Luanda - O ministro da Comunicação Social de Angola considera ser ainda difícil avaliar se o impacto das 'fake news' é corrosivo para os Governos, salientando que a humanidade ainda está a aprender a conviver com o fenómeno das redes sociais.

Fonte: Lusa


Numa entrevista à agência Lusa, em Luanda, João Melo sublinhou que a humanidade, em geral, vive um momento em que ainda não é fácil determinar até que ponto as informações falsas nas redes sociais podem prejudicar ou mesmo derrubar regimes, sobretudo se os governos estiverem já eleitos e instalados, embora haja uma tendência nesse sentido.

 

"Ainda é difícil avaliar. A humanidade, em geral, está num momento em que não é fácil determinar até que ponto isso é corrosivo ou não. Pelo menos, para um Governo já eleito e instalado. A verdade é que temos exemplos em que, aparentemente, as redes sociais terão contribuído para a eleição dos próprios Governos. O que acontece depois ainda estamos a aprender", sublinhou.

 

"Mas é previsível que sim. Há uma nova realidade antropológica que está a ser criada por força dessas mudanças tecnológicas, como, aliás, sempre aconteceu na história da humanidade. A cada revolução tecnológica, a realidade antropológica e sociológica muda. Penso que é isso que vai acontecer ou já estará mesmo a acontecer", acrescentou.

 

Para o titular da pasta da Comunicação Social angolana, o fenómeno das 'fake news' é, também, uma questão cuja abordagem "não é fácil nos tempos que correm" devido ao advento das novas tecnologias e à força crescente da Internet, em que Angola não é exceção.

 

"Mas as instituições têm de ponderar, a cada momento, qual a melhor atitude em relação à quantidade enorme de informações, infelizmente, na sua esmagadora maioria falsas nas chamadas redes sociais e na internet, em geral", referiu.

 

"A verdade é que as pessoas passam cada vez mais conectadas à net e as instituições acabam por ser obrigadas a esclarecer informações que circulam por esses canais. Há que fazê-lo com muita ponderação se os factos assim o impuserem, mas é um problema com que as instituições são obrigadas a lidar nos dias que correm", disse.

 

João Melo considerou que, nesse sentido, "não há mesmo saída", uma vez que, com o cada vez maior tempo que as pessoas estão ligadas à Internet e o que lá circula "pode ter uma força e um impacto que podem pôr em questão, por vezes, o funcionamento das próprias instituições, pelo que estas têm de agir".

 

Questionado sobre qual o papel que a comunicação social pode desempenhar no combate às falsas informações que dão, posteriormente, origem a notícias falsas, João Melo respondeu que passa, entre outros fatores, pelo "bom jornalismo".

 

"Esse é o grande desafio. Há quem diga que o combate às 'fake news' será o bom jornalismo, bem feito, de acordo com as normas de apuramento dos factos, verificação do contraditório, objetividade, isenção, etc. Mas a verdade é que os meios convencionais, por vezes, como que vão atrás do que circula nas redes sociais", admitiu.

 

"Cada vez mais vivemos aquilo que um filósofo italiano considera ser a 'ditadura da velocidade'. Por vezes, nesse afã de chegar mais rápido aos cidadãos, os próprios meios convencionais podem incorrer em erros", sublinhou.

 

Para João Melo, isso "também não é fácil", pelo que terá de se fazer um esforço para que os meios de comunicação social convencionais, com as devidas adaptações ao funcionamento das novas tecnologias, "não percam de vista a necessidade de respeitar as regras e os princípios mais nobres da profissão - a objetividade, a necessidade de apurar os factos, analisá-los em todos os seus ângulos, observar o contraditório e, já agora, enquadrá-los corretamente".

 

"A velocidade com que os factos circulam nas redes sociais não condiz com um correto enquadramento dos factos e, por vezes, factos não enquadrados devidamente são mal-entendidos, mal percebidos e mal noticiados. Na fase atual, uma das exigências que se faz aos órgãos convencionais é procurar enquadrar corretamente os factos e não apenas ir atrás deles", defendeu.

 

Sobre se há legislação em Angola para combater o fenómeno, João Melo referiu que o novo Código Penal, aprovado em janeiro último, contém, entre outras inovações, um capítulo reservado aos crimes informáticos, desde os crimes de natureza meramente tecnológica à ação dos 'hackers', mas também aos eventuais abusos de liberdade de expressão e de crimes contra a personalidade e honra praticadas nas redes sociais e na internet em geral.

 

"Não se trata aqui de responsabilizar os indivíduos por todas as afirmações ou pelas opiniões que emitem através das redes sociais. O direito à liberdade de expressão e de imprensa está consagrado na nossa Constituição e na nossa lei e são para ser mantidos e preservados. Trata-se apenas, como acontece em qualquer regime democrático, de responsabilizar os eventuais abusos cometidos, crimes até, no exercício desses direitos", sublinhou.

 

João Melo, para quem essa responsabilização cabe aos órgãos já definidos e existentes, garantiu à Lusa não ligar aos comentários que lhe são dirigidos nas redes sociais, mantendo uma atitude que o preserve, fazer o trabalho o melhor que pode e sabe, "sendo certo que qualquer um tem direito à sua opinião".

 

"A respeito disso, gosto muito de citar uma frase atribuída ao antigo líder soviético, Mikhail Gorbachov: 'a democracia é uma coisa boa, mas também nos obriga a ouvir muitos disparates'. Sei disso e, por isso mesmo, não costumo ligar a um certo tipo, enfim, à maioria dos comentários", concluiu.