Luanda - Depois de ter servido durante 3 anos como Director de Gabinete do mais velho, em 1983 fui designado representante em França, cobrindo igualmente a Bélgica e o Luxemburgo. Dois meses de trânsito em Kinshasa aguardando por passaportes. Não sendo na altura recomendado, evitamos os passaportes zairenses, daí a longa espera de documentos em boa e devida forma, para as nossas movimentações internacionais. Conseguimos finalmente os nossos passaportes de um prestigiado país da CEDAO. Seguimos então viagem, o cda Jardo Muekalia para Londres, Alcides Sakala para Bona e eu para Paris, acompanhados pelo mais velho Jeremias Chitunda, patrão da diplomacia da UNITA na altura. Velho Chitunda tratou e trouxe os passaportes. Todos escalaram a França, de onde cada um seguiu para a sua "posição", (como designávamos os nossos postos de trabalho).

Fonte: Club-k.net

Seis meses depois de uma adaptação possível ao novo "metier", numa das suas deslocações ao estrangeiro, o mais velho pediu a minha comparência para um encontro em Dakar/Senegal. Aparentemente o mais velho queria saber como me estava a adaptar à nova trincheira de luta.

 

Posto em Dakar, devidamente acolhido no aeroporto pelo protocolo de estado, fui encaminhado para a residência oficial onde o mais velho estava hospedado sob cuidados dos serviços da presidência da República, na altura, o grande amigo e admirador do mais velho, o presidente Leopold S. Senghor. Eu vesti-me da melhor forma possível, pois sabia que não teria tempo para uma preparação antes de ser chamado para a saudação de boas-vindas do mais velho.


O ajudante de campo anunciou a minha chegada e de seguida fui recebido. A recepção foi muito fria, contrariamente ao que era por mim esperado. O velho Jonas limitou-se a um frio e seco aperto de mão seguido de um "como está?". Deliberada e claramente demostrou-me que algo não estava bem. Tolerou a minha presença na sala onde ele estava com o seu staff mas sem dedicar-me a "devida" atenção. O velho Jonas era aberto, quente e frontal no trato com seus colaboradores. Não deixava as coisas arrefecerem, era bastante contundente e corrigia sem rodeios. Mas nesse dia ele apenas assumiu uma atitude, uma postura ostensivamente demonstrativa de que algo não estava bem.


A nossa estadia durou 3 longos dias até que na véspera do seu regresso à Angola, o mais velho me convocou, finalmente, para um tête-à-tête que se anunciava difícil para mim, sobretudo porque eu continuei sem saber as causas da decepção do Boss.


O encontro começou com o mais velho a enfatizar a importância da componente diplomática da luta. A importância estratégica da França no quadro da diplomacia internacional e africana em particular. Sublinhou as normas de conduta dos diplomatas da UNITA para logo em seguida passar à ofensiva.


"Se o maninho se veste dessa forma para me vir ver, presumo que você se apresenta ainda pior no seu dia a dia. Você está vestido como um maquisard e não como um diplomata da UNITA baseado em Paris. Você tem de ter a consciência de que representa uma causa importante e não uma associação qualquer. Você é o meu representante." (Tudo isso dito num tom de voz que bem lhe caracterizava, sempre muito pedagógico, directivo e com gravidade).


De facto o mais velho tinha razão. Sete anos de guerrilha dura, de austeridade, dificuldades de toda à ordem, agravados com a "euforia revolucionária da juventude à extrema esquerda" formatam de facto a consciência e consequentemente a postura. Era impensável na altura comprar um par de sapatos por USD 50 ou um fato por USD 200 ou USD 300, a gravata era um mero acessório sem importância. Ficamos no "rigor revolucionário", na disciplina partidária quanto à contenção de despesas, enfim, ficamos pelos mínimos.


No fim o mais velho perguntou: "Qual o seu problema? Falta de conhecimento ou de dinheiro?"


Para de seguida orientar. "Se te falta conhecimento, sem mais perdas de tempo, procure por especialistas em matéria de imagem. Diga quem é e que função exerce e eles aconselharão como se vestir. Se faltar dinheiro você sabe como proceder junto da tesouraria. Faça boa viagem e quero ver mudanças..."
Assim terminou o meu encontro...


Chegado à Paris com certeza que prestem a devida atenção às recomendações do mais velho, consultei amigos, sobretudo alguns diplomatas africanos jovens que eu via que se vestiam muito melhor do que eu.


Em função da dinâmica diplomática da minha posição, eu tinha a possibilidade de ver o mais velho com alguma regularidade. Vi-o novamente depois de pouco tempo em Marrocos em que com um sorriso nos lábios largou um "estás muito melhor". Ao fim de mais ou menos um ano, encontramo-nos com mais outros colegas em Abidjan e nesse dia chamou-me em privado para me dizer o seguinte: "O maninho sabe que eu não tenho a possibilidade que vocês têm de escolher a vossa roupa. Eu me visto do que os meus colaboradores acham ser bom para mim. Não frequento lojas desde a segunda metade da década 60. Queria pedir que o maninho também se ocupasse da minha imagem. O maninho aceita fazer isso para mim?"

Bastante honrado por esse privilégio e embaraçado com a extrema humildade do velho, eu apenas respondi: o mais velho ordena! Para mim será um prazer poder estar à altura da sua expectativa. E assim foi até 1991. Encontrei em Paris, rue Marbeuf, um costureiro, (H.U.) que estava à altura do desafio do velho que se vestia com bastante rigor e elegância de acordo com a sua própria marca.

Lukamba Gato
16/06/19