Luanda - Um alto oficial do exército sul-africano que esteve na origem da criação dos batalhões 31 e 32 em Angola reivindicou que foi a África do Sul que, em 1976, aconselhou Jonas Savimbi a iniciar uma guerra de guerrilha.


Fonte: Lusa

Em declarações à agência Lusa em Lopitanga, onde decorreram há cerca de uma semana as cerimónias fúnebres do líder histórico da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), o tenente general Philip du Preez indicou ter estado na origem da formação de comandos africanos angolanos em Angola para combater as forças governamentais, que começaram então a ser apoiados pelos soviéticos e cubanos, numa guerra civil que só terminaria em 2002.

 

"Após o final da grande guerra de 1976, quando parou, os militares sul-africanos aconselharam Savimbi a não tentar avançar no terreno sem mais nem menos [para combater as forças governamentais], mas entrar sim num esquema de guerrilha. Mas Savimbi preferiu fletir para o leste, para a província do Moxico, para descansar e preparar as suas tropas", sublinhou.

 

"Depois enviámos uma mensagem a Savimbi a perguntar se queria a nossa ajuda, que nós enviaríamos pessoal para o Moxico. Disse que sim e enviámos cerca de 100 pessoas. Consegue imaginar o mapa da Angola de então? Do Moxico [Luena, base principal] para Catuiti [província do Cuando Cubango, próximo da Faixa de Caprivi, na Namíbia] são cerca de cerca de 1.200 quilómetros. Andaram e andaram e andaram. E, em agosto de 1976, estavam no Moxico, onde começamos então a cooperar com a UNITA. Era um pequeno número de pessoas e com poucas munições, mas tomámos conta do grupo líder. Acomodámo-los e treinámo-los", salientou o oficial sul-africano, hoje na reserva.

 

Antes, recordou o primeiro oficial de ligação entre a SADF e a UNITA, o exército sul-africano já tinha criado o Batalhão 31, com o "Grupo Bravo" (antecedido pelo "Flechas"), com elementos oriundos sobretudo da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), que ajudaram as tropas coloniais portuguesas na luta que se travava na então colónia de Portugal.

 

Os "Flechas", inicialmente conhecidos por "Corpo Auxiliar", foram uma força especial indígena criada em 1966 com o apoio da África do Sul, em resposta a uma necessidade da então Polícia Internacional de Defesa do Estado - Direção Geral de Segurança (PIDE/DGS) para a recolha de informações de interesse político-militar português no Leste de Angola, tal como disse à Lusa John P. Cann, historiador norte-americano e autor do livro "Os Flechas - Os Caçadores Guerreiros do Leste de Angola - 1965/74", publicado pela editora Tribuna da História.

 

"Antes de ter começado a trabalhar a sério com a UNITA, em maio de 1975, fui contactado por alguns angolanos para os treinar e combater as forças do MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola] e, já nessa fase, disseram-nos que os cubanos estavam em Moçâmedes [sudoeste de Angola]. Juntámos todos e depois começámos a treiná-los a sério para participarem nessa guerra, a que chamamos 'Operação Savana', em agosto de 1975", referiu Philip du Preez.

 

O oficial sul-africano lembrou que já não estava presente na criação do Batalhão 32 (ou Batalhão Búfalo), pois entregara a operação a um "jovem militar, muito bom", o então coronel Jay Breytenbach, militar de infantaria do exército sul-africano.

 

"Pegou nesse grupo e foi para a guerra, não como Batalhão 32, mas como o 'Grupo Bravo', a que se juntariam, em agosto de 1976, vários outros elementos, maioritariamente da UNITA, que criaram o muito eficiente Batalhão Búfalo", explicou.

 

Questionado pela Lusa sobre as razões de o exército sul-africano ter decidido envolver-se na guerra civil em Angola, Philip du Preez lembrou que, na altura a palavra "comunista" era "muito, muito mal vista" na África do Sul e que a presença de militares soviéticos e cubanos nas proximidades do então Sudoeste Africano não agradava.

 

"Trabalhámos muito com Savimbi, de 1975 até 1976 e, depois, até 1990", lembrou o oficial sul-africano, que considera o líder histórico da UNITA como um homem "muito carismático, um grande líder e adaptável".

 

"Estive presente quando falava com os reis tradicionais locais, com os seus súbditos. Não se pode imaginar a impressão que causava. Falava sempre com uma linguagem popular e não havia nenhum chefe tradicional que se lhe opusesse. Nós, sul-africanos, gostávamos muito de Savimbi", realçou.

 

Sobre a realização das cerimónias fúnebres de Savimbi, 17 anos depois da morte - foi morto em combate em fevereiro de 2002 -, Philip du Preez considerou um "grande gesto de reconciliação nacional", lembrando que família, MPLA (no poder) e UNITA deram as mãos para que tudo fosse possível.

 

"Isto é um grande gesto de reconciliação entre as diversas fações da guerra. Nenhuma questão política poderá ser resolvida pela força das armas. É resolvida pelas palavras e pelos atos", concluiu.

 

O Batalhão 32 chegou a ser visto como uma ameaça ao regime democrático multirracial instaurado em 1994 na África do Sul pelo facto de ter sido criado, treinado e utilizado pelo regime do "apartheid". Foi dissolvido em 1993, a escassos meses das primeiras eleições democráticas e multirraciais da África do Sul por imposição do Congresso Nacional Africano (ANC).