra angolanos do século XX.
Ben Ben deve ser estudado pelas escolas de defesa e segurança do nosso País e do nosso continente.

 

ADEUS CHEFE, CAMARADA, MANINHO, ADEUS GENERAL, ADEUS
COMANDANTE!
A PATRIA DE NDUNDUMA QUE TE VIU NASCER TE RECEBA E GUARDE
ETERNAMENTE EM PAZ, ENTRE OS MAIORES DA NOSSA HISTÓRIA
COMUM!

Luanda, 14 de Setembro de 2018